Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Aniversário da nacionalização da Banca e Seguros

 

 

 

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário-geral do PCP
33º aniversário da
nacionalização da Banca e Seguros

Lisboa (Casa do Alentejo) 

 

Reunimo-nos hoje aqui porque, muito acertada, coerente e justamente, decidimos comemorar a nacionalização da Banca e dos Seguros , esse importante e necessário passo que se impôs dar em defesa da Revolução de Abril nascente e o desenvolvimento do país.

Daqui, quero antes de mais saudar o contributo e o papel que os trabalhadores, destacados militantes políticos e sindicalistas desempenharam na concretização e consolidação dessa medida de emergência e defesa da Revolução contra a conspiração dos grandes senhores da economia portuguesa e saudar também as estruturas unitárias aqui representadas.   

Há 33 anos a nacionalização da Banca e dos Seguros foi o resultado do processo revolucionário, foi a consequência lógica da agudização da luta de classes, que opunha à Revolução Portuguesa os grupos monopolistas – o grande capital.

Logo após o 25 de Abril, os bancos e as companhias seguradoras continuavam a ser uma gigantesca base de apoio das forças reaccionárias e procuravam reconquistar rapidamente o poder político e por isso tudo fizeram para inviabilizar a democracia e acelerar a sua liquidação. Procuraram liquidá-la rapidamente sabotando a economia portuguesa através de toda a espécie de irregularidades e fraudes, nomeadamente pela retirada e exportação ilegal de fundos, ao mesmo tempo que passavam a financiar directamente os conspiradores reaccionários e a gerir os bancos e as seguradoras como dantes, no fascismo, em proveito próprio, desviando dinheiro para negociatas de amigos e familiares

Todas estas fraudes e abusos aliadas à sabotagem económica e às dificuldades criadas à economia nacional pelos grandes senhores dos grupos capitalistas, precipitaram a nacionalização da Banca, dos Seguros e dos sectores básicos da economia.

Posteriormente a Assembleia Constituinte consagra na Lei Fundamental, com os votos favoráveis do PCP, MDP, UDP, PS e PSD, o principio de que “todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras”.

O PS vejam lá! Hoje, José Sócrates na Assembleia da República falou desta iniciativa em tom irónico. Se ler a declaração de voto do seu Partido na altura, decerto que cairá para o lado. A seguir lá foi o socialismo para a gaveta e nunca mais de lá saíu!

O avanço da contra-revolução e as sucessivas revisões da Constituição da República, a adesão à CEE e as políticas de recuperação capitalista conduziram na primeira metade dos anos 80 à reabertura do sector bancário e dos seguros aos privados e, no final dos anos 80, ao início do processo de privatizações, o qual conduziria à entrega do sector financeiro aos velhos e novos grupos financeiros entretanto criados.

Três décadas  depois da nacionalização da Banca e dos Seguros em Portugal e, 24 anos depois da sua reabertura à iniciativa privada, a nacionalização da banca volta a estar no centro das atenções.

A crise que o sistema financeiro internacional atravessa, em resultado das suas actividades especulativas, tem levado os mais empedernidos fundamentalista defensores do mercado, mas também as instituições que nos últimos trinta anos concretizaram as orientações do neoliberalismo dominante, do FED americano ao Banco de Inglaterra ou ao Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia, a assumir a necessidade de nacionalizar os Bancos em risco de falência.
O pensamento político neoliberal e a sua sede de lucro insaciável, conduziu à financeirização das economias, à liberalização do movimento de capitais e, com a tão falada globalização, fez com que a bolha especulativa do mercado imobiliário de alto risco ao rebentar nos Estados Unidos da América, rapidamente se fizesse sentir nos principais espaços económicos mundiais.

Agora, são os mesmos que até aqui estigmatizavam toda e qualquer intervenção do Estado, quando tal se impunha para defender os interesses dos povos e países, que sem rebuço vêm justificar a intervenção do Estado para garantir os interesses da alta finança.

Não era este o sentido das nacionalizações de há três décadas atrás.

Então, com a nacionalização da Banca o poder político sobrepõe-se ao poder económico para afastar os capitalistas que utilizavam a Banca no boicote ao avanço da revolução e assegurar uma banca ao serviço do país.

Hoje, pelo contrário, o poder político, ao serviço do poder económico, intervém na salvação dos Bancos em risco de falência sem pôr em causa a sua actividade de especulação e lucro desmedido, procurando apenas criar condições para, ultrapassada esta fase de turbulência, voltarem ao mesmo. Isto é, a intervenção dos governos centrais não visa alterar o rumo da actividade financeira, colocando os sectores financeiros ao serviço dos países, mas antes salvá-los por forma a continuarem a aprofundar a financeirização das economias mundiais.

