Intervenção de

Alteração do Orçamento de Estado para 2001 - Intervenção de Octávio Teixeira

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhora e Senhores Deputados

Pela voz do Ministro das Finanças, o Governo justificou a apresentação deste Orçamento rectificativo com o objectivo de sinalizar. Sinalizar isto, sinalizar aquilo, sinalizar tudo e mais alguma coisa.

A final, e como já tive oportunidade de o referir, a verdade é que esta alteração orçamental não sinaliza absolutamente nada. Muito menos qualquer reorientação da política económica. Mas, e para além disso, é política e tecnicamente um despautério inaudito pretender justificar a apresentação de uma lei orçamental, ainda que de alteração, com qualquer ideia de sinalização. Um Orçamento rectificativo existe, apresenta-se, se e quando existe uma necessidade absoluta.

Uma lei de alteração orçamental não pode ser assimilada a uma qualquer dica para um telejornal ou a uma dita fuga de informação para a comunicação social.

Uma lei orçamental é, ou melhor, deveria ser sempre uma iniciativa legislativa séria e fundamentadamente justificada.

A proposta de alteração orçamental que o Governo hoje nos obriga a discutir não assume essa natureza de seriedade técnica e política.

Tem como razão central uma mera jogada de táctica política, de chicana política.

O Governo reeditou a experiência, que se desejava definitivamente enterrada, inaugurada com a viabilização do Orçamento do Estado para 2001. Então, indo pescar um voto na bancada do CDS/PP. Agora ensaiando a pesca de votos insulares no PSD.

Uma prática política triste e perigosa para o regime.

Talvez o Governo se sinta satisfeito com essa jogada, por ter conseguido "entalar" o PSD, que não perdeu tempo a garantir a viabilização deste orçamento rectificativo. A verdade, porém, é que essa é uma vitória de "pirro".

Porque, de facto, em nada altera a situação política actual, apenas mostra que Durão Barroso e o PSD andam tão à deriva e tão assustados como António Guterres e o PS.

Mas, senhor Presidente e senhores Deputados, já que esta proposta de lei foi apresentada pelo Governo e é prestimosamente sustentada pelo PSD, analisemos o que nela é possível analisar.

Desde logo, a assunção de 290 milhões de contos de dívida vencida e não paga, de atrasados, do SNS.

O PCP está à vontade para sobre isto falar, porque em 1999 viabilizámos um orçamento rectificativo com o mesmo objectivo e por essa exclusiva razão. E, precisamente por isso, dizemos que esta operação não merece ser aprovada nestas circunstâncias. Porque então, há menos de dois anos, o compromisso assumido pelo Governo foi o de que não mais tal situação se repetiria. Porque o Governo jamais prosseguiria a prática de sub-orçamentação das dotações para o SNS.

Bastou que passassem dezoito meses para todos termos a comprovação de que o Governo não foi então sério, não falou verdade, prometeu com a intenção de não cumprir.

E todos sabemos que se hoje lhe forem concedidos mais 290 milhões, o Governo encontrará razões para continuar a sub-orçamentar, para continuar a não tomar medidas para impor mais rigor, mais exigência, mais eficiência, a encontrar razões para não combater os interesses ilegítimos que se alimentam deste desastroso estado de coisas, sejam eles os interesses dos laboratórios, sejam os das farmácias ou dos convencionados.

Para além disto, o Governo entendeu, ainda, aproveitar a boleia do PSD para reduzir despesas no valor de 150 milhões de contos. Redução meramente contabilística. Porque do ponto de vista económico também nada é alterado. Com alteração contabilística ou não, se as despesas se não realizassem o resultado seria exactamente o mesmo, quer em termos da despesa pública quer na perspectiva do défice orçamental.

Já estou a ouvir alguém, só não sei se do PS se do PSD, a dizer que assim, pelo menos, se aproveita a oportunidade para dar mais transparência à inscrição orçamental...

Tão pouco, porém, é essa a razão. A razão será outra e as suas consequências são muito pesadas para o próximo futuro. Passo a explicitar.

Ninguém seriamente pode fazer-se esquecido de que, em simultâneo com o Orçamento rectificativo, o Governo aprovou 50 medidas do programa de redução da despesa pública. A primeira delas, aquela a que o Ministro das Finanças se referiu como sendo "a mãe de todas as medidas", reza que será fixado para os próximos Orçamentos, desde logo o de 2002, um tecto de 4% para o crescimento da despesa corrente primária.

Se a inscrição da despesa do Orçamento actual não fosse alterada, isso significaria para o próximo ano um aumento nominal da despesa corrente primária de 210 milhões de contos. Com esta alteração das dotações inscritas, o tecto de crescimento de 4% significa que o aumento nominal da despesa corrente primária no próximo ano será de apenas 56 milhões de contos!

Mesmo que essa verba fosse toda canalizada para despesas com pessoal, a evolução dos salários da função pública no próximo ano não poderia ultrapassar os 1,5%!! Uma enorme e insuportável diminuição dos salários reais!

Este sim, pode ser considerado o principal "sinal" desta proposta orçamental. Como sinais são o facto de as funções sociais suportarem mais de 52% dos cortes orçamentais, de os estabelecimentos de ensino superior se verem espoliados de 11 milhões, de o Governo cortar 5 milhões de contos à Acção Social para os entregar em benefícios fiscais.

O Governo corta despesa social que beneficia muitos, para aumentar despesa fiscal que privilegia muito poucos.

A responsabilidade por estes factos e destas opções será irremediavelmente compartilhada, a meias, por quem hoje nesta Assembleia viabilizar este Orçamento Rectificativo. Sobre isso não temos quaisquer dúvidas, nem elas (as dúvidas) restarão, nomeadamente, aos trabalhadores da Administração Pública.

Finalmente, senhor Presidente e senhores Deputados, o Governo propõe-se assumir dividas das Regiões Autónomas no valor de 24 milhões de contos.

Em 1998 o Governo do PS assumiu dívidas das Regiões Autónomas no valor de 220 milhões de contos. Também então o Governo garantiu que seria uma medida excepcional, que não mais se repetiria, que a partir de então seria inequivocamente exigido aos Governos regionais o rigor, a contenção, o cumprimento da lei.

Ainda não decorreram 3 anos e aí está o desmentido cabal de mais uma garantia aparente do Governo. E esta será, com a maior das probabilidades, a chave mestra da manobra politiqueira a que inicialmente me referi. Há seis meses meteu-se uma fatia de queijo limiano no orçamento, hoje ornamenta-se o orçamento com umas estrelícias madeirenses.

O que não é admissível, o que deve inequivocamente ser combatido e contrariado, é que as finanças públicas nacionais, o dinheiro dos contribuintes e os salários dos trabalhadores da função pública, possam continuar a ser, respectivamente, degradadas, desbaratado e sacrificados, em nome e ao serviço de meras tácticas de jogos partidários.

Por isso o PCP votará convicta e justificadamente contra esta proposta de lei.

 

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