Projecto de Lei N.º 266/XII-1ª

Altera o Código de Processo Penal estabelecendo a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor no inquérito e garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade

Altera o Código de Processo Penal estabelecendo a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor no inquérito e garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade

Exposição de motivos

O regime de assistência do arguido por defensor tem sido, nos últimos processos legislativos de alteração ao Código de Processo Penal, um dos aspetos que mais atenção tem merecido. Seja pela consideração de insuficiências que resultam do texto da lei face à dinâmica e exigências da vida e do exercício da ação penal, seja pelas cada vez mais extensas e significativas consequências que se procura extrair das diligências processuais em que o arguido intervém, o regime de assistência do arguido por defensor tem vindo a ser reiteradamente objeto de discussão.

Considerando a abrangência dos meios para obtenção de prova, bem como a amplitude de diligências processuais que lhes correspondem, o PCP apresenta com o presente Projeto de Lei uma proposta no sentido de estabelecer a obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor em todas as diligências processuais em que possa prestar declarações ou deva estar presente.

O alcance prático desta proposta é o de estabelecer como obrigatoriedade aquilo que já hoje é um direito do arguido, o de fazer-se acompanhar por defensor nas diligências processuais para as quais seja convocado. Enquanto mera possibilidade, tal situação acaba atualmente por ocorrer apenas quando o arguido dispõe de informação ou tem já advogado constituído, colocando numa situação de maior fragilidade os arguidos com menores recursos económicos ou mais desinformados acerca dos seus direitos.

Por outro lado, o PCP apresenta um conjunto de propostas incidindo sobre os processos especiais – sumário, abreviado e sumaríssimo – no sentido de criar condições para a sua utilização mais frequente e generalizada, garantindo maior celeridade no julgamento da criminalidade de menor gravidade.

Estas propostas têm na sua base a ideia de que a celeridade na administração da justiça é condição fundamental da própria realização da Justiça, sendo a morosidade no funcionamento dos tribunais, particularmente no âmbito da justiça penal, condição determinante para o descrédito do sistema de justiça aos olhos dos cidadãos e para a consolidação de um sentimento de impunidade e impotência do sistema judicial no combate ao crime.

Quando se analisam as diferentes causas para os problemas que afetam o sistema de justiça, particularmente quando se procuram identificar as razões que impedem os tribunais de responder com maior celeridade e eficácia à criminalidade grave e complexa, surge frequentemente um fator unanimemente reconhecido como determinante para que tal aconteça: os tribunais estão “inundados” com a criminalidade de menor gravidade e sem instrumentos ao seu dispor que permitam dar a resposta célere que esses processos permitem e impõem.

Para esta realidade contribuem decisivamente algumas limitações do regime legal dos processos especiais previstos no Código de Processo Penal.

A impossibilidade de utilizar formas expeditas para julgar e punir os crimes de menor gravidade quando, por força da detenção em flagrante delito ou da simplicidade e evidência da prova já obtida, o julgamento pode ser efetuado com rapidez, é uma dificuldade cuja resolução está ao alcance da Assembleia da República.

Assim sendo, o PCP apresenta com o presente Projeto de Lei um conjunto de alterações ao regime dos processos especiais previstos no Código de Processo Penal, cujas alterações mais significavas relativamente a cada uma das formas de processo especial se consubstanciam no seguinte:
Processo sumário:

1 – possibilidade de apresentação do arguido pelo Ministério Público a julgamento no prazo máximo de 30 dias, contados a partir da detenção, quando entenda necessária a realização de diligências de obtenção de prova;

2 – manutenção da regra de início da audiência de julgamento nas 48 horas posteriores à detenção, admitindo apenas exceção quando o Ministério Público entenda necessária a realização de diligências de obtenção de prova ou quando se verifique impossibilidade de agenda do tribunal;

3 – admissão da possibilidade de interrupção da audiência de julgamento apenas quando faltem testemunhas de que o Ministério Público, o arguido ou o assistente não prescindam ou quando seja requerida por qualquer sujeito processual ou ordenada oficiosamente pelo tribunal a realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade;

4 – definição de um prazo máximo de 60 dias, contados a partir da detenção do arguido, para conclusão do julgamento;

5 – limitação das situações em que o processo pode ser remetido para julgamento sob outra forma de processo, com previsão da possibilidade de recurso dessa decisão;

6 – alargamento da possibilidade de arquivamento do processo em caso de dispensa de pena ou de suspensão do processo até ao encerramento da audiência de julgamento, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente.

