Apreciação Parlamentar

Apreciação Parlamentar n.º 38/X - Porto de Sines

Do Decreto-Lei n.º 231/2006, de 24 de Novembro, que «Autoriza a APS - Administração do Porto de Sines, S.A., a concessionar o serviço público de movimentação de cargas no terminal especializado de granéis líquidos do porto de Sines e de gestão integrada dos resíduos gerados na área de jurisdição do porto»

 

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O Decreto-Lei n.º 231/2006, de 24 de Novembro, representa mais um passo, profundamente significativo, no sentido da alienação de alavancas estratégicas da economia nacional, designadamente no sector portuário. Este caso reveste-se ainda de implicações particularmente críticas para o sector energético, tendo em conta que se trata da concessão a privados do principal porto de abastecimento energético do nosso país.

Com este decreto-lei, o Governo inicia o processo conducente à concessão a privados do Terminal de Granéis Líquidos do Porto de Sines, vulgarmente conhecido por Terminal Petroleiro. Este Terminal assume um papel da máxima importância, quer sob o ponto de vista do sector energético nacional, quer no contexto da operação comercial do Porto de Sines.

Se em 2002 passaram por este Terminal 56% do total de granéis líquidos energéticos, movimentados nos portos nacionais, em 2005 esse valor era já de 61%. Foi justamente essa realidade que elevou o Porto de Sines à condição de principal porto de mercadorias do país, já que os granéis líquidos correspondem a 74% do volume total de mercadorias movimentadas neste porto. Esta situação vem demonstrar, em primeiro lugar, a dependência energética em que Portugal se encontra, mas também o carácter absolutamente estratégico deste equipamento em concreto - evidenciando-se assim, por parte do Governo, uma atitude de abdicação e submissão do interesse nacional aos interesses dos grupos privados, ao alienar o controlo e a gestão deste Terminal.

Ao invés de apontar uma visão estratégica, integrada e articulada para todo o sector marítimo e portuário nacional, o Governo prossegue uma política de segmentação, descoordenação e concorrência mútua para os portos nacionais, colocando no centro das suas prioridades uma lógica de desmantelamento do Sector Empresarial do Estado. Este decreto-lei constitui uma peça fundamental na etapa actual desse processo.

A opção do Governo no sentido de lançar o processo de concessão deste Terminal tem vindo a ser justificada com a situação de endividamento da Administração do Porto de Sines, endividamento esse que atinge um valor de 74,4 milhões de euros. Mas é indiscutível que tal situação é fruto, essencialmente, de investimentos realizados no porto de Sines num quadro de estrangulamento deliberadamente provocado por uma política de subfinanciamento público.

A este propósito, é de registar que o Porto de Sines investiu 79,6 milhões de euros entre 2002 e 2005, dos quais apenas cerca de 32% correspondem a financiamento público e 57% resultam de endividamento. A título de exemplo comparativo, refira-se ainda que, em França, investimentos deste tipo são financiados em 80% com dinheiros públicos. No presente caso, a concessão do Terminal a privados surge pretensamente como única alternativa, quando a renegociação da dívida (com ou sem antecipação de receitas) poderia ser evidentemente conduzida pela própria APS.

Não restam quaisquer dúvidas quanto à atractividade deste negócio para os interesses privados. Mas é visível que essa atractividade é oferecida no essencial à custa de bens públicos e direitos sociais. Há a este nível diversos factores a ter em conta, de que se destaca: (i) a tendência de crescimento da actividade comercial deste Terminal, com 30% de aumento da mercadoria movimentada entre 2002 e 2005; (ii) o potencial de crescimento para os próximos anos, fomentado pelas orientações comunitárias de incremento do transporte marítimo e possibilitado pela capacidade instalada no Terminal, actualmente afectada em apenas 58,6%; (iii) a política de investimento desenvolvida ao longo dos últimos anos pela própria APS, criando as condições operacionais necessárias para uma actividade comercial rentável; (iv) por último, mas não menos significativo, a perspectiva criada, especificamente com este decreto-lei, da precariedade laboral como instrumento para a obtenção de melhores resultados económicos.

O decreto-lei em apreço é inaceitável pela decisão de fundo que configura, de alienar pela concessão a privados o controlo e a gestão do Terminal em causa. Mas ao nível dos direitos dos trabalhadores, o diploma tem a agravante de impedir liminarmente o direito à contratação colectiva, estipulando na Base XI da concessão o regime de contrato individual de trabalho.

O modelo de estratégia económica preconizado pelo Governo, e aplicado com este decreto-lei, é claramente insustentável a médio e longo prazo. O Governo e a APS fazem depender a realização dos próximos investimentos da alienação de um negócio que representa 74% da actividade comercial do Porto de Sines, por um prazo de 30 anos (apontando-se a perspectiva de, à semelhança de outras concessões, ser prorrogável por igual período). Assim, os próximos investimentos reiniciariam o ciclo vicioso de endividamento e alienação, renunciando-se desde já à componente mais importante e rentável da actividade. Trata-se de uma política que inegavelmente compromete o futuro, num sector de actividade absolutamente estratégico e determinante para o desenvolvimento económico e mesmo para a soberania nacional.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162º e do artigo 169º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 199º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 231/2006, de 24 de Novembro, que «Autoriza a APS - Administração do Porto de Sines, S.A., a concessionar o serviço público de movimentação de cargas no terminal especializado de granéis líquidos do porto de Sines e de gestão integrada dos resíduos gerados na área de jurisdição do porto»

 

Assembleia da República, em 15 de Dezembro de 2006

 

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