É o velho método que o grande capital e os seus governos aplicam,  da socialização dos prejuízos e da privatização dos lucros e que agora torna na sua versão mais descarada.  

Alguns, como o presidente do FMI, chegam ao ponto de defender a necessidade dos Estados comprarem os títulos desvalorizados das actividades especulativas para garantir os interesses dos sectores financeiros e ao mesmo tempo do próprio sistema em crise.  

Esta intervenção na salvação dos Bancos em risco de falência, faz cair por terra as teorias neoliberais fortemente dominantes no mundo capitalista de hoje e que o Governo PS acompanha.

Afinal, os Orçamentos de Estado, em particular as receitas dos impostos cobrados na sua esmagadora maioria aos trabalhadores por conta de outrém, podem ser utilizadas na salvação de Bancos mas, curiosamente, quando está em causa a sua utilização na salvação de dezenas e dezenas de empresas do sector produtivo que encerram e mandam para o desemprego milhares de trabalhadores, neste caso é quase uma heresia defender-se tratamento idêntico e invoca-se o funcionamento do mercado.

Vê-se, assim, que tínhamos e temos razão quando defendemos que a intervenção do Estado na regulação e controlo de funcionamento dos mercados é fundamental em qualquer sector, seja ele financeiro ou produtivo e sempre que os interesses nacionais assim o exijam.
 
É também por isso que o Governo não pode continuar a assobiar para o lado quando exigimos a sua intervenção por forma o obrigar o sector financeiro a praticar uma política de crédito que leve em conta o nível de endividamento das famílias e das empresas.

É por isso que continuamos a defender que o Governo deve utilizar todos os meios ao seu alcance, nomeadamente o Banco do Estado, a CGD, a política fiscal e orçamental para que o sector financeiro sirva o país e não o contrário.

Fruto da sua natureza depravadora e das políticas de direita que têm vindo a ser seguidas por PS,PSD e CDS-PP, os Grupos Financeiros, com destaque para a actividade bancária, têm vindo ano a ano a verem os seus lucros crescerem exponencialmente em contraste com a crise que os trabalhadores e o povo português têm vivido, cujas consequências se fazem sentir sobretudo no plano do emprego e nos níveis de endividamento das famílias.

Lucros que não podem ser dissociados do aumento dos níveis de exploração dos trabalhadores da banca em resultado de uma estratégia de alargamento da actividade que tem vindo a ser seguida, nomeadamente com a abertura de centenas de novas agências bancárias apesar da redução do número de trabalhadores em cerca de 8.500 nos últimos 20 anos e não, como dizem os banqueiros, devido à reestruturação das empresas e à introdução das novas tecnologias.
 
A prestação de serviços em regime de outsourcing; o aluguer de mão-de-obra; o aumento de contratos a termo certo, incerto e tempo parcial; o prolongamento da jornada de trabalho sem o consequente pagamento do trabalho extraordinário; a polivalência funcional e a polivalência geográfica são algumas das medidas que o patronato tem vindo a implementar e que provocam uma mudança significativa na estrutura de custos com pessoal e com uma acentuada desvalorização do salário directo.

A retirada de importantes regalias a que têm sido sujeitos, o desrespeito sistemático de direitos legais e contratuais e a degradação das condições de vida e de trabalho exigem dos bancários uma resposta, só possível com sindicatos que promovam um sindicalismo de classe, democrático, independente e de massas, capaz de conseguir a unidade na acção, condição fundamental para inverter a grave situação que se vive na banca e no sector financeiro de uma forma geral, reatando as tradições de luta que fizeram frente ao fascismo e muito contribuíram para o avanço do processo revolucionário após o 25 de Abril de 1974.

Há muito que o PCP tem vindo a chamar atenção dos portugueses para o facto do PS e o seu Governo terem tomado em mãos a prossecução da concretização da agenda e objectivos do capital financeiro e dos grandes grupos económicos.

Esta é uma afirmação que está sustentada numa realidade que o anúncio recente de que os cinco maiores grupos financeiros tiveram, em 2007, lucros superiores a 2 800 milhões de euros e uma taxa de IRC da ordem dos 13, 6%, enquanto a generalidade das pequenas e médias empresas pagaram 25%.

