Declaração de Jorge Pires, da Comissão Política do PCP

Abertura do ano lectivo, os custos do ensino para as famílias e a situação nas escolas

 

 

Ao contrário do que o Primeiro Ministro e a Ministra da Educação afirmam, a insistência em tais orientações põe em causa a existência de uma Escola Pública capaz de garantir efectivamente o acesso de todos os portugueses ao «ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar».

A pouco mais de 15 dias da abertura do ano lectivo 2009/2010, o Governo procura, através da utilização de alguns elementos estatísticos, mostrar que tudo vai bem no que ao ensino diz respeito, quando é sabido que a realidade é bem diferente do cenário virtual que ainda hoje foi criado na escola D. Dinis.

Como vem sendo hábito, sobre os problemas de fundo que afectam o nosso sistema educativo, problemas como a instabilidade no funcionamento das escolas durante o ano lectivo de 2008/2009, o governo não só nada diz, como no essencial procura manter as mesmas orientações. Assim podemos afirmar que o próximo ano lectivo começa como terminou o anterior. Mal!

O regresso às aulas para mais de 1 milhão e quatrocentas mil crianças e jovens, ficará indubitavelmente marcado por um conjunto de orientações e decisões que transitam do ano anterior que foram causadoras de uma profunda instabilidade e acrescidas dificuldades para os jovens e as suas famílias, para os professores e restantes trabalhadores da educação.

Ao contrário do que o Primeiro Ministro e a Ministra da Educação afirmam, a insistência em tais orientações põe em causa a existência de uma Escola Pública capaz de garantir efectivamente o acesso de todos os portugueses ao «ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar».

Quanto aos números hoje apresentados pelo Governo que indicam uma quebra nas taxas de insucesso e abandono escolares, reflectem não o desenvolvimento de medidas para dar resposta aos principais problemas que se abatem sobre o sistema de ensino, mas apenas para melhorarem as estatísticas.

É sabido que hoje as escolas têm mais dificuldades em dar resposta adequada aos alunos com necessidades educativas especiais, devido ao novo quadro legal que foi imposto; é sabido que hoje estão criadas condições para que na gestão das escolas prevaleçam interesses que não são os da educação; é sabido que se transferiram competências para os municípios que estes não estarão em condições de assumir; é sabido que foram criadas condições de trabalho aos professores que dificultam a sua actividade profissional através de medidas que constam do Estatuto da Carreira Docente; é sabido que foram tomadas medidas, aprovados diplomas e feitas pressões sobre as escolas com o intuito, sobretudo, de disfarçar o insucesso da política educativa com um sucesso estatístico.

São muitos os problemas que transitam para o próximo ano lectivo. Desde logo os custos com a educação para as famílias, onde o governo revela a sua insensibilidade social. Como é sabido os manuais escolares são a componente que mais pesa na despesa das famílias com a educação, que segundo os últimos dados disponíveis atinge cerca de 600 euros em média por ano. Os custos com os manuais escolares tiveram este ano um aumento médio anunciado de 4,5%, bem acima da taxa de inflação, em resultado de uma Convenção assinada com as Editoras, que teve como consequência imediata o maior aumento de preços nos últimos anos.

O Governo tenta justificar este escandaloso aumento com as medidas na Acção Social Escolar (ASE). Mas as contas das famílias mais necessitadas nesta altura do ano fazem- -se sempre a contar os tostões. Tomemos o exemplo do 7º ano em que este aumento foi de 10,71 % (de 140 € para 155 € no escalão A). Em primeiro lugar é necessário recordar que uma família com um filho no 7º ano para receber este apoio não pode ter tido um rendimento bruto superior a 5700 € em 2008; se esta família comprar todos os manuais e livros de actividades disponíveis, a soma a pagar será de 289 €, isto é, para o seu filho que está no escalão A da ASE, a comparticipação de 155 € representa apenas 53,63% daquele montante; mas se adquirir apenas os manuais mais 4 livros de actividades, a despesa será de 245,25 € e a comparticipação da ASE será de 63,2 %, isto é, pagará do seu bolso 90,25 €, apenas menos 3,22 € do que pagaria no ano lectivo passado, apesar de a comparticipação ter aumentado 15 €.

