Intervenção de

Apreciação na generalidade das Grandes Opções do Plano e OE para 2005 - Intervenção de Honório Novo

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro Senhoras e Senhores Deputados

A proposta de Orçamento de Estado para 2005 não tem qualquer credibilidade. Esta afirmação não é minha, não é sequer do PCP. É uma ideia consensual que unifica o pensamento de economistas, de gestores, de sindicalistas, de políticos das mais diversas origens partidárias, incluindo um número quase infindável que pertence ou está próximo dos partidos da maioria parlamentar. Desta vez, Senhor Primeiro-Ministro nem o Banco de Portugal o salva.

A verdade é que a proposta orçamental não tem apenas falta de credibilidade. É bem pior que isso: constitui um amontoado de truques e habilidades cujo objectivo é servir desde já a estratégia eleitoral que PSD e CDS-PP têm em marcha com vista às eleições de 2005 e 2006, faltando apenas saber se será uma estratégia conjunta ou separada…

Olhando para as previsões macroeconómicas em que o Governo sustenta a sua proposta orçamental, o mínimo que se pode dizer é que são completamente virtuais.

É que o preço do petróleo, há mais de dois meses perto dos cinquenta dólares o barril, vai certamente atingir em 2005 valores superiores aos 38 dólares previstos pelo Governo.

É que igual desvio sucederá com a estabilidade que o Governo prevê para o preço das matérias primas, mesmo sabendo que até final de Agosto os seus aumentos médios se aproximaram dos 30%!

E que dizer das consequências que a alta de preços destes produtos vai ter no valor de apenas 2% projectado pelo Governo para a inflação?

E que dizer da tendência altista do euro e das consequências negativas que poderá ter nas exportações?

Neste contexto não surpreendem as mais recentes previsões da evolução da economia.

O crescimento é revisto em baixa.

Outro tanto sucede com os valores do investimento, passando dos 5,2% projectados pelo Governo para valores em torno dos 3%!...

A inflação, pelo contrário, é revista e sobe para 2,4%!

A verdade é que ninguém entende como é possível fazer ao mesmo tempo uma coisa e o seu contrário, como é possível diminuir o IRS e ao mesmo tempo anunciar um aumento de 5% nas suas receitas!

A verdade é que quase ninguém acredita, se calhar nem sequer o próprio Governo, que o PIB em Portugal cresça 2,4% em 2005!

Mas é também verdade que mesmo este crescimento continuaria a ser insuficiente para impedir o quinto ano consecutivo sem qualquer aproximação da média comunitária; mesmo esse crescimento seria insuficiente para criar melhores condições para a consolidação orçamental; mesmo esse crescimento seria incapaz de produzir efeitos muito positivos no emprego.

E é no desemprego que se fará sentir a consequência social mais dramática deste orçamento!

O Governo do PSD/CDS já bateu todos os recordes de desemprego!

Foi pela sua mão que Portugal se tornou no país da União Europeia com maior aumento de desemprego!

É pela sua mão que os valores do INE atingiram há dias os níveis mais elevados desde 98!

É pela sua mão, e como consequência directa das suas políticas, que hoje há perto de 480.000 inscritos nos centros de emprego, mais cem desempregados por dia desde há um ano, quase meio milhão de portugueses sem emprego!

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro Senhoras e Senhores Deputados

 

Este orçamento constitui também um arrazoado de habilidades e truques para esconder a falta de verdade e de rigor, para tentar enganar os portugueses, criando e gerando expectativas e ilusões falsas em que, felizmente, cada vez menos acreditam.

Antes do mais as habilidades contabilísticas para “vender” um défice inferior a 3%.

O problema não são apenas as receitas extraordinárias cuja origem o Governo se recusa a identificar. Não são apenas os imóveis que o Governo se prepara para vender, nem são apenas os fundos de pensões a utilizar.

A questão é que o Governo se recusa a identificar o património que quer vender, a quem quer vender, por quanto quer vender e a informar sobre o seu destino futuro!

A questão é que o Governo esconde os encargos que o Estado vai ter com a utilização futura desse património!

A questão é que o Governo continua a sonegar a informação sobre quais os fundos de pensões que pretende transferir, se serão os da ANA, os da Caixa Geral de Depósitos ou um qualquer outro fundo transferível de que o Ministro Bagão Félix se tenha lembrado ou venha a lembrar!

