Intervenção de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do Comité Central, Debate «Política patriótica e de esquerda em defesa dos direitos das mulheres – A alternativa do PCP para o combate à violência doméstica»

A alternativa do PCP para o combate à violência doméstica

Em primeiro lugar uma saudação a todos os presentes pela disponibilidade de participação, e à Comissão Regional para a Luta e Movimento das Mulheres da Direcção Regional de Setúbal do PCP pela decisão em debater a problemática da violência doméstica no quadro da política patriótica e de esquerda.

Muito foi dito neste debate, o que nos proporciona elementos de reflexão sobre os aspectos relacionados com a violência doméstica, elementos que não deixarão de ser tidos em conta na nossa própria reflexão, na iniciativa política do PCP e no âmbito do seu Programa Eleitoral para as próximas eleições legislativas.

I - O PCP e as questões da violência doméstica

A violência doméstica tem na sua génese causas de ordem económica, social, política e cultural. Estas causas associam-se e interligam-se com dinâmicas psicológicas que levam muitas mulheres a «becos sem saída» em resultado de dependências emocionais dos pais dos seus filhos (tantas vezes pessoas conceituadas na comunidade); da sua responsabilização pela manutenção da família unida «custe o que custar»; da culpabilização por não saberem gerir a situação; da expectativa de que o companheiro ou marido agressor mude; da pressão familiar e social; do medo e da vergonha.

Trata-se de uma teia complexa de factores objectivos e subjectivos, que afectam mulheres de diversas classes sociais, de diversas idades e profissões. Uma complexidade que é tantas vezes incompreendida e reflectida na pergunta: porque se deixam as mulheres maltratar?

Na verdade «cada caso é um caso» no acompanhamento e protecção que lhe é devido de acordo com a respectiva especificidade. Todos têm que ser iguais perante a lei, e iguais na responsabilidade do Estado de a todos responder, independentemente da origem social, ou da zona de residência das suas vítimas.

A análise dos números que têm vindo a público merece alguma ponderação.

Sem dúvida que revelam um aumento do número de queixas, criando muito natural e justamente enorme perplexidade, indignação e revolta perante quem toma consciência de que a violência sobre as mulheres na esfera privada é uma realidade que atenta contra o corpo, a dignidade das suas vítimas, levando tantas vezes à morte de forma prematura e hedionda e deixando quase sempre um cortejo de sequelas irreparáveis.

Mas a violência doméstica sobre as mulheres é anterior à existência de estatísticas, à existência de legislação específica de protecção às mulheres vítimas e da violência doméstica ser tipificada como um crime público.

Estes números põem a nu uma prática antiga. Mas será que são suficientes para considerar que há aumento desta prática? Há que aprofundar este exame, sendo certo que, inquestionavelmente, estes números põem a nu a violência doméstica sobre as mulheres enquanto flagelo social, flagelo que persiste em pleno século XXI e que urge prevenir e erradicar.

Um flagelo assente numa prática social muito antiga, fomentada, consentida e erigida no plano político como filosofia do(s) Estado(s). Uma prática milenar indissociável dos mecanismos de opressão e discriminação das mulheres e que foi integrante dos sistemas de opressão anteriores ao capitalismo, um sistema que lhe tem dado continuidade como parte integrante da sua natureza intrinsecamente opressora e exploradora.

Em Portugal, os provérbios populares evidenciam a legitimação da violência sobre as mulheres durante o fascismo:

«Faça quem as fizer quem as pagas é a minha mulher».
«A mulher e a mula com o pau se cura».
«A mulher e o pedrado querem-se bem pisados».
«Entre marido e mulher nunca metas a colher».

Trata-se da legitimação da relação de poder do homem sobre a mulher na família, não como resultado de uma vontade consciente ou natural na relação homem-mulher na família, mas como reprodução e legitimação da «pirâmide» de hierarquias de poder da sociedade determinada pelo domínio das classes dominantes sobre amplas classes exploradas; do uso da inferioridade da mulher na esfera privada e pública como instrumento dessa opressão e domínio social.