Neste processo de concentração de riqueza a que não é alheio a financeirização da economia e a liberalização do movimento de capitais tem sido por demais evidente a crescente promiscuidade entre o poder político e o poder económico.  Para isso tem contribuído também a passividade da entidade de supervisão bancária – o Banco de Portugal -  na fiscalização do sistema financeiro, em contraponto com a permanente preocupação que demonstra sempre que se fala em aumentos salariais dos trabalhadores e na consequente recuperação de poder de compra das classes mais desfavorecidas do nosso país.

Exemplo desta promiscuidade é a saída recente de três administradores da Caixa Geral de Depósitos para o BCP, pondo claramente em causa a estratégia do único Banco Público para os próximos anos, num processo em que o interesse privado se sobrepôs ao interesse público e o poder económico ao poder político.

A recente OPA do BCP sobre o BPI e a proposta de fusão do BPI com o BCP que, a concretizar-se, resultaria no maior Banco em actividade no nosso País, com cerca de 4,5 milhões de clientes, uma quota de mercado de 34,9% e uma estrutura accionista globalmente dominada pelo capital estrangeiro, relegando o Banco Público para uma posição secundária, com todas as consequências que daí resultariam para o sistema financeiro português, para a economia nacional já fortemente financeirizada, para as famílias portuguesas, coloca na ordem do dia o imperativo da recuperação do comando político e democrático do processo de desenvolvimento através de um sector público forte e dinâmico, especialmente em sectores estratégicos da economia como são a Banca e os Seguros.
Só um sector público dominante, com um peso nunca inferior a 50% do sector financeiro no nosso país e ao serviço dos objectivos macroeconómicos definidos anualmente, será possível crescer mais e melhor, ao contrário do que tem acontecido desde 1984.

Depois de três anos de brutal ofensiva do governo do PS contra os direitos essenciais dos trabalhadores portugueses e das populações estamos a assistir à mais descarada mistificação da sua acção política governativa. Tivemos três anos de ataque às condições de vida dos trabalhadores e das populações, de aumento do desemprego, da precariedade do trabalho, de brutal ofensiva contra os serviços públicos, de ataque ao direito à saúde, ao ensino e à segurança social.

Três anos de profunda e diversificada ofensiva que visa essencialmente os direitos históricos conquistados pelos trabalhadores portugueses em todos os sectores -  público e privado. Três anos de penalização agravada dos rendimentos do trabalho, com mais impostos, com a desvalorização dos salários e pensões e o aumento do custo de vida. Três anos que mostraram o caracter negativo de uma maioria absoluta que em vez de resolver os problemas nacionais, acentuou as desigualdades sociais e a injustiça social.

É este governo que agora se apresenta coberto com “ pele de cordeiro” a dizer que o pior já passou, que os próximos tempos já não serão tempos de sacrifício para os portugueses.

Trata-se, como é evidente, do mais descarado manobrismo político por parte do actual governo e dos que nele apostam, fazendo crer aos portugueses que estamos perante um novo ciclo da acção governativa. Preocupados com a manutenção da sua maioria absoluta e perante o protesto e o fracasso da sua governação manobram e agem como se o executivo do país fosse já a comissão eleitoral do PS para as eleições que se vão aproximando.

O PS, que desencadeou a maior ofensiva contra elementos essenciais do regime democrático, quer agora, porque as eleições se aproximam, dar ares de esquerda e mostrar inquietação social em relação aos problemas que a sua própria política criou.

Da postura de arrogância desmedida nestes três anos de governo, vêm agora reconhecer a necessidade do diálogo e até passaram a dar o braço a torcer e a reconhecer alguma pertinência à luta e ao protesto das  populações, mostrando a sua compreensão. Não se trata, como é evidente, de nenhum rebate de consciência do governo e de José Sócrates, mas do resultado da luta, da sua amplitude, da sua força, que está a por em causa a sua política.  

Em relação à sua ofensiva tentam agora calculadamente conter dentro de certos limites e disfarçar com o claro objectivo de iludir a natureza da sua política. Anunciam por isso agora tréguas aos encerramentos dos serviços públicos e passaram a pôr em “banho maria” algumas das muitas medidas de ataque aos direitos das populações em certos sectores. Isso é evidente no sector da saúde, por exemplo. Como a questão do IVA, entre outras.  

Trata-se de uma momentânea  manobra de diversão com  objectivos eleitorais.

Trabalha já para garantir um novo mandato para, com mais força e argumentando com uma renovada legitimidade, retomar a ofensiva de forma ainda mais brutal depois de 2009.