O PCP apresentou em Abril deste ano um Projecto de Lei que, entre outras propostas, asseguraria a gratuitidade dos manuais escolares até ao 12º ano para os alunos que estão abrangidos pelos escalões 1 e 2 do abono de família. Este projecto baixou à Comissão Parlamentar e aí ficou sem ser agendada a sua discussão e votação no Plenário, pelo que esta medida - que iria realmente aliviar as brutais despesas das famílias mais carenciadas com a educação dos seus filhos - foi, na prática, rejeitada pelo PS recusando assim trilhar o caminho do cumprimento dos preceitos constitucionais em matéria de direito ao ensino e da sua gratuitidade. O PCP que também apresentou anteriormente um projecto de lei para garantir a gratuitidade de todos os manuais escolares a todos os alunos na escolaridade obrigatória, considera que esta medida é urgente e, esta sim, terá um impacto muito positivo no sucesso escolar e no combate ao abandono precoce.

Num momento de crise profunda, com uma taxa de desemprego que não pára de crescer, com uma distribuição do rendimento nacional cada vez mais desfavorável aos trabalhadores e com o agravamento do endividamento das famílias próximo dos 120% do rendimento disponível, este aumento vai certamente criar ainda mais dificuldades e influenciar negativamente o sucesso escolar das camadas sociais mais desfavorecidas, designadamente dos trabalhadores de baixos rendimentos.

Também no plano laboral o ano escolar que se inicia no próximo dia 1 de Setembro será marcado pelo agravamento da precariedade e do desemprego dos professores (que atingirá valores nunca antes verificados, recordando-se que a uma semana estão mais de 50 000 professores por colocar), pelas dificuldades de organização das escolas e por um agravamento da crise no sector da Educação que nenhuma das iniciativas de propaganda eleitoral conseguirá disfarçar.

Os PCP saúda os professores e educadores e manifesta a sua disponibilidade para continuar a apoiar as suas lutas em defesa de uma profissão dignificada e valorizada – para o que contribuirá decisivamente a revogação e substituição do actual Estatuto da Carreira Docente – e de uma Escola Pública, democrática, de qualidade, gratuita e para todos. Saúda igualmente os estudantes, os trabalhadores não docentes das escolas, os pais e encarregados de educação, toda a comunidade educativa, assumindo o PCP o compromisso de continuar a ter a Educação como prioridade na sua acção e intervenção políticas.

O PCP reafirma o seu compromisso de uma ruptura com a política de direita que assuma a educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para a defesa da identidade nacional, com um efectivo combate ao abandono escolar e a promoção do sucesso escolar e educativo, passa por, entre outras medidas:

  • estabelecer a gratuitidade de todo o ensino como elemento crucial da garantia ao acesso e sucesso escolares, objectivo a atingir de forma progressiva num prazo máximo de seis anos, com a distribuição gratuita dos manuais escolares no ensino obrigatório, já no próximo ano lectivo;
  • o incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade com crescimento considerável das capitações para a atribuição dos respectivos apoios e dos montantes limite previstos para as diversas áreas;
  • a expansão do sistema público de Educação Pré-Escolar, articulado com a rede escolar do 1º ciclo, no cumprimento da obrigação que a Constituição impõe ao Estado, garantindo a frequência universal, gratuita e obrigatória no ano que anteceda o ingresso das crianças no ensino básico, bem como as condições para universalidade da frequência a partir dos 3 anos;
  • uma nova lei de gestão democrática das escolas que respeite os princípios, objectivos e valores consagrados na Constituição da República e na Lei de Bases do Sistema Educativo;
  • revogar o estatuto da carreira Docente, tendo como prioridades a revisão da estrutura da carreira docente eliminando a sua divisão em categorias e rever regras de progressão; eliminar a prova de acesso à profissão docente; substituir o actual modelo de avaliação de desempenho; garantir uma efectiva estabilidade profissional e a defesa do emprego docente.
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