Intervenção de

Apreciação Parlamentar nº 77/IX , que estabelece os princípios orientadores da organização<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosHoje não são dos milhares de professores excluídos dos concursos que falamos, ou dos agrupamentos ilegais mandados fazer pelo Ministério da Educação, ou até dos destacamentos irregulares despachados pelo Sr. Secretário de Estado.Hoje falamos da inexplicável decisão do governo de publicar em fins de Março um decreto-lei que tem como objectivo reformar o ensino secundário, exactamente dois meses antes de a maioria aprovar nesta casa uma nova Lei de Bases da Educação, que consagra um outro ensino secundário com outros objectivos.Mas a acção do Ministério da Educação continua a pautar-se pelos mesmos critérios. Só muda mesmo a substância.Trapalhada. Incompetência. Desorientação. Autismo. Ausência de respeito pelas famílias, pelos jovens e pelos professores.De tudo um pouco e em simultâneo. A reforma que apreciamos hoje iniciou-se ilegalmente em Setembro.Este ano lectivo, em todas as escolas do país, todos os alunos do 10º ano foram sujeitos à maior trapalhada de que há memória no sistema educativo.O Governo obrigou as escolas a leccionarem o 10º Ano de acordo com o figurino curricular em vigor e, simultaneamente, com os programas, de uma reforma ilegal que só o Ministério da Educação conhecia e que agora publicou, contrariando a Lei de Bases que aprovou há uma semana. Estas incompreensíveis decisões, sempre autoritárias estão a ocasionar enormes problemas às escolas e terão consequências na vida dos alunos que ainda não é possível quantificar.Um só exemplo, senhores deputados, tornará explícita a desorientação que reina no Ministério da Educação.Um aluno do 10º ano que está oficialmente inscrito nas disciplinas de Ciências da Terra e da Vida e em Técnicas Laboratoriais de Biologia não deu estes programas mas sim um outro, de Biologia. No entanto, chegada a avaliação, o professor terá que descobrir duas notas para duas disciplinas, cujas matérias não foram leccionadas, porque de facto o programa que foi dado não tem desenho curricular que o sustente.E porquê?Porque o Governo resolveu suspender a reforma curricular do partido socialista, sem tomar as imprescindíveis medidas que uma decisão desta natureza exigia.Como os livros estavam a ser produzidos e as editoras cansadas de alterar programas, alargá-los e condensá-los, mudar nomes a disciplinas, o governo resolveu avançar com os programas e os livros e depois logo se veria. Esta foi a única razão.Mas se este é o início de vida de uma reforma clandestina, tudo piora quando a reforma passa a ter existência legal.A incompetência e o autismo ditam regras. Quando da discussão da revisão do ensino secundário em Fevereiro de 2001, proposta pelo PS, o PSD afirmava que uma alteração desta natureza implicaria que o Governo “tivesse procedido a uma avaliação séria da última reforma curricular e, em função dos seus resultados, introduzisse no regime legal apenas e só as medidas estritamente necessárias…”.Ora o que fez agora o governo do PSD-CDS/PP. Exactamente o mesmo de que acusou o PS. E as alterações que introduziu na reforma foram, exclusivamente, para agravar o que de mais negativo possuía o texto anterior.O governo de coligação evidenciou uma confrangedora incompetência para aprender com os erros e mostrou-se incapaz, como em outras matérias, de concretizar um modelo agora não de concursos, mas de práticas educativas.E autista porquê?Porque apesar de colocarem em discussão pública a sua proposta, não foram capazes de ouvir e aceitar as muitas críticas formuladas, nem sequer o parecer do Conselho Nacional de Educação, nem as suas, quando eram oposição.Dizia o PSD em 2001. “A matemática e as ciências deveriam ser alvo de atenção acrescida”.E agora o que fez o governo?Empobreceu despudoradamente a qualificação dos jovens.Passa a ser possível chegar ao Ensino Superior de Arquitectura sem uma disciplina estruturante como a Geometria Descritiva.Passa a ser possível chegar ao ensino Superior de Engenharia sem um disciplina fundamental como a Física.Passa a ser possível chegar ao Ensino Superior de Medicina sem uma disciplina indispensável como a Química.Mas não só nestas áreas.