Projecto de Lei N.º 10/XII

Alarga as condições de acesso e atribuição ao abono de família

Alarga as condições de acesso e atribuição ao abono de família

Preâmbulo

As crianças e os jovens são o fundamento das prestações familiares. Ao Estado cabe garantir, respeitar e promover o exercício pleno dos seus direitos, com vista ao seu desenvolvimento integral e à efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais.

Tempos como os que vivemos, de profundas desigualdades sociais, de alastramento brutal do desemprego e da precariedade, dos baixos salários e novos cortes salariais, de aumento galopante dos custos com a alimentação, educação, habitação, saúde, transportes, geram situações dramáticas para milhares de famílias. Situações dramáticas, que a continuar este caminho da Troika subscrito por PS, PSD e CDS – de ataque aos direitos dos trabalhadores, de degradação dos serviços públicos e privatização de sectores e empresas públicas estratégicas para o desenvolvimento e crescimento económico, paralelamente à protecção e favorecimento dos grupos económicos e financeiros – vão crescer, proliferar e atingir cada vez mais famílias.

O anterior Governo PS com apoio do PSD e CDS, desencadeou um violento ataque às prestações sociais – abono de família, subsídio social de desemprego, rendimento social de inserção, comparticipação de medicamentos, complemento solidário para idosos – degradando violentamente o dia-a-dia de milhares de pessoas, e afastando-as do acesso a estes apoios. O Decreto-Lei n.º70/2010 veio agravar um inaceitável «filtro» que é a condição de recursos a prestações fundamentais, com o objectivo de “poupar” recursos públicos reduzindo o número de beneficiários dessas prestações ou reduzindo substancialmente o seu montante. Isto é, o anterior Governo, apoiado pelos partidos de direita, procurou “equilibrar” as contas públicas à conta do ataque a direitos sociais fundamentais que exigiam, ao invés, uma reforçada protecção.

Atacando os mais vulneráveis, foi mais longe no ataque às crianças e jovens e eliminou o aumento extraordinário de 25% do abono de família nos 1.º e 2.º escalões, cessou a atribuição do abono aos 4.º e 5.º escalões de rendimento com Decreto-lei 116/2010, de 22 de Outubro.

Os efeitos foram desastrosos: cerca de 650 mil crianças e jovens perderam o abono de família por via quer da cessação do pagamento aos 4º e 5º escalões, quer por via da alteração da condição de recursos, e cerca de 1 milhão e 75 mil beneficiários sofreram um corte de 25%. Mais de 13 000 crianças e jovens perderam a bonificação por deficiência do abono de família. Os efeitos destas decisões, tão injustas quanto inaceitáveis atingiram mais de 1 milhão e 650 mil beneficiários do abono de família, isto é, mais de 80% dos beneficiários do abono de família perderam ou sofreram cortes na sua protecção social. Importa referir, que uma criança cuja família sobreviva com um rendimento mensal de referência de 628,8€ (correspondente ao 4º escalão de rendimentos) perdeu, com o Decreto-Lei n.º116/2010, o abono de família. O valor de 22,59€ era insuficiente mas determinante para que muitas famílias pudessem pagar dois pacotes de fraldas, roupa e calçado, a os livros escolares e material escolar, alimentação adequada.

Recentemente, milhares de famílias foram notificadas para devolver o valor do abono de família que continuaram a receber por não terem conseguido fazer a prova da condição de recursos no prazo determinado nem a prova escolar. De sublinhar que a prova da condição de recursos é um mecanismo apenas acessível via Internet e de muito difícil compreensão e preenchimento, sendo que a Segurança Social não garantiu o apoio adequado e necessário para que os cidadãos a pudessem fazer, excluindo administrativamente centenas de beneficiários de prestações fundamentais. O PCP considera absolutamente ilegítima e inaceitável esta decisão.

O presente Projecto de Lei não exclui, antes exige, o compromisso de uma revisão futura mais profunda do enquadramento legal respeitante à estrutura, atribuição, montantes e universalidade do abono de família. No entanto, devido à dramática situação que marca o quotidiano de muitos milhares de famílias o PCP apresenta este projecto como um contributo decisivo para a reposição urgente de mais justiça e equidade social.

Por isso mesmo, os objectivos deste Projecto são:
- Revogar a condição de recursos imposta pelo Decreto-Lei n.º 70/2010 para atribuição do abono de família;
- Cessar a decisão de devolução de verbas do abono de família recebidas «indevidamente», isto é, de montantes que a Segurança Social continuou a pagar sem que a responsabilidade possa ser imputada aos beneficiários que não podem perder o direito a uma prestação social por entrega tardia de documentos;
- Repor o a totalidade dos escalões para efeitos de atribuição do abono de família, avançando no sentido de garantir a sua universalidade;
- Repor a majoração do abono de família em 25% nos 1º e 2º escalões;
- Repor critérios mais justos de atribuição da bonificação por deficiência a crianças e jovens.
Com este Projecto o PCP retoma os valores pagos antes das medidas que vieram cortar violentamente os apoios sociais a quem menos pode e menos tem, repondo os escalões suprimidos com os valores que em seguida se descriminam:

