Actuação da Administradora-Delegada da Amascultura<br />

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett, normalmente conhecido por Teatro da Malaposta, foi criado há mais de 10 anos pelas Câmaras Municipais de Loures, Amadora, Vila Franca de Xira e Sobral de Monte Agraço, no âmbito da Amascultura, e constitui uma referência cultural incontornável não apenas para a área da Grande Lisboa, onde tem desenvolvido a sua actividade, mas para o próprio panorama teatral nacional. Ao longo da sua existência, o CDIAG levou à cena 45 produções teatrais e realizou 1742 espectáculos, que foram vistos por 158 883 espectadores. Por aí passaram peças dos melhores autores nacionais e mundiais, com uma qualidade geralmente reconhecida, e muitos dos melhores actores e encenadores portugueses. O enorme valor desta companhia não foi apenas reconhecido pela crítica ou pelos demais entendidos, mas também pelo público em geral, que em grande número acorreu às numerosas representações da Malaposta, seja no belíssimo Centro Cultural que a Câmara Municipal de Loures construiu em Olival Basto, seja nos Recreios Desportivos da Amadora, no Cine-Teatro D. João V, da Damaia, ou nas mais de 50 localidades a que o CDIAG levou as suas produções. Acontece porém que logo após as últimas eleições autárquicas, que alteraram a correlação das forças políticas em vários municípios (incluindo na Amadora e em Vila Franca de Xira), algumas declarações dos novos responsáveis autárquicos vieram pôr em causa o projecto da Amascultura, suscitando justa inquietação junto de todos os que se preocupam com a actividade cultural, e, particularmente, com a oferta teatral de qualidade no nosso país. Sabemos hoje, lamentavelmente, que essas ameaças foram cumpridas. A actual Administradora-Delegada da Amascultura, indicada pelo Presidente da Câmara Municipal da Amadora, não tem tido outro objectivo, desde o início das suas funções, que não seja o de paralisar e destruir o CDIAG, recorrendo a métodos absolutamente inqualificáveis. Para a Administradora-Delegada da Amascultura, vale tudo: intromissões incríveis nas competências do director artístico da companhia e imposições quanto à escolha de actores da sua simpatia pessoal; paralisação das actividade da companhia teatral desde Julho de 1999; promoção de um clima permanente de intriga, de suspeição, de intimidação e de despedimentos arbitrários; perseguição sistemática de todos os que trabalham na Malaposta em função das suas simpatias partidárias, reais ou simplesmente suspeitadas; prática sistemática da violação de correspondência pessoal do director artístico e de outros colaboradores e despedimento de uma funcionária que, na presença da Administradora-Delegada, se recusou a cumprir tão abjectas ordens; despedimento de trabalhadores da Malaposta que se limitaram a assinar uma carta na qual se pedia uma reunião com a administração. Tudo culminando com o afastamento do actor e encenador José Peixoto da direcção artística da companhia, ao fim de um sórdido processo. Nunca esteve em causa a capacidade técnica e artística de José Peixoto para dirigir o Teatro da Malaposta, de que era fundador. Por essa capacidade, respondem, não apenas um trajecto já longo e prestigiado no mundo do teatro, mas o próprio sucesso da companhia nos últimos anos. A demissão de José Peixoto não passa de um acto de perseguição política e de banditismo cultural. Se o Sr. Presidente da Câmara Municipal da Amadora tivesse indicado para administrador-delegado da Amascultura um qualquer coronel da censura os resultados obtidos não seriam mais devastadores nem os métodos seguidos seriam, porventura, mais pidescos. Após o afastamento de José Peixoto, afirmou a Administradora-Delegada da Amascultura, a quem a quis ouvir, que "na Amascultura acabou o teatro político". Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficamos sem saber a que autores se refere a Sr.ª Administradora. Se se refere a Almeida Garrett, autor da primeira peça representada pelo CDIAG, se a Gil Vicente, se a Moliére, se a Goldoni, se a José Cardoso Pires ou a Aquilino Ribeiro, se a Arthur Miller, se a Tchecov, ou se a William Shakespeare. Mas se estes autores, que o CDIAG tão bem levou à cena, são demasiado políticos para o gosto da actual responsável pela Amascultura, tudo leva a crer que as próximas peças venham a ser escritas pelo Sr. Joaquim Raposo ou pela Sr.ª D.