Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Agricultura – a continuação do desastre

1. A soberania e a segurança alimentares
Toda a situação nacional e internacional coloca na agenda política o problema da produção agro-alimentar, o problema da soberania e segurança alimentares do País. A FAO alerta, como grande desafio das próximas décadas, satisfazer o crescimento da procura de alimentos. E, nas conclusões do seu Relatório de 2012 «Investir na agricultura para um futuro melhor», sublinha que são sinais do desafio a persistência de níveis elevados de subnutrição em todo o mundo e as tendências altistas dos preços dos produtos agrícolas.

Não precisávamos do susto de 2008 para estarmos vigilantes! Esta não é apenas uma questão de economia. É uma dimensão que tem de integrar o conceito estratégico de defesa nacional.

Particularmente no que diz respeito produções estratégicas – cereais, oleaginosas e proteaginosas, carne e leite, hortofrutícolas.

É por isso que não basta o objectivo proclamado pela ministra da Agricultura e do governo de um equilíbrio em valor da produção agro-alimentar em 2020! O País não pode substituir níveis razoáveis de produção de cereais ou leite por floresta intensiva de eucalipto, ou mesmo por produção intensiva de azeite. Mesmo que o resultado seja uma balança agro-alimentar com excedentes. A soberania agro-alimentar do País não pode navegar ao sabor da roleta e da especulação da Bolsa de Chicago! A que acresce um problema de ordenamento do território, com a necessária presença de produção agrícola em todas as regiões, assegurando actividade económica e emprego, combatendo a desertificação e o despovoamento do mundo rural, que hoje atinge área substancial do País.

É por isso que é completamente errada e desastrosa uma actividade agrícola orientada/focada no critério da competitividade preço! Que sabemos, guiou e guia a PAC e as políticas agrícolas de direita dos últimos 30 anos? Que, como a experiência demonstra, nem a balança agro-alimentar, em valor, equilibrou. Bem pelo contrário.

2. O faz-de-conta agrícola do PSD/CDS

Ora, passados 18 meses de governo PSD/CDS (não são 18 dias), o que temos é a continuidade absoluta das políticas agrícolas dos governos PS/Sócrates, dos governos PSD/CDS e Durão/Santana e Portas, dos governos PS/Guterres, dos governos de Cavaco Silva, etc. (quando não o vazio completo). Nos seus eixos essenciais, nos seus objectivos e critérios centrais. Nas suas orientações e práticas. A começar pela mesma abordagem da PAC e dos comandos de Bruxelas. Não basta, por importante que seja, um convívio diferente com as Associações Agrícolas!

PSD e CDS fazem um notável esforço para disfarçar, nomeadamente o CDS, sempre a «escudar» a sua ministra.

Assinalemos a Declaração Política do PSD da passada semana, vítima de «encandeamento estatístico», procurando fazer passar o aumento do «rendimento da actividade agrícola por unidade de trabalho, por aumento da produção agrícola, quando, de facto, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) recuou! De forma ligeira, mas com decréscimo nominal, -0,3%! Esquecendo que o «rácio estatístico» resultou da concentração em 2012 de ajudas agrícolas e do menor valor do denominador – redução dos activos agrícolas – isto, mesmo sem contabilizar milhares de trabalhadores imigrantes sem direitos na segurança social, ou pequenos agricultores, que formalmente desistiram de ser agricultores, cortando, por impossibilidade, com as suas contribuições para a segurança social! Coisa extraordinária, os 20% de RPU em atraso, que deveriam ter sido pagos em 2011, dão um contributo notável para o aumento do rendimento estatístico agrícola em 2012!

Refira-se o desrespeito pelo governo dos Projectos de Resolução do PSD e CDS apresentados nesta Assembleia da República que, mesmo sem «grande consistência», definem objectivos correctos. Ou as contradições da política agrícola, com os projectos de resolução, alguns aprovados, apresentados durante os governos PS/Sócrates. É certo que, neste afã propagandístico, até acabam por tropeçar nos seus próprios pés, como sucedeu com o facto de inviabilizarem um projecto de resolução em defesa dos vitivinicultores vítimas do granizo, no Douro, em Junho passado, exactamente igual ao que o mesmo PSD tinha apresentado em 2007 para as vítimas de idêntica calamidade natural, na mesma região duriense!

