Intervenção de

Alexander Soljenitsin - Intervenção de Bernardino Soares na AR

 

Voto de pesar pelo falecimento de Alexander Soljenitsin

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Nós encaramos com naturalidade a apresentação deste voto pelo CDS (voto n.º 171/X).

Consideramos, contudo, que não é possível a Assembleia da República aprovar tal voto.

O CDS, que não perdeu ainda a sua «costela» do saudosismo fascista, não quer votar o pesar de Soljenitsin, nem está concentrado na sua obra literária, que só interessa ao CDS na medida em que servir os seus propósitos anticomunistas.

Soljenitsin foi adversário da União Soviética - e isso basta para alguns, como ouvimos nos discursos aqui -, mas Soljenitsin não foi só isso. Soljenitsin foi o apoiante de Pinochet contra o governo legítimo de Salvador Allende, que os socialistas deviam recordar aqui hoje.

Soljenitsin foi o apologista do regime franquista; foi o defensor da restrição dos direitos humanos; falou do excesso dos direitos individuais.

Nas tais críticas ao Ocidente, que aqui foram referidas há pouco, pode incluir-se uma famosa Conferência em Harvard, em 1978, onde Soljenitsin dizia, e cito: «Chegou a hora, no Ocidente, de defender menos os direitos humanos e mais as humanas obrigações». Dizia, ainda, defendendo um poder autoritário face ao Parlamento e à imprensa: «A mediocridade triunfa, sob as desculpas das restrições impostas pela democracia». É este homem que está a ser vangloriado e louvado no voto do CDS e nas posteriores intervenções!

Foi Soljenitsin quem defendeu, em 1976, uma nova intervenção dos Estados Unidos da América no Vietname, dizendo «desta vez para vencer».

E foi o mesmo Soljenitsin quem defendeu, em 1974, a intervenção dos Estados Unidos da América em Portugal, para abafar e contrariar a Revolução Democrática de Abril.

Este é o homem que o CDS e os restantes querem louvar nesta Assembleia!

Um democrata, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode aceitar que a Assembleia da República, legitimada pela Revolução dos Cravos, regida pela Constituição de Abril, aprovada em 1976, possa louvar alguém que quis esmagar a nossa democracia e a nossa liberdade, que quis confiscar a nossa soberania e apelou à intervenção estrangeira no nosso País, coisa que os comunistas, se bem se lembram, nunca fizeram, mesmo nos tempos mais duros do fascismo, e sempre defenderam que é o nosso povo que tem de resolver os seus próprios problemas.

Que razões existem, então, para que alguns queiram votar e apoiar este voto?

Apenas as razões do anticomunismo! Tudo o que serve para o anticomunismo é admissível para alguns Srs. Deputados, mesmo que seja fascista, mesmo que seja antidemocrático, mesmo que seja contra a nossa democracia e a nossa soberania.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Telmo Correia,

Já percebemos que o Sr. Deputado, nos dias que correm, tem nestes votos o momento alto da sua intervenção parlamentar. Mas também todos percebemos da sua dificuldade em relação a este tema. É que o Sr. Deputado não falou do tema do voto, falou de outros temas, porque o tema do voto não lhe convinha.

Não lhe convém explicar por que é que pretende que a Assembleia da República louve um homem que quis que a nossa Revolução Democrática fosse abafada com uma intervenção militar estrangeira, não lhe convém explicar por que é que pretende que a Assembleia da República apoie um homem que defende restrições aos direitos humanos e à liberdade de imprensa, não lhe convém explicar como é que tanto fala de democracia e pretende que a Assembleia da República, democrática, eleita pelo povo, louve alguém que quis reprimir o direito do povo soberano à sua liberdade e a construir o seu próprio futuro. Bem compreendemos o incómodo, Sr. Deputado Telmo Correia!

Mas, Sr. Deputado, de cada vez que quiser defender o anticomunismo, tem todo o direito de ter simpatias anticomunistas - nem esperávamos de si outra coisa! -, o que não tem é o direito de querer obrigar a Assembleia da República a contradizer os termos de base da sua legitimidade: a Revolução de Abril, a Constituição de 1976 e a soberania nacional!

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