Intervenção de

Adopção de mecanismos legislativos destinados a combater o fenómeno da corrupção

 

Altera o Estatuto dos Deputados e o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos
Alteração ao Regime Jurídico da Tutela Administrativa, aprovado pela Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto
Crimes de responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos (Terceira Alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 108/2001, de 28 de Novembro e 30/2008, de 1 de Agosto)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:

Neste debate, vou referir-me, em primeiro lugar, aos projectos de lei apresentados pelo PCP (projecto de lei n.º 140/XI-1.ª, projecto de lei n.º 141/XI-1.ª e projecto de lei n.º 142/XI-1.ª) e, depois, referir-me-ei a algumas questões que são suscitadas pelas demais iniciativas legislativas que estão em discussão.

Creio que este debate, em termos gerais, é uma boa contribuição para os trabalhos que estão em curso no âmbito da Comissão Eventual que foi criada para estudar o fenómeno da corrupção e a adopção de mecanismos legislativos destinados a combatê-lo e, portanto, desse ponto de vista, independentemente da diferença de opiniões que temos relativamente aos diplomas apresentados, que são em número de 14, três dos quais nossos, todos eles, sem excepção, uma contribuição importante para o debate que vamos realizar.

O PCP apresenta três projectos de lei. Um deles diz respeito ao aperfeiçoamento da legislação relativa às incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, por forma a prevenir a existências de situações de promiscuidade entre o exercício de funções públicas e o exercício de funções privadas, correspondendo, no essencial, a uma iniciativa legislativa que o PCP já tinha apresentado na legislatura anterior mas que não chegou a ser debatida.

Apresentamos também uma iniciativa legislativa no âmbito dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, com dois sentidos. Em primeiro lugar, alargar o regime dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos aos titulares de altos cargos públicos, pois não vemos razão para que este regime não seja extensivo a cidadãos que são titulares de cargos que, dado o seu carácter público, também têm uma relevância política significativa mas não são cargos electivos. Não vemos por que razão é que o regime aplicável aos titulares de cargos políticos, no caso de crimes de responsabilidade, não deva ser aplicado, por exemplo, a gestores públicos ou a membros dos conselhos de administração com funções executivas em sociedades de capitais públicos. Portanto, propomos esse alargamento.

Em segundo lugar, agravar o regime de inelegibilidades e de interdição do exercício de cargos políticos e altos cargos públicos a quem tenha sido condenado, com sentença transitada em julgado, por crimes de responsabilidade que impliquem a perda de mandato ou a pena de demissão. Entendemos que cidadãos nessas condições devem ficar inibidos por um período de 10 anos de poder exercer outros cargos públicos ou outros cargos políticos.

São estas as contribuições que damos para o debate de hoje e esperamos encontrar o melhor acolhimento por parte dos demais grupos parlamentares.

Relativamente a outras questões que estão aqui hoje em debate, direi que há muitas propostas aqui apresentadas que não suscitam objecções da nossa parte e, por isso, contarão com a nossa concordância. É o caso do agravamento de penas e do prazo de prescrição para crimes de corrupção, proposto pelo CDS. Consideramos que isso tem justificação. Nós, à partida, temos alguma desconfiança quando se trata de meros alargamentos de penas, mas reconhecemos que, no caso da criminalidade económica, particularmente no caso dos crimes de corrupção, há, manifestamente, situações em que o crime compensa e, nesse caso, importa, efectivamente, equacionar um agravamento das penas aplicáveis a este tipo de crime e estamos de acordo com isso.

Concordamos também com as propostas aqui apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pelo CDS relativas ao regime de controlo do património e rendimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Vimos muito favoravelmente estas propostas.

Votaremos favoravelmente, na generalidade, as propostas para eliminar a distinção entre a corrupção para acto lícito e ilícito, mas achamos que esta é uma matéria que deve ser bem debatida, inclusivamente com a colaboração de eminentes penalistas, na medida em que, como se sabe, é uma questão controversa na doutrina jurídica portuguesa, mas, devo dizer, não tem da nossa parte um juízo de rejeição liminar e achamos que a questão pode ser perfeitamente ponderada.

Também concordamos com as propostas de reforço dos meios para a investigação criminal e com as propostas relativas à transparência dos contratos públicos.

Referir-me-ei agora, muito brevemente, como é óbvio, àquilo que nos suscita dúvidas ou objecções.

Desde logo, e começando pelo mais simples, discordamos do projecto de resolução do CDS-PP que recomenda ao Governo a alteração à lei da política criminal, no sentido de dar orientações ao Ministério Público sobre a forma como deve cumprir a lei. Pensamos que não é nem deve ser esta a função da Assembleia da República. Portanto, essa recomendação de alteração da lei de política criminal, no sentido de que o Ministério Público deva promover isto ou aquilo, como o CDS propõe, não nos parece que seja adequada e, portanto, abster-nos-emos.

Temos ainda duas objecções relativamente a outras duas propostas aqui feitas. Em primeiro lugar, relativamente ao crime urbanístico, achamos que a questão deve ser muito bem reflectida, porque quer-nos parecer que podemos estar aqui perante uma redundância penal. Ou seja, a violação dos planos directores municipais ou a violação de instrumentos de gestão territorial em geral está prevista e é punida por lei, implicando, designadamente, a perda de mandato para qualquer titular de órgão autárquico que participe numa violação de instrumento de gestão territorial que esteja sob a sua responsabilidade.

Portanto, a lei de tutela prevê essas situações, inclusivamente com uma sanção grave, que é a perda de mandato. Se a essa alteração estiver subjacente um qualquer acto de corrupção, aí estamos não apenas perante a perda de mandato mas perante um crime de responsabilidade, nesse caso, de corrupção ou para acto ilícito ou para acto lícito - podemos estar perante uma não alteração do instrumento de gestão territorial e perante um acto de corrupção. Quer-nos, pois, parecer que poderá haver aqui uma redundância, pelo que a questão deve ser bem estudada.

Uma última questão a que gostaria de referir-me, Sr.ª Presidente, agradecendo desde já a sua tolerância, diz respeito à proposta que proíbe os cidadãos titulares de cargos políticos que tenham sido condenados em 1.ª instância de se candidatarem em eleições seguintes, ou seja, a proposta provoca, nesta situação, a sua inelegibilidade.

Compreendemos que há uma evolução. Já não estamos apenas perante uma mera acusação mas perante uma condenação em 1.ª instância. Só que, ainda assim, as objecções que são colocadas para as situações em que haja uma mera acusação e não uma condenação também podem ser válidas para o caso de uma condenação em 1.ª instância, na medida em que, obviamente, a presunção de inocência acaba com o trânsito em julgado da sentença.

Portanto, poderão ser suscitadas objecções porque imaginem o que significa um cidadão ser condenado em 1.ª instância e ver-se impedido de se candidatar e, depois, vir o Tribunal da Relação absolvê-lo, anulando a decisão da 1.ª instância. Pergunto: quem é que vai depois ressarcir esse cidadão pelos direitos que lhe foram retirados, designadamente pela violação do direito que existe para qualquer cidadão de se poder candidatar aos cargos públicos?

Em suma: não vamos votar contra. Entendemos que a questão deve ser ponderada, mas há, efectivamente, dúvidas legítimas de constitucionalidade. A ideia é generosa. Concordamos com a ideia que lhe está subjacente, mas entendemos que a mesma deve ser «limada», para prevenir eventuais inconstitucionalidades.

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