Abono de família para crianças e jovens

Idade igual ou inferior a 12 meses
1º escalão €174,72
2º escalão € 144,91
3º escalão € 92,29
4º escalão € 56,45
5º escalão € 33,88
6º escalão a definir por portaria a definir por portaria

Idade superior a 12 meses

1º escalão €43,68
2º escalão € 36,23
3º escalão € 26,54
4º escalão € 22,59
5º escalão € 11,29
6º escalão a definir por portaria a definir por portaria

Tempos como os que vivemos de baixa natalidade, de aumento brutal da precariedade da vida, exigem políticas efectivas de natalidade como a valorização e reforço do abono de família e dos salários dos trabalhadores, de criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à infância de qualidade e a preços acessíveis, de políticas que fomentem a estabilidade no emprego e na vida. No entanto, os sucessivos governos PS, PSD e CDS sempre rápidos na retórica oca de apoio às famílias acabaram por praticar continuamente políticas contrárias aos direitos das crianças e dos jovens, dos pais e mães portugueses, sobretudo de famílias com baixos rendimentos.

O Partido Comunista Português defende um sistema de prestações familiares universal, de encontro até ao preconizado em sucessivos preâmbulos que precederam as várias regulamentações destas prestações mas que nunca tiveram correspondência nas regras efectivamente aplicadas. Da lei à vida vai uma distância atroz: o universo cada vez mais restrito de famílias a acederem a estas prestações são maioritariamente agregados que vivem em situações de pobreza, ou próximas desta. Propomos portanto, que as crianças, independentemente do agregado familiar em que estão inseridas, tenham garantida uma infância plena de direitos, com saúde, educação, habitação em condições de igualdade, sem que o acesso a estes direitos seja restringido às crianças e jovens com base em critérios economicistas, contribuindo, desta forma, não só para o desenvolvimento das crianças e jovens, como também de todo um país.

A aprovação do Decreto-lei 70/2010 e o Decreto-lei 116/2010 pelo Governo PS e apoio do PSD desenvolveu um rude golpe no abono de família quanto à universalidade, número de beneficiários, montante, prazos. O actual projecto, que certamente contará com o «visto familiar» proposto no Programa do Governo (e seguramente com a concordância de milhares de famílias portuguesas) pode contribuir de forma decisiva para corrigir alguns dos efeitos desastrosos de uma política social injusta, indo de encontro à garantia dia do cumprimento dos direitos das crianças e de um rumo de progresso social, profundamente conscientes que só uma política patriótica e de esquerda poderá garantir a melhor efectiva da vida dos trabalhadores e do povo.

O combate à crise não pode ser feito com o ataque aos direitos fundamentais das crianças, dos jovens e das suas famílias, pondo em causa direitos elementares, necessidades básicas e aquela que é uma das conquistas mais emblemáticas dos direitos sociais: a protecção da infância e da juventude no superior interesse da criança.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objecto

1 - A presente Lei reformula as condições de acesso e atribuição do abono de família a crianças e jovens alterando os requisitos da verificação da condição de recursos, repondo o pagamento do abono nos 4º e 5º escalões e a majoração do pagamento nos 1º e 2º escalões.
2 – A presente lei determina ainda a inexigibilidade de devolução das quantias recebidas a título de abono de família a crianças e jovens por não apresentação de prova escolar ou prova de condição de recursos.

Artigo 2º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho

1 - É alterado o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 1.º
Objecto
1 — …:
a) A revogar;
b) …;
c) …;
d) ...
2 — …
3 — …:
a) …;
b) …;
c) A revogar;
d)...
2 – É revogado o artigo 19º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho

Artigo 3º
Revogação do Decreto-Lei n.º 116/2010, de 22 de Outubro

1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 110/2010, de 22 de Outubro, repristinando-se a Portaria n.º 425/2008, de 16 de Junho e a Portaria n.º 511/2009, de 14 de Maio.
2 – São repostos o 4º, 5º e 6º escalões do abono de família a crianças e jovens previstos pelo Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, na sua versão republicada pelo Decreto-Lei n.º 245/5008, de 18 de Dezembro, cujos montantes mensais serão definidos pelo Governo através de Portaria.

Artigo 4.º
Inexigibilidade de devolução do abono de família para crianças e jovens

Estão dispensados da obrigatoriedade de devolução das quantias recebidas a título de abono de família os beneficiários que não tenham efectuado a prova de condição de recursos e a prova escolar nos prazos legalmente determinados.

Artigo 5.º
Recálculo dos montantes

Os Serviços de Segurança Social deverão recalcular os montantes do abono de família nos termos da presente lei no prazo de dois meses após a sua entrada em vigor, sendo estes devidos desde a data de entrada em vigor deste diploma.

Artigo 6.º
Disposições transitórias

O Governo regulamentará o n.º 2 do artigo 3º no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei, com base nos valores previstos pela Portaria n.º 511/2009.

Artigo 7º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.

Assembleia da República, 8 de Julho de 2011

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei