Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Arquitectura: um direito dos cidadãos

Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos
arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de
Fevereiro) (Iniciativa legislativa de cidadãos)

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A iniciativa legislativa de cidadãos, hoje em discussão, é a primeira
apresentada ao abrigo da Lei n.º 17/2003. Queremos, em primeira
instância, saudar esta iniciativa e manifestar a nossa esperança de que
esta seja a primeira de muitas outras iniciativas que estimulem a
participação activa dos portugueses na vida política.

Importa antes de mais referir que foi o PCP quem
tomou o primeiro passo nesta matéria, batendo-se, há vários anos, pela
concretização legal do direito deste tipo de participação dos cidadãos.

Não fosse o número exagerado de assinaturas
necessárias para a efectivação deste direito e, com certeza, teríamos
muitas outras iniciativas.

Reunidas que foram, neste caso em concreto, mais de
36 000 assinaturas, a presente iniciativa legislativaversa sobre uma já
velha questão: quem pode ou não elaborar e subscrever projectos de
obras. Na verdade, o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto n.º 73/73 diz que
os projectos deverão ser elaborados e subscritos por arquitectos,
engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia civil e de minas,
construtores civis diplomados ou outros técnicos diplomados em
Engenharia e Arquitectura reconhecidos pelos respectivos organismos
profissionais. Contudo, este mesmo diploma estabelece um regime
transitório em que permite a apresentação de projectos por parte de
outros técnicos.

Queremos aqui salientar que o presente regime
jurídico surge num contexto e numa realidade histórica concreta: à data
existia um reduzido número de arquitectos, pelo que foi necessário,
face à procura, alargar o leque de técnicos aptos a subscrever
projectos.

Volvidos mais de 30 anos, estas normas, que tinham um
cariz transitório, continuam a vigorar, não obstante as transformações
que ocorreram na sociedade portuguesa.

Se é verdade que, na altura, havia centenas de
arquitectos inscritos no então Sindicato Nacional dos Arquitectos, é
também verdade que, hoje, a Ordem dos Arquitectos conta já com milhares
de inscritos.

Assim, entendemos que chegou a hora de mudar o
Decreto n.º 73/73. Na realidade, os factos que fundamentaram então a
opção legislativa estão presentemente ultrapassados, havendo a
necessidade de adequar a legislação à realidade que hoje vivemos.

Garantir a qualidade das construções, nas suas mais
diversas vertentes, deve ser um imperativo, pelo que consideramos ser
indispensável o contributo dos arquitectos na concepção dos projectos.
Contudo, a qualidade da construção não está, infelizmente, apenas
condicionada pelo projecto de arquitectura. Na verdade, também aqui as
diferenças socioeconómicas se fazem sentir.

Em todos os sectores e aspectos da nossa vida em
sociedade existem marcas profundas que demonstram as diferenças entre
as classes sociais e comprovam o fosso que separa essas mesmas classes,
sendo a habitação um belo exemplo disso. De facto, a qualidade da
construção e a própria arquitectura varia de acordo com o nível
socioeconómico do público alvo a que a construção se destina, pelo que
afirmar que, com esta alteração legislativa, se assegura a qualidade da
construção para todos os portugueses é redutor.

Não queremos com isto desvalorizar o papel dos
arquitectos, que consideramos fundamental, e a comprovar esta posição
está a actuação de um conjunto de autarquias da CDU. Veja-se o exemplo
de Évora, que, aquando da gestão da CDU, estipulou que os projectos que
incidam sobre o seu centro histórico apenas podem ser subscritos por
arquitectos, atenta a delicadeza e a necessidade que existe de
assegurar e conservar o património histórico.

Tendo em conta as alterações que se verificaram na
sociedade, nomeadamente o número de arquitectos existentes, mas também
o facto de ser cada vez mais necessário assegurar que os projectos
apresentados garantam a necessária qualidade urbanística e
arquitectónica para um desenvolvimento harmonioso do território, iremos
votar, na generalidade, favoravelmente.

Esta alteração ao Decreto n.º 73/73 é, contudo, na
opinião do PCP, um esboço inicial daquilo que deverá ser o resultado
final da discussão em sede de especialidade. Não podemos ignorar que
existem hoje profissionais a quem foram criadas, pelo próprio Estado,
legítimas expectativas de exercício de uma profissão.

Alguns desses profissionais exercem a sua actividade
há mais de 30 anos, pelo que importa encontrar uma solução legislativa
que tenha em conta este cenário. Sacrificar, por via legislativa, a
vida profissional de um número significativo de pessoas não pode nem
deve ser a solução.

Das audições realizadas na Comissão de Trabalho e
Segurança Social já resultou um conjunto de informações, contributos e
reflexões que importa valorizar e aprofundar, com vista a uma revisão
global do Decreto n.º 73/73. Nessa revisão global, acreditamos ser
possível encontrar os mecanismos legais que permitam conciliar os
diferentes interesses em causa.

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