A Revolução de Abril e as profundas transformações económicas e sociais alcançadas e em que as mulheres foram sujeito activo do processo revolucionário que então se viveu, transformações consagradas na Constituição e que corporizaram, na lei e na vida, direitos económicos, sociais e culturais para as mulheres, a eliminação de todas as formas de discriminação que sobre elas recai e a igualdade na esfera privada e pública, rasgaram novos horizontes na perspectiva de emancipação das mulheres e dinâmicas de avanço na consciência social e nas mentalidades.

É a partir de 1991, após a publicação da Lei 61/91, que resultou de um projecto do PCP, que os governos começaram a adoptar medidas em relação à protecção das mulheres vítimas de violência.

Esta iniciativa do PCP, que se tornou lei, permitiu lançar o debate sobre esta grave violência sobre as mulheres e iniciar decisivos passos na criação de um quadro legal adequado à especificidade desta violência, como é destacado no seu preâmbulo, e que se recorda:

«As mulheres vítimas de opressão, muitas vezes continuam a calar e suportar em silêncio o produto violento de uma sociedade que ainda não deixou de rever-se em estruturas que colocavam as mulheres num dos últimos lugares da hierarquia»; «ir ao encontro das denúncias feitas pelas organizações femininas relativas à violência física, psicológica e sexual sobre as mulheres e a sua exigência de tomada de medidas de protecção adequada das vítimas sendo destacado as posições assumidas pelo MDM no seu segundo congresso em 1984 e no Tribunal de Opinião Pública sobre a Mulher e a violência.»

E a necessidade de serem adoptadas medidas em sede de legislação penal visando a supressão de carências relativas à problemática da violência e dos crimes sexuais.

A importância de serem tidas em conta diversas resoluções de instâncias internacionais, que recomendavam a adopção de medidas que contribuíssem para debelar este triste sinal de desigualdade.

Desde então foram dados passos muito importantes no aperfeiçoamento da legislação de protecção e apoio às vítimas de violência doméstica, legislação que contou sempre com o contributo do PCP. Ao mesmo tempo que diversos projectos de lei do PCP ampliaram a necessidade de alargar a reflexão e aprofundamento da legislação relativamente à dimensões da violência na esfera pública, designadamente no domínio da prostituição e tráfico para fins sexuais, e violência nos locais de trabalho.

No concerne à violência na esfera privada, e não obstante os sucessivos governos adoptarem planos específicos no domínio da violência doméstica, a verdade é que as suas políticas têm-se limitado a tentar estancar a hemorragia sem tratar a ferida, e muito menos debelar a doença.

Tal é visível no que concerne ao acompanhamento e à protecção das vítimas, que está muito aquém de responder de forma eficaz às mulheres que necessitam de se libertar dessa violência.

Na verdade, as consequências da política de direita fazem-se sentir nos diversos constrangimentos que impedem, na prática, a celeridade dos processos e os meios adequados na Justiça e na Administração Interna, a falta de apoios sociais que garantam a autonomia económica e social das vítimas, a descoordenação entre serviços públicos, como a saúde, a segurança social e a educação, aspectos que dificultam as condições e etapas necessárias que as mulheres que querem libertar-se têm de percorrer para começar uma nova vida.

Acresce que a natureza das opções estruturais da política de direita nos planos económicos e sociais, de reconfiguração do papel do Estado, não só impede a prevenção e erradicação deste grave flagelo social como potencia largamente as causas objectivas e subjectivas que lhe estão subjacentes.

De facto, a política de direita alimenta-se e potencia a violência, tanto na esfera privada como na esfera pública, de que é exemplo o aumento da prostituição e também da violência sobre as mulheres nos locais de trabalho.

Políticas que têm vindo a ser dinamizadas, fomentadas e potenciadas nas últimas décadas, com expressões dramáticas desde 2010 com os PEC levados a cabo pelo Governo do PS, com o Pacto de Agressão subscrito pelo PS, PSD e CDS-PP, e pela política de desastre nacional, de exploração e empobrecimento levada a cabo pelo actual Governo.

Não se previne a violência sobre as mulheres num quadro de profundos retrocessos nas condições de vida e nos direitos das mulheres, com o aumento da exploração e das desigualdades a que estão sujeitas larguíssimos sectores femininos, bem patentes no afastamento forçado das desempregadas e das jovens do mercado de trabalho, na generalização da precariedade laboral, nos baixos salários, nas discriminações salariais e em função da maternidade, no aumento da pobreza.