7 – reformulação das regras relativas à sentença, simplificando-a face às exigências do processo comum e garantindo a celeridade correspondente à utilização do processo especial mas não prescindindo de aspetos essenciais à segurança jurídica e à necessária clareza das decisões judiciais.
Processo abreviado:

1 – definição de um prazo máximo de 90 dias para conclusão do julgamento.

Processo sumaríssimo:

1 – possibilidade de julgamento sob a forma de processo sumaríssimo em caso de concurso de infrações desde que cada um dos crimes, individualmente considerado, seja punível com pena de prisão de máximo não superior a 5 anos ou com pena de multa;

2 – possibilidade de aplicação, em processo sumaríssimo, de penas acessórias;

3 – possibilidade de reparação dos danos sofridos pelo lesado a pedido deste;

4 – simplificação do processo quando haja concordância do arguido com o requerimento do Ministério Público.

Por último, o presente Projeto de Lei do PCP prevê ainda alterações à organização dos tribunais judiciais e do Ministério Público, na medida em que sejam consideradas necessárias para fazer face às exigências que decorrem da alteração legislativa agora proposta.

Para esse efeito, prevê-se que o Governo proceda às alterações legislativas e à disponibilização dos meios considerados necessários, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração ao Código de Processo Penal

Os artigos 64.º, 379.º, 382.º, 384.º, 385.º, 387.º, 389.º, 389º-A, 390.º, 391.º, 391.º-E, 392.º, 394.º, 395.º, 396.º, 397.º, 398.º são alterados nos seguintes termos:

«Artigo 64.º
(…)

1 – É obrigatória a assistência do defensor:

a) Em todos os atos processuais em que o arguido possa prestar declarações ou deva estar presente;
b) (atual alínea c))
c) (atual alínea d))
d) (atual alínea e))
e) (atual alínea f))
f) (atual alínea g))
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).

Artigo 379.º
(…)

1 – É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no número 2 e na alínea b) do número 3 do art. 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do número 1 do artigo 389.º-A;
b) (…);
c) (…).
2 – (…).

Artigo 382.º
(…)

1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).

4 – O Ministério Público, se considerar necessárias diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 30 dias posteriores à detenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo o arguido de que este se realizará, mesmo que não compareça e ainda que haja adiamento nos termos previstos no artigo 387.º, sendo representado por defensor.

Artigo 384.º
(…)

1 – É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até ao encerramento da audiência de julgamento, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente.

2 – Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida a concordância do juiz de instrução criminal, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 30 dias posteriores à detenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo o arguido de que este se realizará, mesmo que não compareça e ainda que haja adiamento nos termos previstos no artigo 387.º, sendo representado por defensor.

3 – (…)

Artigo 385.º
(…)

1 – Se a apresentação ao juiz não tiver lugar em ato seguido à detenção em flagrante delito, o arguido só continua detido se houver razões para crer que não se apresentará voluntariamente perante a autoridade judiciária na data e hora que lhe for fixada ou quando se verificar em concreto alguma das circunstâncias previstas no artigo 204.º que apenas a manutenção da detenção permita acautelar.

2 – (…).
3 – (…).

Artigo 387.º
(…)
1 – (…)

2 – O início da audiência pode também ter lugar:
a) até 30 dias após a detenção, nos casos previstos nos número 4 do artigo 382.º e número 2 do artigo 384.º;
b) até ao limite do 5.º dia posterior à apresentação do arguido pelo Ministério Público a julgamento quando se verifique impossibilidade de agenda do tribunal, caso em que o tribunal fixará nova data e hora.
3 – (atual n.º 4)
4 – A audiência só pode ser interrompida, pelo prazo máximo de 15 dias, quando:

a) faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam; ou
b) seja requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido ou ordenada oficiosamente pelo tribunal a realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade.

5 – O julgamento deve estar concluído no prazo máximo de 60 dias contados da data da detenção do arguido.

6 – Quando se atinja o prazo previsto no número anterior sem que tenha sido possível ouvir as testemunhas referidas na alínea a) do número 4 ou realizar as diligências previstas na alínea b) do mesmo número, deve o tribunal remeter os autos ao Ministério Público para julgamento sob outra forma processual.

Artigo 389.º
(…)
1 – (revogado)

2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)

Artigo 389º-A
(…)
1 – A sentença é logo proferida oralmente e ditada para a acta, contendo obrigatoriamente:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b) (…);
c) (…);
d) (…)

2 – Deve ser entregue ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público, no prazo de 48 horas, cópia da ata contendo a sentença, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do número 4 do art. 101.º

3 – (atual n.º 5)

Artigo 390.º
(…)

1 – O tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma de processo quando:
a) (…); ou
b) nos casos previstos no número 6 do artigo 387.º.

