Projecto de Lei N.º 419/XI

Aprova o quadro de regulamentação da qualidade de serviço no acesso à Internet

Aprova o quadro de regulamentação da qualidade de serviço no acesso à Internet

Exposição de Motivos

É uma evidência a crescente utilização e importância das tecnologias da informação e comunicação nos mais diversos níveis e em praticamente todas as áreas de actividade. Verifica-se aliás um recurso crescente por parte da Administração Pública a plataformas electrónicas para procedimentos administrativos essenciais para a relação dos cidadãos e empresas com o Estado, desde o fisco à segurança social, da contratação pública ao direito de petição.

Neste quadro, a utilização das TIC em geral e o acesso às redes de comunicações electrónicas e à Internet em particular tornam-se de uma forma cada vez mais evidente, não uma questão direito de consumo (o que só por si já seria de grande importância) mas eminentemente uma questão de cidadania.

No entanto, a situação actual no nosso país em matéria de regulamentação da qualidade do serviço prestado nesta área permanece numa flagrante contradição face a este quadro: continua a não existir um quadro regulamentador da qualidade de serviço no acesso à Internet. Este problema tem sido identificado e suscitado pelo PCP, que já nesta Legislatura questionou a Autoridade Nacional de Comunicações sobre a matéria, em audição na Assembleia da República.

A realidade, que é da mais elementar justiça constatar, é que a ANACOM tem desenvolvido um trabalho fundamentado de reflexão e proposta sobre «os níveis de qualidade de serviço que o prestador de serviço se compromete a assegurar perante o cliente, ou seja, os níveis mínimos de qualidade de serviço a que o cliente tem direito», e mais concretamente em relação aos critérios e indicadores relevante para a definição de tais padrões de qualidade.

Nesse sentido, já este ano foi divulgada pela ANACOM uma nota informativa indicando quais são «os parâmetros de qualidade de serviço sugeridos». Essa nota foi aliás tida em consideração de uma forma particular na elaboração do presente projecto de lei. O problema é que, sem a existência de um enquadramento legal que garanta a obrigatoriedade do cumprimento de tais níveis de qualidade, o país continua na situação pouco edificante de ter uma autoridade reguladora a agir em nome do Estado, à qual pouco mais resta nesta matéria senão emitir sugestões.

O Grupo Parlamentar do PCP tem sido aliás contactado por um grande número de cidadãos, reclamando contra a indefinição de um quadro legal que imponha um conjunto de critérios de qualidade do serviço prestado pelos operadores, resultando demasiadas vezes numa prática que impunemente vem defraudando as expectativas dos utentes face ao serviço por eles contratado. Assim, essas reclamações denunciam o frequente (e, por vezes, profundo) desfasamento entre, por um lado, as características do serviço apresentado, e amplamente publicitado, pelos operadores e, por outro lado, o serviço efectivamente prestado pelos mesmos.

É incompreensível que se mantenha este quadro, e é necessário que o Parlamento tome medidas legislativas para o corrigir, salvaguardando os direitos e interesses dos utilizadores e promovendo um serviço de qualidade no acesso às redes de comunicações electrónicas e à Internet em particular.

É nesse sentido que o PCP toma a iniciativa de contribuir com a presente proposta. Não se trata de aprovar por lei o teor de um regulamento – mas sim de decidir que ele seja criado e que tenha força obrigatória geral, definindo o quadro de critérios e indicadores relevantes para a sua elaboração, a qual deve caber à ANACOM. Importa ainda, e propomos, que seja actualizada e adaptada a Lei das Comunicações Electrónicas para que este conceito seja integrado no regime jurídico do sector.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto
A presente lei estabelece o regime jurídico da regulamentação da qualidade de serviço no acesso à Internet e define os indicadores e critérios relevantes para a sua avaliação.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
A presente lei aplica-se a todos os operadores de comunicações electrónicas que forneçam ou estejam autorizados a fornecer serviços de acesso à Internet no território nacional.

Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do disposto na presente lei, consideram-se e são aplicadas as definições constantes do Artigo 3.º da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro, adiante designada por Lei das Comunicações Electrónicas.