Recordamos os projectos de resolução em defesa da produção nacional e das quotas leiteiras, quando o que continua em curso é a liquidação da produção estratégica, que é o leite. Ou de cereais, como o arroz, novamente vítima de importações de milhares de toneladas (dumping) da grande distribuição (Continente), a vendê-lo a 18 cêntimos o quilo, e preços ruinosos à produção (oferta de 25 cêntimos/kg quando o preço mínimo deveria rondar os 40 cêntimos/kg). Dumping que a Lei da Concorrência, depois de uma das ditas «reformas estruturais» do governo, não impede, segundo o Presidente da AdC, que também não sabe quem o pode impedir! O governo não é de certeza!

E sobre o leite, a Comissão Europeia acabou de publicar um Relatório em que acha que a aterragem suave / eliminação das quotas leiteiras «está a correr bem» (sic)! Então não está!!! Portugal produziu, na campanha 2011/2012, 10% abaixo da quota (menos 200 mil toneladas), enquanto Áustria, Alemanha, Irlanda, Holanda, produziram acima! Tudo bem, é o mercado único, sem quotas, a funcionar em pleno! É a deslocalização da produção ou, se quiserem, a divisão europeia do trabalho... uns vão produzir mais, outros ficam sem produção...

E nas quotas leiteiras, por mais que agora digam que estão contra, foram cúmplices activos do PS e órgãos da União Europeia, na sua liquidação. Como nos direitos de plantação da vinha, em que agora contestam o que, em 2007, com um Relatório desta Assembleia da República elaborado por PS e PSD, e apoiados pelo CDS, aprovaram, cantando loas à Reforma da OCM do Vinho, aprovada por PS/Jaime Silva durante a Presidência Portuguesa da União Europeia!

Sobre os projectos de resolução de incentivo, de «prioridade à expansão do regadio» e de desenvolvimento do Projecto do Baixo Vouga Lagunar, o resultado mais visível foi uma reprogramação do ProDer, com um corte nos regadios públicos de 150 milhões de euros! Tendo como consequência que candidaturas/projectos do ProDer aprovadas e com calendário de execução não avançaram – reabilitação dos AH de Cabanelas-Sabariz, do Lis, da Vigia, e de Alfândega da Fé, construção do Dique da Barragem de Burga, no Vale da Vilariça e do Bloco III da Lezíria Grande, modernização do AH de Cela, todas obras consideradas de prioridade máxima pela Autoridade Nacional do Regadio! Isto para lá da confissão da impotência do Ministério no apoio a processos de reestruturação fundiária e agrícola, como o valioso projecto de Monção/Alvarinho, patrocinado pela Câmara Municipal, atirado para as calendas, tal como o Baixo Vouga Lagunar, como sucede há décadas...

Outra coisa digna de nota é a leveza com que a ministra vai agravando custos ou transferindo novos custos operacionais para a agricultura, sem pestanejar, com alterações fiscais e cortes das transferência do OE, como sucede na electricidade, gasóleo, rações e fertilizantes, fármacos, sanidade animal, seguros, crédito, ... Antes, quando era oposição, o CDS achava que a agricultura não podia aguentar novos encargos! Hoje, no governo, acha que já pode! É uma questão de perspectiva! Na oposição ou no governo!

Situação que vai a par com o completo desnorte e caos no desenvolvimento do ataque a graves situações em matéria de fitossanidade, com pragas e doenças em grande expansão e a dizimar culturas hortofrutícolas e floresta, sem que sejam tomadas as medidas necessárias... E na sanidade animal não vamos pelo mesmo caminho, porque já é pior!