A questão é saber como é possível manter esta estratégia de obtenção de receitas irrepetíveis com o único objectivo de continuar a submeter Portugal ao espartilho do Pacto de Estabilidade e Crescimento, ano após ano, défice após défice, anunciando-se agora que o expediente será usado até 2007! Ainda por cima quando se sabe que enquanto o Governo martela o défice para a Europa ver, não se importa de fazer disparar a dívida pública que atingirá 64% do PIB em 2005…

Mas se as receitas extraordinárias servem para conter o défice abaixo dos 3%, a verdade é que, mesmo assim, isto só é possível porque simultaneamente se procede a uma monumental operação de desorçamentação que permite a obtenção daquele valor.

Só no IEP o valor que foge ao cálculo do défice é de cerca de 500 milhões de euros. As transferências para os Hospitais SA atingem 600 m €, para outras empresas não financeiras saem mais 600 milhões, tudo feito sob o “chapéu” de transferências de activos financeiros que contabilisticamente – e apenas contabilisticamente – não são considerados para a determinação do défice orçamental.

Sem receitas extraordinárias e sem desorçamentação, os 2,8% do défice com que o Governo se curva perante o PEC e Bruxelas transformar-se-iam em quase outros 2,8% do PIB a somar ao défice declarado.

Outra habilidade orçamental desta proposta de Orçamento tem a ver com o investimento público.

A realidade vai ficar bem longe dos valores que o Governo tem anunciado.

As cativações de verbas no capítulo 50 passam de 15 para 21,4%, e passam de 10 para 15% as verbas cativas na aquisição de bens e serviços.

Fica claro que as cativações das verbas afectas ao investimento público sobem mais de 40%!

Fica assim bem claro que por cada 100 euros anunciados e inscritos no orçamento como investimento, o Governo pensa gastar apenas menos de 79!

Descontadas as cativações, corrigida a inflação, o acréscimo real de investimento líquido no capítulo 50 será, quando muito, de cerca de 1%!

Em termos de investimento os truques são muitos, a falta de transparência evidente. Se analisarmos as dotações de diversos fundos e serviços autónomos, podemos encontrar vários exemplos, como no Ministério da Ciência, onde as verbas de investimento são afinal verbas afectas ao funcionamento corrente! E das duas uma: ou há investimento ou não há dinheiro para salários nem para pagar o aquecimento e o papel...

Muito do crescimento do PIB – como aliás bem acentua o parecer do Conselho Económico e Social – deveria assentar numa aposta clara no investimento público que afinal não ocorrerá o que, mais uma vez, vai contribuir para que se repita uma quase estagnação na criação de riqueza em Portugal.

Quanto aos municípios e freguesias o Governo volta a violar a Lei das Finanças Locais, insistindo numa limitação arbitrária e discriminatória da capacidade de endividamento do Poder Local, completamente contraditória e incompreensível num momento em que é o Governo quem fala de retoma e de crescimento do produto.

Ao mesmo tempo, o Governo monta mais um truque orçamental destinado a servir a estratégia eleitoral autárquica do PSD. Em vez de, como mandaria a transparência, transferir as verbas adequadas para as freguesias e os municípios, o Governo faz disparar as verbas destinadas a contratos programa e atribui ao Ministério das Obras Públicas e à Presidência do Conselho de Ministros uma dotação especial de 14 milhões de euros para obras municipais!

Em ano eleitoral está-se mesmo a ver para que vai servir e a quem vai servir este dinheiro! Antes do princípio do utilizador pagador vamos ter o princípio do autarca laranja recebedor!

Quanto a malabarismos orçamentais as anunciadas descidas de alguns dos escalões do IRS atingiram o cúmulo da manipulação.

Depois de meses a dizerem que o IRS ia baixar em 2005, depois de duas conversas em família, de várias entrevistas exclusivas e de comícios nas eleições regionais onde o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças fizeram passar a mensagem conveniente de que o IRS iria diminuir em 2005, percebe-se agora que as descidas só serão quando muito sentidas em 2006. A tempo das eleições legislativas desse ano!...

Quem paga impostos que se desengane: as taxas de retenção na fonte que o Governo vai usar em 2005 serão iguais ou muito pouco diferentes das deste ano. E aquilo que os portugueses vão pagar de IRS em 2005 poderá, ao contrário, ser até superior ao que pagaram em 2004: basta para isso que tenham aumentos pouco superiores a 2% e com esse aumento mínimo mudem para o escalão superior!

Quanto a 2005, não restam dúvidas: os portugueses que se preparem para emprestar ao Governo, durante mais de um ano e sem juros, parte do dinheiro que lhes vai ser indevidamente retido nos salários de 2005.