Artigo 4.º
Regulamento de Qualidade
1 – O Regulamento Nacional de Qualidade de Acesso à Internet, adiante designado por Regulamento, define os níveis mínimos de qualidade de serviço a cumprir pelos operadores em aplicação da presente Lei.
2 – O Regulamento incide e estabelece de forma específica as normas sobre os diferentes modos de acesso à Internet disponibilizados pelos operadores, conforme estes recorram ao envio de sinais por cabo, meios radioeléctricos, meios ópticos ou outros.
3 – Os indicadores mencionados no presente artigo são aplicáveis à avaliação dos níveis globais de qualidade do serviço prestado por cada operador e, bem assim, do cumprimento dos padrões mínimos de qualidade para com o utilizador do serviço.
4 – O Regulamento define os valores quantitativos obrigatórios, correspondentes aos seguintes indicadores:
a) Tempo máximo de admissão ao serviço, medido em dias de calendário ou horas consecutivas, que decorre desde que é efectuado pelo cliente um pedido válido de adesão ao serviço até à sua efectiva disponibilização;
b) Tempo máximo de interrupção do serviço, medido em horas de cada mês, que decorre desde o momento que o cliente deixa de ter acesso ao serviço até ao restabelecimento do mesmo e cuja responsabilidade seja imputável ao prestador do serviço ou ao operador de rede em que o mesmo se suporta. Caso no final do mês o serviço ainda não esteja restabelecido, a contagem do tempo terá de novo início no primeiro dia do mês seguinte;
c) Tempo máximo de reparação de avarias, medido em horas consecutivas, que decorre desde o momento em que uma avaria válida é participada aos serviços do prestador destinados à participação de avarias, até ao restabelecimento completo do serviço, isto é, quando é retomada a situação inicial existente antes de ter ocorrido a avaria;
d) Tempo máximo de resposta a reclamações e a pedidos de informação do cliente, medido em dias de calendário contados desde a data de apresentação à empresa prestadora de uma reclamação/pedido de informação até à data da notificação da decisão da mesma ao reclamante/data de envio, pela empresa, da resposta ao pedido de informação;
e) Tempo máximo de espera no atendimento de linhas telefónicas de apoio ao utilizador, medido em minutos e englobando o tempo total de espera, incluindo o estabelecimento da chamada e as interrupções por responsabilidade do serviço de apoio;
f) Garantia mínima de velocidade de acesso, medida em bits por segundo e contabilizada em termos médios mensais e em termos absolutos para uma dada percentagem do tempo de acesso, em função dos acessos efectivamente realizados pelo utilizador e tendo por referência o serviço de acesso contratado;
g) Tempo máximo de desligamento ou desactivação do serviço, medido em horas consecutivas, que decorre desde que é recebido do cliente um pedido válido de cessação do serviço até ao seu efectivo desligamento, entendendo-se por pedido válido qualquer pedido apresentado pelo cliente e devidamente instruído;

Artigo 5.º
Aprovação e revisão do Regulamento
1 – Compete à Autoridade Reguladora Nacional para as Comunicações, adiante designada por ANACOM, a elaboração do Regulamento referido no Artigo anterior, com o dever de cooperação dos demais organismos da Administração Pública.
2 – O Regulamento é apresentado no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente lei, e submetido a um processo de discussão pública por um período de 30 dias, findo o qual é publicado o respectivo relatório, que incluirá o conjunto das reclamações e propostas de alteração apresentadas e a subsequente versão final do Regulamento a submeter ao Conselho de Ministros.
3 – O Regulamento é publicado no Diário da República sob a forma de Decreto-Lei e deve ser objecto de revisão regular a cada três anos, nos termos do presente artigo.
4 – A aplicação integral e obrigatória das normas constantes no Regulamento entra em vigor em todo o território nacional, no prazo de 180 dias após a sua publicação.

Artigo 6.º
Norma sancionatória
1 – O incumprimento dos padrões mínimos de qualidade pelo operador determinará o pagamento de uma indemnização ou reembolso ao utilizador, nos termos a definir pela ANACOM.
2 – O incumprimento dos níveis globais de qualidade de serviço determinará a aplicação de sanção acessória e ou de sanção pecuniária compulsiva, nos termos do disposto na Lei das Comunicações Electrónicas.

Artigo 7.º
Ónus da prova
1 – Cabe ao operador a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços a que se refere a presente lei.

Artigo 8.º
Carácter injuntivo dos direitos
1 – É nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos aos utentes pela presente lei.
2 – A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo utente.
3 – O utente pode optar pela manutenção do contrato quando alguma das suas cláusulas seja nula.

Artigo 9.º
Direito ressalvado
Ficam ressalvadas todas as disposições legais que, em concreto, se mostrem mais favoráveis ao utente.

Artigo 10.º
Alteração à Lei das Comunicações Electrónicas
Os artigos 40.º, 113.º, 114.º e 116.º da Lei das Comunicações Electrónicas, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 176/2007 de 8 de Maio, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 40.º
Qualidade de serviço
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Para além do dever de informação previsto nos números anteriores, as empresas estão ainda vinculadas ao cumprimento do Regulamento Nacional de Qualidade de Acesso à Internet em vigor nos termos da Lei.

Artigo 113.º
Contra-ordenações e coimas
1 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contra-ordenações:
[…]
u) A violação da obrigação definida nos termos dos números 1, 2 e 4 do artigo 40.º;
[…]

Artigo 114.º
Sanções acessórias
Para além das coimas fixadas no artigo anterior, podem ainda ser aplicadas, sempre que a gravidade da infracção e a culpa do agente o justifique, as seguintes sanções acessórias:
a) […]
b) […]
c) Privação do direito de participar em concursos ou arrematações promovidos no âmbito do presente diploma até ao máximo de dois anos, nas contra-ordenações previstas nas alíneas l), p), u), x) e z) do n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 116.º
Sanções pecuniárias compulsórias
1 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, em caso de incumprimento de decisões da ARN que imponham sanções administrativas ou ordenem, no exercício dos poderes que legalmente lhe assistem, a adopção de comportamentos ou de medidas determinadas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, pode esta, quando tal se justifique, impor uma sanção pecuniária compulsória, nomeadamente nos casos referidos nas alíneas a), e), f), g), p), u), v), x), z), gg), mm), pp), rr), ss), tt), zz), aaa), ccc), fff), hhh), lll), nnn), sss), ttt) e vvv) do n.º 1 do artigo 113.º.
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]»

Artigo 11.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 23 de Setembro de 2010

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