Problemas que vão de par com a continuidade absoluta da política do ministro Jaime Silva, no desmantelamento das estruturas públicas/laboratórios, na redução de recursos humanos e meios, produzindo um recuo de décadas nos respectivos serviços públicos. O que está em curso na Coudelaria de Alter, depois dos crimes do PS, é inadmissível! Prejuizos públicos e lucros privados, com a privatização de um inquestionável serviço público e que devia ser um inalienável património nacional! São laboratórios sem dinheiro para reagentes nem para gás, quanto mais para fazer a certificação das suas competências!

Ou a continuidade em matéria de fundos comunitários. Com a continuação da devolução de fundos não utilizados a Bruxelas, como sucede na RRN. Com o não aproveitamento das verbas disponibilizadas pela União Europeia para o tratamento de madeira afectada pelo NMT. Com o inaceitável ritmo de concretização do ProDer – iremos ficar com uma folga de 50 milhões de euros da contrapartida nacional, no Orçamento do Estado 2012 - não se facilitando assim a injecção de liquidez na economia.

Ou o caso das MAA, onde o argumento de regulamentação europeia, contra o que a ministra tinha afirmado no processo de revisão do Parcelário, está a penalizar agricultores que cumprem o até hoje estipulado em Portaria, que só penalizava quando as quebras nas áreas de compromisso fossem superiores a 20%!

3. Duas situações exemplares: sanidade animal e Douro

Duas situações são particularmente denunciadoras de como se reproduzem de forma ampliada os erros, omissões e opções de política agrícola do governo PS: sanidade animal e o drama que vivem os 40 mil viticultores na Região Demarcada do Douro.

PSD e CDS conheciam bem os problemas da sanidade animal, inclusive as dívidas que herdaram dos governo PS. Questionaram sobre o assunto esses governos. A ministra foi alertada pelo PCP em todas as audições realizadas na Assembleia da República desde que tomou posse. É, assim, totalmente inaceitável a situação em que nos encontramos.

Há legislação não revogada, nomeadamente do faseamento das transferências para as OPP/ADS, que não se cumpre. Não há verbas no PIDDAC para 2013 para aplicação do Programa de Medidas Veterinárias.

«Pretende o Estado que todos os custos da sanidade animal sejam imputados aos criadores»? O governo sabe que não se efectuando as acções sanitárias, o movimento de animais será impedido, com graves consequências económicas. Que, para grande parte das explorações sem capacidade para assumir encargos, tal significará o fim da produção pecuária! Sabe o Ministério, que a «privatização» da requisição de ensaios significa o fim do controlo oficial (DGAV) sobre os mesmos? O que levou a nova burocratização na validação das despesas pelo IFAP, atrasando ainda mais os pagamentos de ensaios realizados! Como é possível que se determine, em 18 de Maio, alterações em Abril, com consequências retroactivas, no não pagamento de ensaios de leucose enzoótica bovina! Como é possível que, estando nós em Dezembro de 2012, continuem por pagar serviços prestados pelas ADS/OPP, 40% dos valores de 2011 e 100% dos serviços de 2012? O Ministério sabe que essas organizações têm funcionários com meses de salários em atraso? Como se altera em Maio a estratégia do Programa de Erradicação da Brucelose Bovina, com introdução de um ensaio (Elisa) em leite sem existirem laboratórios preparados para o fazer? Os que enviaram ensaios para o laboratório de referência nacional LNIV (Laboratório Nacional de Investigação Veterinária), foram confrontados com a recusa deste em receber as amostras!

Entretanto, as vacarias com mais de 60 vacas ficavam com as suas explorações dadas como não saneadas – os testes não estavam homologados para esses casos! Entretanto, verificaram-se rupturas nos serviços oficiais. As Direcções Regionais de Agricultura não conseguem assegurar materiais e documentos necessários ao conjunto dos planos sanitários, nomeadamente as tuberculinas, as vacinas REV1 e os destacáveis dos passaportes sanitários!

Estão em causa, não apenas os prejuízos dos produtores. Está em causa a saúde animal e imediatamente a saúde pública. Estão em risco as exportações portuguesas de produtos pecuários. Vai o Estado português perder todo o trabalho sanitário e o investimento de milhares de euros realizado ao longo de 30 anos? Um desastre!

