Projecto de Lei

Altera o Código de Processo Penal visando a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime

Preâmbulo

As alterações introduzidas no Código de Processo Penal na X Legislatura, sob proposta do Governo, tiveram consequências negativas no combate à criminalidade. O PCP, que participou nesse processo legislativo com o seu próprio projecto de lei, afirmou desde sempre que a eventual aprovação de algumas das normas propostas pelo Governo, designadamente as referentes ao segredo de Justiça, à detenção e à prisão preventiva, teriam consequências negativas, por serem prejudiciais à investigação dos tipos de crime de maior complexidade e por serem susceptíveis de gerar situações de alarme social.
Desde cedo, a vida comprovou as razões que assistiam ao PCP. As alterações ao regime do segredo de justiça foram fortemente criticadas nos meios judiciários por dificultarem sobremaneira as investigações de maior complexidade, designadamente a criminalidade económico-financeira ou a corrupção. Por seu lado, as alterações ao regime da prisão preventiva, que passou a ser aplicada em regra à prática de crimes que implicassem um pena de prisão superior a 5 anos, em vez de 3, teve consequências lesivas no aumento da criminalidade e gerou situações compreensíveis de alarme social.
Teimosamente, o XVII Governo recusou assumir os erros no tempo devido, apesar das evidências. Rejeitou qualquer hipótese de corrigir os erros cometidos nas alterações ao Código de Processo Penal mas, confrontado com a gravidade da situação criada, tentou emendar a mão de uma forma insólita, usado a alteração da lei das armas para criar um regime processual penal para a prisão preventiva paralelo ao do Código de Processo Penal.
Acontece entretanto que a recente publicação do Relatório de Monitorização da Reforma Penal veio comprovar as graves disfunções de que enfermou a revisão do Código de Processo Penal e que o Governo se recusou a corrigir. Está agora a Assembleia da República em condições para o fazer e deve fazê-lo quanto antes.
O PCP assume assim a urgência na correcção de alguns dos aspectos mais negativos das alterações ao Código de Processo Penal introduzidas em 2007, designadamente em matéria de segredo de justiça, prisão preventiva, prazos máximos de duração do inquérito e detenção, e assume a responsabilidade de propor a sua alteração.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta algumas propostas de alteração ao Código de Processo Penal visando dois objectivos fundamentais.
Por um lado, a defesa da investigação, particularmente no que se refere à criminalidade mais complexa e organizada como a criminalidade económico-financeira ou a corrupção.
Assim, estabelece-se um regime de segredo de justiça que defenda a eficácia da investigação, garantindo o respeito pelo direito dos sujeitos processuais à informação. Consagra-se a regra de sujeição do processo a segredo de justiça durante a fase de inquérito e de instrução, fixando-se a publicidade somente a partir da decisão instrutória ou do momento em que a instrução já não puder ser requerida. A regra da sujeição a segredo de justiça nessas fases iniciais do processo pode ser afastada por decisão do juiz de instrução, exigindo-se sempre a concordância do Ministério Público.
Cria-se igualmente um mecanismo de identificação de quem tem acesso aos autos como forma de dissuadir e combater eventuais violações do segredo de justiça.
Procura-se ainda corrigir o regime demasiado rígido de prazos de duração máxima dos inquéritos que impede, na prática, o combate à criminalidade mais complexa e que coloca maiores dificuldades na investigação. Define-se a possibilidade de prorrogação dos prazos de duração máxima do inquérito quando imposta por razões de eficácia da investigação, eliminando-se a possibilidade de acesso aos autos uma vez decorridos os prazos máximos de duração do inquérito. Pretende-se com esta alteração evitar que os atrasos na investigação impostos por circunstâncias externas à condução do processo determinem a impossibilidade de combater a criminalidade mais complexa ou que envolve, por exemplo, a colaboração com entidades policiais de outros países.
Por outro lado, assume-se o objectivo de garantir as condições necessárias à eficácia da acção das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal no combate ao crime e na sujeição dos agentes à Justiça.
Para isso, altera-se o regime da detenção estabelecido nos artigos 257.º e 385.º garantindo a possibilidade de detenção fora de flagrante delito sempre que se verifique perigo de fuga, de perturbação do decurso do inquérito ou de continuação da actividade criminosa.
Alteram-se igualmente os pressupostos de aplicação da prisão preventiva, alargando a possibilidade de aplicação desta medida de coacção quando esteja em causa crime punível com pena de prisão superior a três anos – ao contrário dos cinco actualmente previstos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração

Os artigos 86.º, 89.º, 202.º, 257.º, 276.º e 385.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei nºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 17/91, de 10 Janeiro, pela Lei nº 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Lei nºs 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis nºs 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, e 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pelas Leis nºs 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, com as Declarações de Rectificação nºs 100-A/2007, de 26 de Outubro e 105/2007, de 9 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e pelas Leis n.ºs 52/2008, de 28 de Agosto, e 115/2009, de 12 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 86.º

