Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Aprova a lei-quadro das fundações e altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966

(proposta de lei n.º 42/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros:
Foi referida uma questão óbvia, que é a do reconhecimento do papel que muitas fundações, privadas designadamente, têm na nossa sociedade. Este é um ponto prévio a todo o debate e deve estar presente no seu decurso.
Olhamos para esta proposta de lei com atenção. Não vamos fazer, neste momento, aqui, o debate na especialidade. É uma proposta de lei com alguma complexidade e que intervém sobre mecanismos jurídicos que exigem uma apreciação concreta com maior atenção. Esse é o trabalho de especialidade.
Pensamos que há uma ideia geral e positiva que é anunciada pelo Governo. Vamos ver, depois, como é a sua concretização efetiva. É evidente que, nos últimos anos — essa análise é justa —, por vários governos do PS, do PSD e do CDS, se foi criando o que agora o Governo chama de «Estado paralelo», isto é, se foi retirando da esfera da Administração Pública, no sentido mais estrito, para outras formas de organização jurídica funções que devem ser realizadas pela Administração Pública. É a isso que se chama, e penso que com propriedade, o «Estado paralelo».
Isso, evidentemente, deu para muita coisa: deu para menor transparência, deu para que algumas dessas novas entidades tivessem regimes remuneratórios, de nomeação e de contratação absolutamente inaceitáveis e ligados muitas vezes a uma forma de partidarização de funções que devem ser públicas e devem reger-se pelas normas da Administração Pública, e deu também, muitas vezes, para abrir caminho a uma privatização destas funções que são públicas e devem ser exercidas por organismos da Administração Pública.
O problema é que olhamos para esta proposta e para esta intenção do Governo de atacar a questão do «Estado paralelo» e não sabemos se o resultado final que o Governo quer atingir é o de que o «Estado paralelo» deixe de ser paralelo ou o de que o «Estado paralelo» deixe de ser Estado…!
Esse ponto é fundamental, porque receamos bem que o caminho que se pretende seguir em relação a um conjunto significativo destas funções que transitaram para entidades não estritamente da Administração Pública seja não o regresso das funções para onde elas nunca deviam ter saído, ou seja, para os organismos da Administração Pública, mas, sim, a privatização dessas funções e a retirada em definitivo da esfera pública de um conjunto de funções que devem nela permanecer e que devem por ela ser reguladas.
Este é o problema, que, aliás, assoma logo no facto de se manter intocável o regime das fundações de universidades públicas que o PCP tem vindo a contestar e que leva, de facto, a um caminho de menor capacidade pública de intervenção nesta área!
Há, evidentemente, uma série de questões que merecem debate na especialidade e que terão o contributo do PCP.
Aguardamos também que, a tempo do debate na especialidade, seja entregue à Assembleia da República o registo do censos já terminado nos seus vários aspetos. Foi hoje, aqui, referido um: o facto de haver 130 entidades públicas que participam em fundações. Mas é muito útil para o debate desta lei-quadro que se perceba o universo sobre o qual se vai legislar e as diversas formas que a participação pública tem tido ao nível das fundações.
Apelo, pois, ao Governo para que essa informação seja disponibilizada na sua completude a tempo do debate da especialidade, porque penso que será um elemento fundamental para que esse debate seja eficaz e conduza a uma lei final de acordo com as necessidades do País, procurando que o Estado paralelo deixe de ser paralelo e que não deixe de ser Estado.

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