No Douro a situação não é melhor, é pior! Uma política errática, que começou da pior maneira logo em Julho de 2011, com uma brutal redução de benefício, no meio de uma cacofonia contraditória de ministra e secretário de Estado. A que se seguiu o pedido de contribuição dos municípios da Região, que a deram, sem qualquer consequência até hoje. A que se segue a reapresentação da proposta do anterior governo para saneamento da Casa do Douro. E, ao fim de 18 meses, o que o Ministério nos diz é que o assunto está no Ministério das Finanças... Extraordinário. Ministério que, ao fim de meses, não responde sequer ao pedido de reunião da Casa do Douro. E fala o governo de uma nova reavaliação do stock de vinhos da Casa do Douro, dado como penhor na assunção de dívida pelo estado, desconhecendo os acordos protocolados em 1997 pelo Estado, IVDP, AEP e Casa do Douro (são as decisões de um governo PSD/CDS!) determinando o valor e a fórmula da valorização anual dos vinhos!

Casa do Douro que acabou de encerrar o seu laboratório e tem cerca de 30 trabalhadores com 20 meses de salários em atraso.

Depois do roubo do Cadastro, usado e abusado, pelo IVDP (lembram-se, srs. deputados, da vibrante intervenção nesta AR do então deputados líder do PSD, hoje Presidente da Comissão Europeia, sobre o roubo do cadastro da Casa do Douro? Governava o País o PS do eng. Guterres!), continua o saque pelas Finanças das taxas do IVDP. Depois de 8 milhões de euros em 2011 – tão criticado por PSD e CDS – em Agosto mais 450 mil euros!

Isto é, os viticultores durienses e outros agentes da fileira pagam duas vezes impostos, uma vez às Finanças, outra vez ao IVDP! Que adjectivos aplicar?...

Prossegue a liquidação acelerada das adegas cooperativas, incluindo das maiores. Depois de Sanfins e Pegarinhos, de Vila Flor e Vila Nova de Foz Côa (leilão recente), chegou a falência às portas da de Santa Marta de Penaguião. As empresas privadas compram a massa falida e alugam instalações, como sucede em Alijó.

A aguardente vínica atinge preços altíssimos, com inaceitáveis consequências nos preços do vinho tratado, e logo na comercialização do vinho do Porto. Amanhã será motivo para justificar dificuldades do comércio e redução do benefício!

Arrastados nesta voragem, milhares de pequenos viticultores durienses vêm os frutos do seu trabalho, não pagarem sequer os custos da vindima. Quanto mais para os investimentos que muitos fizeram. Quando não é o granizo é a política de direita no Douro em todo o seu esplendor!

E foi certamente para comemorar os 11 anos do Alto Douro Vinhateiro Património da Humanidade que o governo resolveu, com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 79-A/2012, de 25 de Setembro, dar um golpe de morte no Museu do Douro!

Sem uma ideia, sem objectivos, sem uma estratégia, o Ministério da Agricultura abandona a intervenção pública (porque é difícil falar da existência de uma política) para a Região Demarcada, seguindo atrás e entalado, entre os interesses das grandes casas exportadoras e do comércio da fileira e a gestão cega e tecnocrática do Ministério das Finanças! Um desastre!

No foram o PSD e o CDS (e outros partidos) que, em Julho de 2009 apresentaram e aprovaram projectos de resolução recomendando ao governo de então, em vésperas de eleições, entre outras medidas, o saneamento financeiro da Casa do Douro???

Srs. deputados, em 26 de Novembro de 2010, esta Assembleia da República aprovou por unanimidade, sob proposta do PCP, um conjunto de recomendações ao governo para tentar travar/atenuar a sinistralidade no mundo agrícola com os tractores (Resolução da Assembleia da República n.º 139/2010, de 20 de Dezembro). Mais de 65 mortos e 25 feridos graves desde então, quase todos no Norte e Centro do País, e o governo PSD/CDS não conseguiu, não arranjou tempo nem recursos, para sair da abordagem rotineira do problema. Nem uma só recomendação foi concretizada! Está tudo dito!

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