Projecto de Lei N.º 423/XII/2.ª

Assegura os direitos de utilizações livres previstas no Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos

Assegura os direitos de utilizações livres previstas no Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos

A transposição da Diretiva Europeia n.º 2001/29/CE veio introduzir na legislação portuguesa, nomeadamente no Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, o conceito de “medida de carácter tecnológico” e “medida eficaz de carácter tecnológico” e dotar de proteção jurídica a introdução dessas medidas pelos titulares de direitos em cada obra.

A Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto que concretiza essa transposição, contempla porém as limitações de âmbito impostas às “medidas de carácter tecnológico”, assegurando que tais medidas não podem impedir utilizações livres previstas no conjunto do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos. A forma encontrada então tem-se revelado inconsistente e impraticável face à realidade.

O regime atualmente em vigor contempla como “medidas de carácter tecnológico” as técnicas, dispositivos ou componentes, que impeçam a realização de direitos previstos no código, abrindo no entanto a possibilidade de, quando tal sucede, o próprio utilizador poder requerer junto do IGAC a neutralização das medidas para a concretização do seu direito.

Tal mecanismo, além de assumir a neutralização de um conceito protegido por lei, implica o depósito legal por parte dos titulares dos direitos, dos meios para o fazer. Tal solução tem-se revelado inconsequente, na medida em que não são efetuados os depósitos legais correspondentes nem são disponibilizados pela IGAC os meios reais para que o utilizador possa requerer tal serviço.

Tendo em conta que existem técnicas, dispositivos e componentes que prejudicam efetivamente utilizações livres, tais não devem ser alvo da proteção jurídica assegurada pelo artigo 217.º do Código dos Direitos do Autor e Direitos Conexos, sendo assim passíveis de neutralização por parte do lesado, com ou sem consulta dos meios depositados na Inspeção-Geral das Atividades Culturais.

Muitas destas técnicas, dispositivos ou componentes, a pretexto do combate à pirataria ou a utilizações não autorizadas, acabam por impor limitações a utilizações livres das obras, nos termos da lei em vigor, principalmente no que toca a utilizações para fins educativos, científicos ou simples cópia privada.

A par de um Projeto de Lei que cria um regime legal para a partilha de dados e obras, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõe a “desclassificação” de tecnologias limitativas dos usos livres como “medidas de carácter tecnológico” ou “medidas eficazes de carácter tecnológico”, deixando essas técnicas, componentes ou dispositivos de se enquadrar no conceito jurídico que constitui bem a proteger.

É importante salientar que os mecanismos de Digital Rights Management (DRM) prejudicam muitas vezes as utilizações comuns e são, objetivamente, uma barreira ao fluxo criativo e científico, subjugando a partilha de obras ao critério e interesse comercial. Na verdade, todo o edifício legislativo do direito de autor está ainda hoje agrilhoado a uma perspetiva de apropriação capitalista do trabalho do autor e da remuneração em função do valor comercial de cada obra. Essa formatação que define grande parte dos moldes em que se inscreve o Código de Direito de Autor e Direitos Conexos pode, no entanto, ser gradualmente adaptada, quer às necessidades culturais e sociais, quer às alterações das dinâmicas dos interesses de titulares e utilizadores e mesmo desses conceitos, quer ainda aos meios tecnológicos disponíveis.

O PCP propõe, portanto, que sejam excluídas da classificação de “medidas de carácter tecnológico” todas as técnicas, dispositivos ou componentes, que prejudiquem as utilizações livres, que sejam aplicadas a obras do domínio público, a novas edições dessas, a obras órfãs, ou a obras de titularidade pública ou apoiadas pelo Estado.

Da mesma forma, o PCP propõe que sejam eliminadas as penas de prisão previstas no código para quem neutralize ou tente neutralizar, sem autorização, as medidas de carácter tecnológico protegidas por lei bem como inverte a hierarquia de gravidade dos ilícitos previstos nos artigos 218.º e 219.º, penalizando mais quem promove ou disponibiliza comercialmente mecanismos de neutralização de medidas de carácter tecnológico.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo único
Alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

Os artigos 217.º, 218.º, 219.º e 221.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, e alterado pelas Leis n.ºs 45/85, de 17 de setembro, e 114/91, de 3 de setembro, pelos Decretos-Leis n.ºs 332/97 e 334/97, ambos de 27 de novembro, e pelas Leis n.ºs 24/2006, de 30 de junho, 16/2008, de 1 de abril, e 65/2012, de 20 de dezembro adiante designado por Código, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 217.º

Proteção das medidas tecnológicas

1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).
5- Não são consideradas medidas de carácter tecnológico as técnicas, dispositivos ou componentes que constituam obstáculo ao exercício de utilizações livres previstas no n.º 2 do artigo 75.º, no artigo 81.º, no n.º 4 do artigo 152.º e no n.º 1 do artigo 189.º do Código, ou que sejam aplicadas a obras do domínio público, a novas edições de obras do domínio público, a obras órfãs, a obras editadas por entidades públicas ou obras editadas com financiamento público.

Artigo 218.º

Tutela penal

1 - Quem, não estando autorizado, neutralizar qualquer medida eficaz de carácter tecnológico, sabendo isso ou tendo motivos razoáveis para o saber, é punido com pena de multa até 50 dias.
2 – (…).

Artigo 219.º

Atos preparatórios

Quem, não estando autorizado, proceder ao fabrico, importação, distribuição, venda, aluguer, publicidade para venda ou aluguer, ou tiver a posse para fins comerciais de dispositivos, produtos ou componentes ou ainda realize as prestações de serviços que:

a) Sejam promovidos, publicitados ou comercializados para neutralizar a proteção de uma medida eficaz de carácter tecnológico; ou
b) Só tenham limitada finalidade comercial ou utilização para além da neutralização da proteção da medida eficaz de carácter tecnológico; ou
c) Sejam essencialmente concebidos, produzidos, adaptados ou executados com o objetivo de permitir ou facilitar a neutralização da proteção de medidas de carácter tecnológico eficazes;
é punido com pena de multa até 10 dias.

Artigo 221.º
Limitação à proteção das medidas tecnológicas

1- Para efeitos do cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 217.º, os titulares dos direitos devem proceder ao depósito legal, junto da Inspeção-Geral das Atividades Culturais, dos meios que permitam beneficiar das utilizações livres previstas no Código.
2- É interdita a comercialização de edições de obras protegidas com medidas de carácter tecnológico antes da realização do depósito legal previsto no número anterior.
3- Sempre que se verifique, em razão de omissão de conduta, que uma técnica, dispositivo ou componente impede ou restringe o uso ou a fruição de uma utilização livre por parte de um beneficiário que tenha legalmente acesso ao bem protegido, pode o lesado solicitar à IGAC acesso aos meios depositados nos termos do n.º 1, ou neutralizar os seus efeitos por meios próprios.
4- (…).
5- (…).
6- (…).
7- (…).
8- [Revogado]»

Assembleia da República, em 5 de junho de 2013

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