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro Senhores Deputados

 

Apesar da fantasia e dos truques, a verdade é que este orçamento dá continuidade às políticas antipopulares do Governo PSD/CDS-PP. Que tiveram o seu começo em 2002 e não há três meses como querem agora fazer crer!

O poder de compra dos trabalhadores, e em especial dos funcionários públicos, vai continuar a degradar-se.

Depois de dois anos de quase congelamento dos salários, depois de 6/7 anos sucessivos a diminuir o poder de compra dos trabalhadores, o Governo volta a apontar um referencial intencionalmente baixo para conter os aumentos salariais em valores inferiores aos níveis que a inflação vai atingir.

Prossegue assim uma política assente na injustiça da distribuição da riqueza nacional, sendo cada vez menor a parte dessa riqueza destinada aos trabalhadores!

A convergência de pensões e reformas com o salário mínimo nacional constitui entretanto mais um entre muitas outras promessas eleitorais que os partidos da maioria vão deitar para o “caixote do lixo”. E isso é tanto mais visível quanto mais se aproxima o ano de 2006 e se percebe melhor a imensa demagogia do que prometeram e com que enganaram centenas de milhares de reformados e pensionistas!

Aliás, em matéria de Segurança Social, o Governo insiste no incumprimento da Lei, não transferindo o mínimo de 2 pontos percentuais das quotizações dos trabalhadores para o Fundo de Estabilização Financeira.

É aliás bem visível o aumento insuficiente das prestações com o desemprego não obstante, como aliás já aqui sublinhei, ser previsível a manutenção da espiral do desemprego que nem o crescimento previsto, nem a aposta (quase) inexistente no investimento público irão fazer regredir.

O orçamento confirma novas quebras de investimento nas áreas sociais, seja na Saúde, onde a quebra é de 4,7% (e onde o orçamento do SNS é um emaranhado de trapalhadas, erros e total ausência de informação e transparência), seja na Educação onde a quebra no investimento é de 10%, apesar de em Portugal só dois em cada dez activos ter completado o 12º ano ou apesar de 45% dos nossos jovens abandonarem a escola antes de terminar o Ensino Secundário!

O Orçamento continua a privilegiar a consolidação orçamental à custa da contenção da despesa esquecendo que nem toda a despesa pública é supérflua, é desperdício ou é destinada à contratação de assessores e assessoras para os gabinetes ministeriais.

Há despesa pública, e muita, que é necessária e fundamental para desenvolver o País, para combater as desigualdades sociais e eliminar as assimetrias regionais.

Por isso a consolidação orçamental só pode ser feita à custa do acréscimo substancial das receitas.

Há um ano falou-se do combate à evasão e fraude fiscal. Há dois e mais anos também. Em todos os debates orçamentais, o PCP apresentou propostas e ideias e objectivos claros para diminuir a economia informal, para eliminar os benefícios fiscais sobretudo do sistema financeiro, para limitar e impedir o funcionamento fantasma de empresas off shores, para tributar de forma clara as mais valias bolsistas!

Há vários anos que sucessivos Governos falam do combate à evasão e fraude fiscal. Há vários anos que acentuam a tónica. Porém, há vários anos também que as medidas são débeis e os resultados escassos ou nulos. O PCP continua disponível para esta luta mas exige resultados e dispensa a retórica e a mera repetição de discursos!

Senhor Presidente Senhor Primeiro-Ministro Senhoras e Senhores Deputados

 

Durante o passado fim de semana V. Exa. bem se esforçou para tocar a reunir tropas na defesa deste orçamento e das suas pretensas virtualidades.

Mas a verdade é que quanto mais confiança pedia, quanto mais apelava à estabilidade, quanto mais sentia a necessidade de invocar esses valores, mais se percebia quanto V. Exa. está quase sozinho na defesa do indefensável, melhor se descortinava que à sua volta são muitos e muitos aqueles que dizem que este “orçamento vai nu”.

É verdade Senhor Primeiro-Ministro. Este “orçamento vai nu”.

A proposta do Orçamento de Estado para 2005 não serve o País, não defende a sua capacidade produtiva, não aposta num crescimento rápido, não promove a inovação tecnológica, não investe na formação e na qualificação, não dignifica os trabalhadores, não combate o desemprego, não garante os direitos sociais.

É um orçamento à medida do Governo da Direita que o propõe! Contará por isso com a oposição do PCP!

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