(…)

1 – O processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida.
2 - O processo é público a partir do recebimento do requerimento a que se refere o artigo 287.º, n.º 1, alínea a), se a instrução for requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, não declarar que se opõe à publicidade.
3 - O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e com a concordância do Ministério Público, determinar a não sujeição a segredo de justiça, durante a fase de inquérito.
4 – (actual n.º 6).
5 – (actual n.º 7).
6 – O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes, e implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação.
7 – (actual n.º 9).
8 - As pessoas referidas no número anterior são identificadas no processo, com indicação do acto ou documento de cujo conteúdo tomam conhecimento e ficam, em todo o caso, vinculadas pelo segredo de justiça.
9 - Da decisão prevista no n.º 7 cabe, consoante os casos, reclamação hierárquica ou recurso.
10 – (actual n.º 11).
11 – (actual n.º 12).
12 – (actual n.º 13).

Artigo 89.º

(…)
1 - Para além da entidade que dirigir o processo, do Ministério Público e daqueles que nele intervierem como auxiliares, o arguido, o assistente e as partes civis podem ter acesso a auto, para consulta, na secretaria ou noutro local onde estiver a ser realizada qualquer diligência, bem como obter cópias, extractos e certidões autorizados por despacho, ou independentemente dele para efeito de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos para tal estipulados pela lei.
2 - Se, porém, o Ministério Público não tiver ainda deduzido acusação ou proferido despacho de arquivamento do inquérito, o arguido, o assistente, se o procedimento criminal não depender de acusação particular, e as partes civis, só podem ter acesso a auto na parte respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados, bem como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em que devessem intervir, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do presente artigo, no n.º 9 do artigo 86.º e no n.º 4 do artigo 194.º.
3 - Para o efeito previsto no número anterior, as partes referidas do auto ficam avulsas na secretaria, por fotocópia, pelo prazo de três dias, sem prejuízo do andamento do processo, mantendo-se o dever de guardar segredo de justiça para todos.
4 - Pode, todavia, o juiz, com a concordância do Ministério Público, do arguido e do assistente, permitir que o arguido e o assistente tenham acesso a todo o auto. O dever de guardar segredo de justiça persiste para todos.
5 - O juiz, a requerimento do arguido e ouvido o Ministério Público, permite ao seu defensor, durante o prazo para a interposição do recurso, a consulta das peças processuais cuja ponderação tenha sido determinante para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, salvo se, ponderados os interesses envolvidos, considerar que da sua consulta resulta prejuízo para o inquérito ou perigo para os ofendidos.
6 - As pessoas mencionadas no n.º 1 têm, relativamente a processos findos, àqueles em que não puder ou já não puder ter lugar a instrução e àqueles em que tiver havido já decisão instrutória, direito a examiná-los gratuitamente fora da secretaria, desde que o requeiram à autoridade judiciária competente e esta, fixando o prazo para tal, autorize a confiança do processo.
7 - São correspondentemente aplicáveis às situações previstas no número anterior as disposições da lei do processo civil respeitantes à falta de restituição do processo dentro do prazo; sendo a falta da responsabilidade do Ministério Público, a ocorrência é comunicada ao superior hierárquico.

Artigo 202.º
Prisão preventiva

1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
b) [actual alínea c)]
2 - (…).

Artigo 257º

[…]
1 — Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada, por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público:
a) quando houver fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado; ou
b) quando se verifique, em concreto, alguma das situações previstas no artigo 204º, que apenas a detenção permita acautelar.
2 — (…)

Artigo 276.º

(…)
1 – (…).
2 - (…).
3 - (…).
4 – (eliminar)
5 - Sempre que tiver conhecimento de que os prazos referidos nos números anteriores foram excedidos, o Procurador-Geral da República ou o responsável hierárquico com poderes por aquele delegados pode mandar avocar o inquérito e, se razões de eficácia da investigação o impuserem, prorrogar excepcionalmente o prazo.
6 - Os prazos de duração máxima do inquérito são notificados ao arguido e ao seu defensor e ao advogado do assistente.”

Artigo 385º

[…]
1 — Se a apresentação ao juiz não tiver lugar em acto seguido à detenção em flagrante delito, o arguido só continua detido se houver razões para crer que não se apresentará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixado, ou quando se verificar, em concreto, alguma das situações previstas no artigo 204º, que apenas a detenção permita acautelar.
2 — (…)
3 — (…)”.

Artigo 2.º
Entrada em vigor

As alterações introduzidas pela presente Lei entram em vigor sessenta dias após a publicação em Diário da República.

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