ª Maria da Luz Rosinha, caso em que serão seguramente mais despolitizadas. Como já se temia, a Administradora-Delegada da Amascultura não foi nomeada para o cargo para prosseguir a prestigiada acção cultural deste meritório projecto intermunicipal, mas mais propriamente para domesticar politicamente as suas actividades, nem que para isso tivesse de recorrer às atitudes mais caceteiras, como foi o caso. Desde os primeiros tempos da sua gestão que se percebia que os autarcas do PS eleitos na Amadora e em Vila Franca de Xira não morriam de amores pela Amascultura. Porém, sempre se esperou, porventura ingenuamente, que, embora não estivessem muito vocacionados para a área cultural, pelo menos não estragassem o que de positivo foi feito por gestões anteriores. Só que, no caso da Amascultura, aconteceu o pior. Como escreveu recentemente no jornal Público o prestigiado actor e encenador Rui Mendes, a quem a Malaposta ficou a dever algumas das suas melhores realizações, num artigo significativamente intitulado Comemorar Garrett, matar a Malaposta, "o aparelho continua ocupado pelo comando terrorista. Grande parte do equipamento já foi destruído. (…). O que levou anos, meses, semanas, dias e horas de trabalho árduo a construir, é demolido por implosão num abrir e fechar de olhos (…). Que estranha forma de comemorar os 200 anos do nascimento de Garrett." E acrescenta ainda Rui Mendes: "Já Garrett teve os maiores dissabores para conseguir deixar algumas pérolas a alguns menos limpos que o não mereceram." Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trazemos esta questão ao Plenário da Assembleia da República por entender que este órgão de soberania não pode permanecer indiferente perante um tão grave atentado às liberdades, à cultura e ao teatro português. Nesta mesma sala em que há tão pouco tempo foi solenemente assinalado o bicentenário de Almeida Garrett, sentimo-nos na obrigação de subir à tribuna para denunciar a destruição de um centro dramático que tem o seu nome mas que, mais do que isso, foi um incansável porta-voz de valores por que Almeida Garrett sempre se bateu. Sr. Presidente, começo pela questão colocada pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, a quem quero dizer que estamos atentos e muito preocupados com as situações que referiu. O Grupo Parlamentar do PCP já fez requerimentos sobre uma das situações que referiu, a do Teatro Experimental do Porto, e acabou de receber uma delegação da Comissão de Trabalhadores do Teatro Nacional D. Maria II. De facto, também estamos muito preocupados e atentos aos seus problemas e a toda uma situação muito grave que se está a desenhar no panorama teatral português. Quanto à questão do Teatro da Malaposta, abordada pelo Sr. Deputado António Menezes Rodrigues, o Sr. Deputado limitou-se a dizer que achava inaceitáveis os termos em que coloquei aqui a questão e que fossem postos em causa alguns eleitos. E eu devolvo-lhe a pergunta, Sr. Deputado: parece-lhe aceitável que alguém viole correspondência pessoal de pessoas que trabalham num serviço que compartilham? É aceitável que uma funcionária seja despedida porque disse à Administradora-Delegada que se recusava a violar correspondência pessoal de outras pessoas?! Parece-lhe aceitável que uma administradora-delegada, uma responsável por uma companhia teatral, diga "aqui acabou-se o teatro político", quando as peças que lá foram representadas eram de Gil Vicente, de Almeida Garrett, de Aquilino Ribeiro, de José Cardoso Pires e de Shakespeare?! Qual é o teatro que essa Sr.ª Administradora-Delegada pretende levar à cena no Teatro da Malaposta? Isto parece-lhe aceitável, Sr. Deputado? Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que possamos avaliar quem está, neste momento, à frente do Teatro da Malaposta, vou concluir lendo-vos o texto de um papel que foi afixado no Teatro da Malaposta e que se dirige aos tarefeiros para lá contratados. "Ser tarefeiro é: ser prestável; ser responsável; dar uma imagem profissional; ter sempre um sorriso; não fazer grupinhos de convívio; falar em tom moderado; ter uma postura irrepreensível; ajudar sempre que lhe for solicitado e ser a própria imagem da juventude portuguesa"! Alguns dos Srs. Deputados podem ter ouvido Mocidade Portuguesa, mas o que eu disse foi "juventude portuguesa"! Enfim, ser o máximo!... Este papel foi distribuído a todos os tarefeiros do Teatro da Malaposta. E eu pergunto: acha que isto é aceitável, Sr. Deputado?

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