Intervenção

Acompanhamento familiar

 

Acompanhamento familiar de crianças e pessoas com deficiência internadas

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

É evidente que este projecto de lei (projecto de lei n.º 400/X),  independentemente dos seus méritos, foi apresentado pelo PS para tapar a agenda e isso diz bem, por um lado, da falta de iniciativa que o Grupo Parlamentar do PS tem e, por outro, da consideração que tem pelo próprio projecto, porque esta foi a única condição de propô-lo para agendamento no Plenário da Assembleia da República.

Dito isto, penso que este projecto é, por um lado, pouco ambicioso e, por outro lado, na justaposição que faz de normas de vários dispositivos, acaba por deixar de fora algumas questões e até introduzir recuos que, certamente, não são a intenção dos proponentes mas que acabam por resultar no projecto de lei que aqui nos apresenta.

Já não vou falar do facto de, em vez de se referir ao Serviço Nacional de Saúde - como se esperaria, apesar de tudo, ainda, da bancada do Partido Socialista -, se referir ao «sistema nacional de saúde», conceito introduzido na lei de bases, nos governos de direita do PSD de Cavaco Silva e sempre subscrito por todos aqueles que entendem querer desvalorizar o papel do Serviço Nacional de Saúde no quadro dos cuidados de saúde, em termos gerais.

Já não vou referir esse aspecto que é muito significativo e que está neste projecto apresentado pela bancada do Partido Socialista.

O que quero dizer é que este projecto pode resumir-se no seguinte: por um lado, faz a concentração num só diploma de vários aspectos que já estavam noutras leis - certamente isto tem algum interesse do ponto de vista da sistematização jurídica, mas nada que uma boa colectânea não pudesse resolver, sem ocupar o Plenário da Assembleia da República - e, por outro lado, fazem-se alguns ajustes como é, por exemplo, o da idade das crianças abrangidas por este direito, que está correcto, e de outras matérias deste género, mas que podiam ser resolvidos pela via administrativa, não precisando de uma lei.

Este projecto de lei, na pressa de juntar as várias legislações, cria aqui um recuo, que é o facto de só ser atribuída ao acompanhante de criança internada a refeição gratuita, para além de todas as outras condições que já estavam na lei e que se mantêm, desde que seja isento do pagamento da taxa moderadora.

Não se percebe bem se esta isenção se refere à criança ou se ao acompanhante que vai com ela. Este é apenas um exemplo. É evidente que as crianças estão isentas, os acompanhantes é que não. No entanto, se as crianças estão isentas, não se percebe por que é que esta norma está aqui. Esta é apenas uma pequena referência de como às vezes certas iniciativas precisam de ser melhor ponderadas.

Contudo, dada a escassez de matéria neste diploma, queria falar de uma outra questão, que tem a ver com o Serviço Nacional de Saúde. O Sr. Primeiro-Ministro anunciou, no último debate quinzenal ou numa entrevista na televisão, uma nova medida, que é a de que os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo terão comparticipação de 100% nos medicamentos genéricos.

Ora, vivemos num país em que, por criação do PSD e do CDS e por manutenção do Partido Socialista, vigora um sistema chamado sistema de preços de referência. Este sistema significa que, quando há um grupo de medicamentos onde há medicamentos genéricos, a comparticipação de todos os medicamentos desse grupo só se faz pelo valor referente ao genérico mais caro.

Isto é, se o médico receitar um medicamento de marca dentro desse grupo, a comparticipação será reduzida, porque será em função do preço do genérico mais caro. Assim, temos esta incongruência: o Governo promete aos idosos que terão genéricos 100% assegurados pelo Estado, mas, como não altera o sistema de preços de referência, todos os que continuarem a ter prescrições médicas de medicamentos de marca vão continuar a pagar os medicamentos de que aqui se fala e, portanto, a injustiça agrava-se.

A Sr.ª Deputada do Partido Socialista diz que tem a ver com os médicos. O problema é que quem decide são os médicos, quem legisla é o Governo e quem paga são os idosos! Este é que é o problema!

