Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Actuação do Governo na Compra da TVI

Relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a
Comunicação Social e, nomeadamente, à Actuação do Governo na Compra da TVI

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Tal como sucedeu no debate parlamentar aquando da constituição desta Comissão de Inquérito, não procurámos fazer desta Comissão, e não fizemos, um instrumento de prova da nossa oposição às políticas do Governo, nem cedemos a tentativas de instrumentalização que procuraram fazer dela uma antecâmara da apresentação de uma qualquer moção de censura.
Procurámos, isso, sim, numa postura séria e empenhada, contribuir para o apuramento da verdade e tentar ultrapassar todos os obstáculos com que o trabalho desta Comissão
Parlamentar de Inquérito se confrontou, entre os quais se contam as inúmeras tentativas desenvolvidas pelos Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, procurando obstaculizar ao funcionamento da Comissão, os que resultaram da forma como decorreram as inquirições e de como a Comissão obteve as informações que procurou apurar, quer com a invocação de vários tipos de segredos, por parte dos depoentes, quer com as contradições entre os depoimentos prestados, quer com as faltas selectivas de memória reveladas por vários depoentes, incluindo o Primeiro-Ministro, e os que resultaram não só do contexto de
informalidade e casualidade com que decisões importantes do ponto de vista empresarial são tomadas mas também com que são estabelecidas as relações de grandes empresas com o Governo.
Por último, houve obstáculos que resultaram também do facto de o objecto da Comissão de Inquérito, em alguns momentos, colidir com processos judiciais que estão em curso, questão relativamente à qual a posição do PCP sempre foi bastante clara: não devendo a Comissão Parlamentar de Inquérito abdicar de qualquer uma das prerrogativas ou de qualquer um dos poderes de que dispunha, era fundamental não ultrapassar a fronteira que deve balizar a actuação do poder político face à actuação do poder judicial. Por isso, procurámos contribuir para que essa fronteira fosse claramente demarcada e não fosse ultrapassada pela Comissão
Parlamentar de Inquérito, o que, obviamente, exigiu particular atenção e melindre no tratamento da matéria relacionada com processos judiciais que chegou à Comissão de Inquérito, em especial a matéria relacionada com os regimes de escutas telefónicas.
No final do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito, obviamente que o PCP acompanha as conclusões propostas pelo relator, melhoradas, julgamos nós, com os aditamentos que resultaram das propostas de alteração apresentadas. Não acompanhamos, porém, o fetiche criado em torno da inclusão, nas conclusões, da palavra «mentira» a propósito das declarações do Sr. Primeiro-Ministro perante este Parlamento.
Não contribuímos para alimentar o fetiche criado em torno da palavra «mentira» porque julgamos que aquilo que é verdadeiramente grave e significativo é saber que decorreu uma
operação com motivações políticas para controlar um órgão de comunicação social, da qual o Primeiro-Ministro teve conhecimento e foi sendo informado ao longo do tempo, tendo o Governo tido intervenção nessa
tentativa de aquisição, nessa tentativa de controlo de um órgão de comunicação social com motivações políticas. Esse é o facto grave que importa salientar no final dos trabalhos desta Comissão Parlamentar de Inquérito.
Portanto, às conclusões aprovadas, e constantes do relatório da Comissão de Inquérito, julgamos que se deve acrescentar outras duas, que não tendo directamente que ver com a matéria da Comissão de Inquérito são conclusões de que a Assembleia da República não pode ficar alheada.
A primeira tem que ver com a confirmação da crescente promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Esta é uma forma de actuação que não é nova nem era desconhecida, mas tiveram confirmação nesta Comissão de Inquérito os particulares reflexos que esta promiscuidade vai tendo do ponto de vista do condicionamento da comunicação social.
Trata-se, de facto, de uma relação de promiscuidade que funciona em dois sentidos: por um lado, garante ao poder económico a satisfação dos seus interesses e a manutenção dos seus privilégios e, por outro lado, serve ao poder político, na medida em que permite a concretização de lógicas de manutenção do poder, particularmente do poder executivo.
Esta relação promíscua põe, de facto, em causa a violação do preceito constitucional que estabelece a subordinação do poder económico ao poder político e acentua a degradação da democracia política. Essa é uma nota de que não prescindimos nas conclusões desta Comissão de Inquérito.
Para concluir, Sr. Presidente, deixo uma outra nota que também julgamos importante, respeitante ao sentimento de impunidade manifestado pelos envolvidos nesta operação de
controlo de um órgão de comunicação social por motivações políticas.
Esta é uma nota que importa também deixar aqui relevada, sobretudo porque dá a verdadeira dimensão do acentuado grau de degradação da democracia política. Isto é particularmente grave porque, na actuação concreta e na violação do quadro constitucional vigente, os
operacionais, nestas tentativas de controlo da comunicação social, actuam com a tranquilidade de quem julga ter garantida a impunidade da sua conduta.
Esta matéria tem de ter resposta por parte da democracia, tem de ter uma resposta por parte daqueles que defendem o Estado de direito democrático. Por tudo isto se compreende que
o PS tenha procurado subverter as conclusões do relatório.
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, em vez de tentarem esconder uma actuação condenável por parte de membros deste Governo, mas valia que alterassem as opções e as práticas políticas pelas quais são responsáveis.

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