E é também por isso que a situação e as condições da nossa intervenção são agora mais complexas. Mais complexas porque o governo, perante as suas próprias dificuldades e a luta,  escolheu aplicar a velha táctica do pau e da cenoura até ao próximo ano.

Quer rapidamente resolver os processos que vão lesar os trabalhadores para prosseguir, em tempo mais próximo das eleições, a distribuição dos rebuçados eleitorais e ao mesmo tempo circunscrever a sua ofensiva até aqui global, aos aspectos mais centrais da sua política ao serviço do grande capital e do seu projecto de reconfiguração do Estado democrático de Abril.
É isso que está pensar fazer, nomeadamente com a alteração, para pior, do Código de Trabalho. É face a esta situação que se impõe alargar o esclarecimento e ampliar o protesto e a luta, porque o que está em causa é o agravamento de todos os problemas com que o mundo do trabalho está já hoje confrontado.

Todos os dramas da precaridade, do desemprego, do trabalho sem direitos conheceriam uma nova e mais grave dimensão se governo conseguir concretizar o conjunto de alterações que estão contidas no seu Livro Branco das Relações Laborais.

Nós temos confiança que os trabalhadores portugueses saberão dar a resposta que se impõe àqueles que querem fazer regressar o país ao longínquo mundo do trabalho sem direitos. E essa resposta está marcada já para os próximos dias 16 no Porto e 17 em Lisboa, com  a grande jornada de luta “Aviso Geral”, promovida pela CGTP e, estamos certos, vai ser mais uma grandiosa acção de protesto dos trabalhadores portugueses.   

O nosso Partido vai realizar o seu XVIII Congresso em 29 e 30 de Novembro e 1 de Dezembro deste ano,  em Lisboa,  no novo espaço multiusos/Campo Pequeno. Esta é a grande tarefa partidária e a questão central da actividade partidária deste ano de 2008 a que precisamos de dar uma muito particular atenção.

Este é um momento importante em que todo o nosso colectivo partidário é chamado à análise, ao debate e a tomar decisões da mais alta importância para a vida do nosso Partido e em todos os domínios da sua intervenção.

A primeira fase de preparação do nosso Congresso foi aberta pelo Comité Central, com o lançamento da discussão das linhas essenciais a considerar e a resolver pelo Congresso e que queremos e precisamos seja o mais ampla e participada por todos os militantes e organismos. Todos os militantes dos organismos de direcção e das organizações de base, porque um partido revolucionário como o nosso não pode prescindir da análise, do debate franco e fraterno, do contributo de todos e de cada um para o apuramento e acerto das suas decisões.

É com o contributo e o empenhamento de todos que conseguiremos um PCP mais forte, por Abril e pelo socialismo, para responder aos problemas e aspirações dos trabalhadores e do povo, por um Portugal com futuro.

O caminho que o PS e o seu governo têm seguido está em crescente contradição com os reais interesses e as aspirações do nosso povo que não se vê reflectido nas políticas deste governo.   

A falência da política de direita que PS e PSD aplicam com superficiais diferenças está patente na incapacidade demonstrada na resolução dos principais problemas nacionais e dos portugueses. É perante a falência dessa política que nós afirmamos que é possível e necessário construir um caminho novo alternativo e uma solução nova com o PCP e na convergência com todos os que tenham como real propósito promover uma ruptura com tal política.   
 
Caminho novo e solução que só é possível com o PCP e serão tanto mais próximos e viáveis quanto maior for o seu reforço. Só o reforço do PCP pode romper com o circulo vicioso do rotativismo da alternância sem alternativa que governa o país há três décadas. Essa é a primeira condição para garantir a mudança.

É por isso que nós dizemos: se querem a mudança, se querem uma verdadeira alternativa de esquerda, se querem a ruptura com a política de direita apoiem o PCP, reforcem o PCP, porque esse é a primeira condição para a ruptura.
Quem queira olhar com olhos de ver para a realidade nacional, comprova que o PCP é a grande força da oposição a esta política e a este Governo. Oposição nas palavras e na acção. Força portadora de uma política e um projecto alternativo para o futuro do País e a  grande força da liberdade e da democracia.

Somos essa grande força, que hoje como em muitas outras épocas contra ventos e marés, com a energia que resulta das nossas convicções e projecto e o apoio que recolhemos da nossa profunda ligação aos trabalhadores e ao povo, transporta a bandeira da esperança e protagoniza com uma confiança e uma determinação sem limites a luta difícil mas que vale a pena.

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