Só há uma maneira de resolver este problema e é esse o desafio que deixamos à bancada do Partido Socialista. Se o PS entende que é completamente justo que, na situação em que há medicamentos genéricos, o utente (neste caso, o idoso com reforma inferior ao salário mínimo nacional) não deve pagar, faça a abolição do sistema de preços de referência pelo menos para estes idosos, para os idosos que agora se quer proteger - e bem! - mas que não ficarão protegidos porque, como o Governo se recusa aplicar a prescrição pelo princípio activo como forma obrigatória de prescrever, o que vai acontecer é que os idosos, que no nosso país estão à espera de agora ter os seus medicamentos gratuitos, vão ter de pagar sempre que o médico receitar por marca.

Portanto, o que propomos é muito simples: que em todos os grupos de medicamentos em que haja genéricos não funcione o sistema de preços de referência e que todos os idosos tenham acesso aos medicamentos de forma gratuita, independentemente de o médico receitar por marca ou por genérico. Caso contrário, vamos ter aqui mais uma discriminação entre os idosos que têm médicos que receitam por genérico e os idosos que têm médicos que receitam por marca. A culpa não é dos idosos, a decisão não é dos idosos, mas quem vai pagar, quem não vai ter acesso a estes medicamentos são aqueles que o Governo diz proteger.

(...)

Sr. Presidente,

Sobre o projecto de lei que está em discussão não direi mais nada, mas penso que o Partido Socialista tem de olhar bem para esta questão da desigualdade entre os reformados que terão acesso a prescrições de medicamentos genéricos e aqueles outros que terão acesso a prescrições de medicamentos de marca.

Vou dar dois exemplos.

Há um medicamento que tem a ver com problemas do aparelho digestivo, cujo princípio activo é o mais vendido em Portugal e que origina um grande conjunto de genéricos disponíveis no mercado. Os idosos com reformas inferiores ao salário mínimo nacional que usem este medicamento tê-lo-ão gratuito se o seu médico aceitar prescrever o genérico. Mas se assim não for e o médico prescrever um medicamento de marca, então, por exemplo, no caso de uma das marcas mais conhecidas, o Losec, estes reformados pagarão 28 €/embalagem de 28 unidades, enquanto outros, em condições idênticas, terão direito ao mesmo, mas gratuito.

Vejamos um exemplo relacionado com a hipertensão: se os reformados tiverem um médico que lhes receite um medicamento genérico deste grupo terapêutico, tê-lo-ão gratuito; se, pelo contrário, o seu médico lhes receitar Capoten em embalagem de 50 unidades, pagarão 22,72 €. Isto não pode acontecer!

Num país onde já tanto se paga pelos medicamentos, onde os reformados são dos mais penalizados pelo custo dos mesmos, e quando aparece uma proposta justa para que os cidadãos com reformas inferiores ao salário mínimo, que são a maioria, tenham acesso aos medicamentos genéricos gratuitos, julgamos que não pode acontecer que, só porque outra pessoa, o médico, toma uma decisão em relação a um medicamento de marca, aqueles reformados sejam prejudicados e continuem a não ter acesso aos medicamentos devido ao seu elevado custo.

Não estamos a propor nada de muito revolucionário, não propomos sequer que, finalmente, o PS aceite a prescrição por princípio activo, propusemo-lo noutras ocasiões. Não estamos a propor nada em relação à prescrição médica.

O que estamos a propor é que se crie um mecanismo de suspensão do sistema de preços de referência, se se verificar esta situação.

 Se o Governo quer que todos os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo tenham acesso gratuito aos medicamentos dos grupos onde existem genéricos, então, tem de suspender o sistema de preços de referência para que tenham acesso a esta gratuitidade mesmo aqueles cujos médicos continuam a impor um medicamento de marca.

A não ser assim, boa parte do efeito da medida anunciada vai perder-se pelo caminho e quem vai pagar são estes reformados que agora se anuncia querer proteger.

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