Um quadro económico e social que cria e potencia situações de tensão e conflitualidade no seio da família em resultado de factores económicos e sociais, intensos ritmos de trabalho, falta de descanso e de tempo para viver e conviver em família, acompanhamento dos filhos, redução do rendimento familiar, situações de falta de meios de subsistência, problemas de alcoolismo, ou de saúde mental.

A política de direita representa uma grave violação à dignidade e aos direitos das mulheres, devendo com propriedade ser assumida como forma de violência inaceitável que urge prevenir e erradicar.

A esta realidade associam-se as crescentes denúncias de crianças e jovens vítimas de maus tratos no seio familiar e para as quais as comissões de protecção estão muito longe de ter as condições necessárias para a sua intervenção face à crescente desresponsabilização do Estado.

Registam-se situações violência entre jovens e de violência no namoro. Rapazes e raparigas que consideram que um estalo não é violência, entre tantos exemplos que se vão conhecendo e que são denunciados por organizações de mulheres, como o MDM, que tem desenvolvido actividade nestas áreas.

De destacar, ainda, a campanha em curso da Comissão da CGTP-IN para a Igualdade entre Mulheres e Homens: «Intervir e combater o assédio no trabalho. Romper com o assédio – Emprego com direitos. Tortura psicológica no trabalho Não». Uma intervenção dirigida aos locais de trabalho.

A política de direita cria dinâmicas de retrocesso na consciência social e nas mentalidades porque erigida no triunfo das desigualdades, no fomento do crescente fosso entre ricos e pobres, na persistência das desigualdades e discriminações que pesam sobre as mulheres no trabalho, na família, na vida social e política, no fomento da resignação e do conformismo.

Uma política que alimenta uma cultura de «banalização» da violência e do individualismo, que é cúmplice com a proliferação de imagens da mulher como objecto sexual; que é permissiva com as teses que visam transformar a prostituição em «trabalho sexual» e as suas vítimas em «trabalhadoras do sexo», e que nada tem feito para criar uma adequada protecção legal das mulheres prostituídas.

É por isso urgente e necessário pôr fim à violência da política de direita derrotando o actual Governo, que retoma em ano de eleições legislativas a propaganda de que «o país está melhor», «que o pior já passou», isto quando continua em curso, e urge interromper, uma acelerada marcha de institucionalização dos velhos e recorrentes itinerários de exploração e opressão das mulheres, num país cada vez mais desigual, empobrecido e dependente.

É por isso necessário derrotar as falsas soluções de alternância para prosseguir a política de direita entre o PS, o PSD e o CDS-PP.

Estes são objectivos justos e urgentes que estão presentes no forte desenvolvimento da luta de massas que está em curso no nosso país, e em que as mulheres são parte visível, combativa e determinada.

Porque as mulheres portuguesas sabem que só lutando se defendem os direitos.

As mulheres portuguesas não aceitam viver cada vez pior, abdicar dos seus direitos laborais e sociais. As jovens não querem ver roubados os seus sonhos e projectos de vida. As idosas rejeitam a destruição de uma vida vivida com dignidade.

Porque romper com a política de direita é do interesse das mulheres, do povo e do País.

Pôr fim aos retrocessos nos direitos das mulheres em todos os domínios, prevenir, combater e erradicar todas as formas de violência sobre as mulheres exige o reforço da luta específica das mulheres, a sua convergência com a luta mais geral dos trabalhadores e da população. Uma luta que imponha a ruptura com a política de direita e o seu apoio ao PCP e à sua política patriótica e de esquerda como condição necessária à defesa dos seus direitos, num país mais justo e soberano vinculado aos valores de Abril e da Constituição da República.

II - Uma política patriótica e de esquerda e o combate à violência sobre as mulheres

O êxito da prevenção, combate e erradicação da violência sobre as mulheres nas suas múltiplas formas é indissociável da efectivação dos direitos das mulheres, na lei e na vida; da garantia da participação em igualdade, tanto na esfera privada e familiar, como na laboral, social, política e desportiva; do avanço na alteração das mentalidades que contrarie concepções milenares assentes na subalternização do papel das mulheres na família, no trabalho e na sociedade; da promoção de uma cultura assente nos valores da liberdade, da democracia, da igualdade, da justiça e do progresso.

