Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

"Aos trabalhadores dizemos que é possível outro caminho"

Estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e procede à quinta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, e à quinta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro
(proposta de lei n.º 153/XII/2.ª)
Institui e regula o sistema de requalificação de trabalhadores em funções públicas, visando a melhor afetação dos recursos humanos da Administração Pública, e procede à nona alteração à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho
(proposta de lei n.º 154/XII/2.ª)
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Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública,
Estas propostas de lei que hoje discutimos não visam melhorar a Administração Pública nem valorizar os trabalhadores da Administração Pública, como hipocritamente afirmou.
Estas propostas de lei significam mais exploração, mais desemprego, mais despedimentos na Administração Pública, significam a destruição de muitos serviços públicos.
Queríamos colocar a seguinte questão: se o Governo já não tinha — e isso para o PCP era absolutamente claro — qualquer tipo de legitimidade para levar a cabo este tipo de medidas, depois do anúncio feito ontem pelo Presidente da República, o Governo não tem as mínimas condições políticas, não tem mais legitimidade do que a de um Governo de gestão, pelo que não pode avançar com estas iniciativas legislativas.
Diria mesmo, fazendo a analogia com estes diplomas que estamos a discutir, que o Governo foi colocado em mobilidade especial.
Passado 12 meses, rua! Não tem legitimidade para tomar este tipo de iniciativas legislativas.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Este Governo PSD/CDS, em acelerado estado de decomposição, que já foi derrotado pelos trabalhadores e pelo povo, não tem as mínimas condições políticas para continuar este caminho de destruição e desgraça nacional.
As presentes propostas de lei, que constituem uma nova e brutal ofensiva contra os trabalhadores da Administração Pública, estão inseridas num processo mais vasto de ataque a importantes serviços públicos, fundamentais para os portugueses.
Para concentrar cada vez mais riqueza em meia dúzia de grupos económicos, para, à custa de encerramento de serviços públicos e despedimentos, entregar a privados o dinheiro que é de todos nós, o já falecido Governo PSD/CDS-PP promove o despedimento de milhares de trabalhadores da Administração Pública, aumenta o horário de trabalho e torna mais precário o trabalho na Administração Pública.
Ainda na passada segunda-feira, o Governo do irrevogável demissionário Ministro Paulo Portas fez publicar uma portaria com a qual pretende despedir, por via das ditas rescisões amigáveis, mais de 30 000 trabalhadores, às quais acrescem as rescisões dos contratos a termo, que podem lançar para o desemprego mais 70 000 trabalhadores da Administração Pública.
Importa referir que o PS não está isento de culpas. Foi, também aqui, o PS que abriu a porta a este caminho. Foi pela mão do PS que se destruiu o vínculo público de nomeação para a grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública e, assim, se permitiu ao PSD e ao CDS completar o percurso de ataque aos trabalhadores e aos serviços públicos.
Daqui reafirmamos que o vínculo público de nomeação é não só justo para os trabalhadores como importante para garantir a independência e autonomia dos trabalhadores face ao poder político. Fragilizar o vínculo, promover despedimentos e a precariedade terá consequências também no aumento da corrupção.
Com a proposta de lei n.º 153/XII (2.ª), o Governo pretende aumentar o horário de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública. Ora, este aumento do horário de trabalho constitui um gigantesco retrocesso social.
Em vez de caminhar no sentido do progresso e diminuir o horário de trabalho a todos os trabalhadores, o Governo aposta no retrocesso e no regresso ao século XIX.
Esta proposta de lei significa mais trabalho sem qualquer acréscimo de salário, isto é, trabalho gratuito — proibido na nossa Constituição —, e que determina uma perda de 14% do salário. Mas significa também comprometer a conciliação da vida profissional com a vida familiar, o que é também proibido na nossa Constituição.
Ao contrário do que o Governo afirma, esta proposta de lei apenas representa mais desemprego (por exemplo, no setor dos enfermeiros, pode significar 5000 enfermeiros a serem despedidos a curto prazo) e mais exploração, e em nada melhora os serviços na Administração Pública.
Com a proposta de lei n.º 154/XII (2.ª), o Governo pretende legalizar o despedimento sem justa causa e arbitrário na Administração Pública, o que viola frontalmente a Constituição da República Portuguesa, para, assim, promover o maior despedimento coletivo alguma vez visto no nosso País.
Ao contrário do que afirma o diploma e o Governo, não estamos face à requalificação dos trabalhadores da Administração Pública. Este diploma não visa criar oportunidades; visa, sim, o despedimento.
Na verdade, com este diploma, uma simples redução da transferência do Orçamento do Estado ou uma simples alteração do mapa do pessoal passa a justificar o envio de trabalhadores para a mobilidade especial e, consequentemente, para o desemprego.
Mais: a escolha do trabalhador a despedir é completamente arbitrária. Para que se perceba, é como se no sector privado o patrão chegasse ao pé dos trabalhadores e dissesse que, não tendo dinheiro, iria despedir e era ele mesmo que escolheria os trabalhadores a despedir.
Importa referir que, uma vez colocados na dita requalificação, os trabalhadores recebem apenas 67% do salário, nos primeiros seis meses, e apenas 50% do salário, nos restantes seis meses. Depois, são despedidos, uma vez que a fase da reafectação é um embuste — o Governo não está a admitir trabalhadores, não há concursos e nem os trabalhadores que atualmente estão em mobilidade foram colocados em outros serviços, provando que não é isso que se pretende mas, sim, o despedimento.
Mas, se dúvidas existem quanto aos objetivos destes diplomas, leia-se a entrevista da coordenadora do anteprojeto de diploma, que, no passado dia 1 de julho, disse: «Se o Estado assume o compromisso de diminuir a Administração Pública, naturalmente não pode só confiar nas cessações por mútuo acordo e nos pedidos de reforma». Isto é, as rescisões e os pedidos de reforma não chegam para o Governo, pelo que é preciso encontrar outras formas de despedir.
É disto que se trata. É isto que estamos a discutir.
Com este diploma, o Governo revoga o artigo 84.º, n.º 4, norma que impediu a declaração de inconstitucionalidade do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas. Se se revogar esta norma, então mais dúvidas temos quanto à constitucionalidade deste diploma.
Por fim, importa dizer que é mentira quando se afirma que não há dinheiro para os serviços públicos que temos. O que não temos é dinheiro para dar 12 000 milhões de euros à banca, para dar milhões em swap, para dar 7000 milhões de euros ao FMI, não temos dinheiro para dar milhões em PPP ou em benefícios fiscais. Os portugueses pagam os seus impostos para ter saúde, educação e, entre outros importantes serviços públicos, justiça; não pagam impostos para alimentar os grandes grupos económicos e a banca, que engordam como parasitas à custa do Orçamento do Estado.
Para o PCP é claro que esta maioria já não tem, há muito tempo, legitimidade. E agora, face à situação política criada e que vivemos, a maioria parlamentar não pode, ao votar estes diplomas, funcionar como uma espécie de procissão de fiéis defuntos de um Governo que já finou.
Aos trabalhadores, aos portugueses dizemos que é possível melhor do que isto e há quem tenha projeto, força e ideias para construir um País mais justo e solidário, onde quem trabalha seja valorizado e respeitado.

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