É possível também que os alunos tenham acesso aos cursos Superiores de Ciências Sócio-económicas, sem nunca frequentarem a disciplina de Economia ou aos de Línguas e Literaturas, sem nunca frequentarem a disciplina de Literatura Portuguesa.Dizia o PSD em 2001: “Todo o modelo de formação inicial e contínuo de professores deverá ser revisto previamente ao desenvolvimento de reformas dos currículos e dos programas, (…) sob pena de se pretender aplicar medidas (…) perdendo-se tempo e dinheiro e transformando-se os estudantes em simples cobaias”.E agora o que fez o governo de coligação. Não fez a formação inicial e contínua dos professores. Impôs programas aos alunos que contrariam o desenho curricular em vigor.Não atribuíu as horas necessárias às escolas para leccionarem os programas “clandestinos”.Transformou as escolas, os professores e os alunos em cobaias da sua incompetência, num total desrespeito pela comunidade educativa.Dizia o PSD em 2001: “Devem surgir novas disciplinas que curricularmente abordem de forma clara, sem complexos, com recursos humanos formados atempada e especialmente para o efeito, matérias como a educação sexual, a formação ambiental…”E o que fez agora o governo.Não há novas disciplinas que abordem sem complexos a educação sexual porque o CDS não deixa, nem a Srª Secretária de Estado.E por isso não há recursos humanos formados atempada e especialmente.Mas há uma outra novidade.Segundo uma portaria de 21 de Maio, para aplicar a reforma, “Não é autorizada a anulação de matrícula na disciplina de Educação de Moral e Religião, a menos que o aluno anule a matrícula a todas as outras disciplinas”.Dizia também o PSD em 2001: “Recusamos todo e qualquer tipo de avaliação que responsabilize exclusivamente os alunos pelo insucesso educativo”.E agora o que fez o Governo de coligação.Aprovou há oito dias o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano e, ao mesmo tempo, consagra em portaria as prescrições na escolaridade obrigatória, num total desrespeito pela lei, num claro fomento do abandono e insucesso escolares, num manifesto atentado à democratização da educação.Agora os alunos que durante 2 anos consecutivos, obtenham classificação inferior a 10 em qualquer disciplina, ficam impedidos de se matricularem nessa disciplina.E ficam também impedidos de se matricular mais de 3 vezes no mesmo ano de escolaridade do curso que escolheram.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras e Senhores DeputadosSão muito graves mas também muito justas as críticas do Conselho Nacional de Educação que afirma no seu parecer “que a qualidade do ensino e das aprendizagens não depende apenas de alterações curriculares e ainda menos de modificações dos planos de estudos” E acrescenta: “o debate actual tem vindo a realizar-se assim, suportado em intervenções fragmentadas e irregulares do Ministério da Educação“Quando se esperava a fundamentação de uma “reforma do ensino secundário”, restam-nos três textos soltos.”E alerta ainda para a “profusão semântica pouco rigorosa”, para “designações carregadas de equívocos”, para a ausência “de precisões conceptuais” ou para a falta “de clareza”.É um documento exaustivo, que o Governo ignorou, e que enuncia um conjunto de preocupações que demonstram a ausência de qualidade técnica, pedagógica e científica deste texto.Diz o C: N. E. que com a proposta do Ministério da Educação “haverá um empobrecimento de formação científica e cultural dos jovens”.“A escolha do conjunto de cursos gerais (5) e tecnológicos (10) carece de qualquer fundamentação. Porquê estes e não outros?”.“Porque é que se (…) eliminam cursos tecnológicos em vigor (e com procura).”“Não se percebe também como é que estas opções se inscrevem no referido “modelo de desenvolvimento do país”.E acerca do desaparecimento do Curso Tecnológico de Mecânica diz o Conselho:“importa lembrar que a área da Mecânica tem fortes tradições no nosso ensino tecnológico e que existe um conjunto de sessenta escolas secundárias com competências para oferecer formação de qualidade nesta área.(…) não parece aconselhável desperdiçar estes recursos, e, por isso, o Conselho Nacional de Educação recomenda maior ponderação e uma revisão desta medida inexplicada de supressão do Curso Tecnológico de Mecânica”.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras e Senhores DeputadosPortugal é, entre os países da União Europeia, aquele com mais baixo índice de escolarização da sua população com o nível secundário do ensino e de formação.Enquanto na União Europeia, em 2000 o valor médio deste índice era de 60% e em Portugal de 20%, com entrada dos países do Leste Europeu a nossa posição relativa piorou ainda mais.A União Europeia tem vindo a chamar a atenção para o urgente investimento na escolarização da população do grupo etário dos 16-24 anos e sugerindo algumas acções com particular incidência no recrutamento para as vias científicas e técnicas e o reforço de matérias científicas e técnicas nos currículos do ensino secundário.Ora o que temos aqui para apreciar é o contrário de tudo isto.É um texto que aposta na redução da qualificação científica e cultural dos nossos jovens, que abre a porta à discriminação social e cultural, indiciando que há cursos de 1ª e 2ª qualidade e consequentemente barreiras ao prosseguimento de estudos.Por tudo isto propomos a cessação de vigência do diploma em apreciação.E ao Governo sugerimos pelo menos bom senso e que arrume este papel. E subscrevendo as palavras do C. N. E. sugerimos “uma nova proposta de reforma do ensino secundário, mais global e integrada, mais fundamentada e, sobretudo, mais capaz de lançar dinâmicas de esperança na melhoria do ensino e formação”.

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