Com o PCP não há lugar para o faz de conta nas políticas de igualdade. Os direitos das mulheres são para cumprir e desde logo:

- O combate ao desemprego e à precariedade laboral, pelo trabalho com direito;

- A valorização dos salários e eliminação das discriminações salariais, directas e indirectas;

- A participação das mulheres em igualdade em todos os sectores de actividade;

- O direito a ser mãe e trabalhadora com direitos;

- Protecção social da maternidade e paternidade no âmbito da saúde e da segurança social;

- Reposição da universalidade dos direitos no âmbito da segurança social e dos critérios de justiça na atribuição dos apoios e prestações sociais – abono pré-natal, maternidade e paternidade, desemprego e situações de pobreza;

- Reposição da universalidade do abono de família a crianças e jovens;

- Criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à criança, aos jovens, aos idosos, às pessoas com deficiência e às vítimas de violência;

- Acesso ao serviço nacional de saúde e protecção na saúde sexual e reprodutiva.

Com o PCP não há lugar para os pensos rápidos no domínio do combate a todas as formas de violência sobre as mulheres, são necessárias medidas específicas que contribuam para prevenir, combater e erradicar.

Formas de violência sobre as mulheres que se traduzem na violência doméstica, é necessária a criação de programas específicos de protecção e acompanhamento às vítimas; medidas de reforço dos apoios sociais; de acesso à justiça; às casas de abrigo; aos cuidados de saúde mental nos domínios da prevenção, do tratamento e da reabilitação; de respostas que garantam autonomia económica, e que garantam, na prática, a confiança e segurança de que a lei as protege, de facto, nas várias etapas que terá de empreender até recomeçar uma nova vida.

Mas, igualmente, a protecção das mulheres vítimas de prostituição e de tráfico para fins de exploração sexual e do assédio moral ou sexual no local de trabalho.

Recordamos que têm vindo a ser rejeitadas as propostas legislativas do PCP de protecção às pessoas prostituídas, e que mesmo nas situações em que não são vítimas de tráfico de seres humanos têm direito a uma adequada protecção face à violência que sobre elas é exercida, designadamente através da criação de um Plano de Combate à Exploração na prostituição e em que o PCP propunha e propõe medidas muito concretas de acompanhamento e apoio das pessoas prostituídas, bem como a eliminação de todos os documentos, campanhas e outros instrumentos de intervenção das instituições públicas em torno da distinção entre prostituição forçada e voluntária.

Em todas as situações é necessário incorporar medidas de informação, sensibilização e educação junto das escolas, da polícia, dos tribunais, dos serviços de saúde e da sociedade, linhas de apoio e casas de abrigo. É necessário que as vítimas tenham consciência dos seus direitos e que encontrem no Estado um instrumento insubstituível de apoio.

No processo de elaboração do Programa Eleitoral iremos sistematizar o conjunto de propostas que estiveram na base dos sucessivos projectos que o PCP tem apresentado na Assembleia da República, com a incorporação de novos aspectos que resultem do conhecimento mais particular desta realidade.

O combate à violência doméstica exige uma intervenção quotidiana, não pode ficar à espera, como de resto a luta em defesa dos direitos das mulheres.

Cabe-nos a cada um de nós um grande papel na alteração das mentalidades de mulheres, homens e jovens quanto à necessidade de serem banidas tais práticas na família; no quebrar de tabus e de receios de abordagem destes temas; de ajuda às mulheres vítimas para possam ser encaminhas e apoiadas; de promoção da consciência das suas causas e dos caminhos que podem levar à sua eliminação.

Caminhos necessariamente de luta indissociável do apoio ao PCP e ao voto na CDU nas próximas eleições legislativas, como condição necessária à construção de uma alternativa política de verdadeiro e duradoiro combate pela efectivação dos direitos das mulheres, num país mais justo e soberano.

Uma luta que não fica à espera e que precisa de ter expressão concreta:

- Nas comemorações do 25 de Abril e do 1.º de Maio.

- Nas lutas nas empresas e locais de trabalho.

- Na lutas das populações.

- E na vinda para a rua na Marcha Nacional de 6 de Junho.

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