2 – Se, depois de recebidos os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo, mantém-se a competência do tribunal a que foi distribuído inicialmente o processo para julgamento na forma sumária.

Artigo 391.º
(…)

1 – Em processo sumário só é admissível recurso:
a) da sentença ou de despacho que puser termo ao processo;
b) do despacho que ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

2 – O recurso previsto na alínea b) do número anterior tem efeito suspensivo.

3 – O prazo para interposição do recurso conta-se a partir da entrega de cópia da sentença.

Artigo 391.º-E
(…)

1 – (…).
2 – (…).

3 – O julgamento deve estar concluído no prazo de 90 dias contados da data de remessa dos autos pelo Ministério Público.

Artigo 392.º
Quando tem lugar

1 – (...)

2 – O disposto no número anterior é ainda aplicável em caso de concurso de infrações, desde que cada um dos crimes, individualmente considerado, seja punível com pena de prisão de máximo não superior a 5 anos ou com pena de multa.

3 – (atual n.º 2)

4 – A forma de processo sumaríssimo não prejudica a aplicação de penas acessórias nos termos gerais legalmente previstos.

Artigo 394.º
Requerimento

1 – (...)

2 – O requerimento termina com a indicação precisa pelo Ministério Público:
a) Das sanções concretamente propostas, principais e acessórias, se for o caso;
b) (…);
c) Do defensor que lhe foi nomeado, caso não tenha já advogado constituído.

3 – O requerimento referido no número anterior é notificado ao arguido e ao seu defensor para, no prazo de 15 dias, declarar a sua concordância ou oposição.

4 – A notificação do arguido a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 113.º, e deve conter obrigatoriamente:

a) O esclarecimento dos efeitos da concordância e da oposição a que se referem os artigos 395.º, 397.º;
b) A advertência de que o seu silêncio no prazo referido será equivalente à oposição.

5 – A concordância e a oposição podem ser feitas por simples declaração.

6 – Terminado o prazo previsto no número 3, são os autos remetidos ao juiz.

Artigo 395.º
Rejeição liminar do requerimento

1 – O juiz rejeita o requerimento:

a) (…);
b) (…);
c) (…)

2 – No caso previsto na alínea c) do número anterior, o juiz pode, em alternativa, fixar sanção diferente, na sua espécie ou medida, da proposta pelo Ministério Público, com a concordância deste e do arguido, bem como fixar, sem necessidade de acordo, indemnização diferente da proposta pelo Ministério Público.

3 – Para os efeitos previstos no número anterior, o juiz notifica o arguido e o defensor do seu despacho, aplicando-se o disposto no artigo 394.º números 3, 4 e 5.

4 – Se o juiz rejeitar liminarmente o requerimento com o fundamento previsto na alínea c) do número 1, prosseguem os autos, sem redistribuição, para julgamento sob a forma de processo abreviado, nos termos dos artigos 391º-C a 391º-F, valendo o requerimento como acusação.

5 – Do despacho a que se refere o número 1 não cabe recurso.

Artigo 396.º
Processamento no caso de concordância do arguido

1 – Quando o arguido concordar com o requerimento, ou com o despacho proferido nos termos do número 2 do artigo anterior, o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção, à fixação da indemnização e à condenação no pagamento de custas, sendo a taxa de justiça reduzida a um terço.

2 – O despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado.

3 – É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta ou da fixada, respetivamente, nos termos do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 394.º ou do número 2 do artigo 395.º.

Artigo 397.º
Processamento no caso de oposição do arguido

1 – Nos casos em que o arguido se oponha ao requerimento do Ministério Público, ou não lhe dê resposta, nos termos previstos no número 5 do artigo 394.º, os autos são remetidos para julgamento sob a forma de processo abreviado, nos termos dos artigos 391º-C a 391º-F, valendo o requerimento como acusação.

2 – Nos casos em que o arguido se oponha ao despacho judicial previsto no número 2 do artigo 396.º, prosseguem os autos, sem redistribuição, para julgamento sob a forma de processo abreviado, nos termos dos artigos 391º-C a 391º-F, valendo tal despacho como acusação.

Artigo 398.º
(revogado)»

Artigo 2.º
Reorganização judiciária

No prazo de 3 meses após a publicação da presente lei, depois de ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público, o Governo procederá às alterações legislativas e à disponibilização dos meios considerados necessários para corresponder às exigências que decorrem das alterações previstas nos artigos anteriores.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

As alterações ao Código de Processo Penal previstas na presente lei entram em vigor 6 meses após a sua publicação.

Assembleia da República, em 5 de Julho de 2012

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