100 mil assinaturas a favor do SNS

   
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário Geral do PCP
no encerramento da Campanha Nacional do PCP «A saúde é um direito, não é um negócio»

A campanha do PCP em defesa do Serviço Nacional de Saúde, com o lema “A saúde é um direito, não é um negócio” que hoje termina, mostra que a contradição entre o discurso do governo e o drama vivido por centenas de milhar de portugueses que são directamente afectados pela política de revanche social do governo não é uma fatalidade.

Nesta campanha juntaram-se a nós na defesa do SNS mais de cem mil portugueses no abaixo-assinado que agora vamos entregar e muitos outros milhares que nos contaram razões do seu descontentamento ou nos apoiaram dizendo “se não fossem vocês onde é que isto já ia”. Saudamos todos eles, bem como os camaradas que se empenharam dedicadamente na recolha das assinaturas.

O Primeiro-Ministro queixava-se há poucos dias de que o PCP diz sempre que os vários governos do PS têm realizado políticas de direita. Pois bem, hoje afirmamos que o actual governo do PS tem realizado a política mais à direita desde o 25 de Abril, na saúde e nas outras áreas de serviços públicos que asseguram os direitos sociais consagrados na Constituição. Esta campanha confirma o que o PCP vem denunciando como sendo o maior ataque ao SNS desde a sua criação.

Se não, vejamos: o acesso à saúde está cada vez mais difícil para a grande maioria dos portugueses, a promiscuidade entre o público e o privado vai crescendo e cada vez mais os privados se vão apoderando da prestação dos cuidados de saúde, a política do medicamento vai oscilando de acordo com os interesses ora da indústria, ora das farmácias em prejuízo das pessoas que pagam cada vez mais em medicamentos.

A justificação para o encerramento de serviços assenta na manipulação de estatísticas de utilização desses serviços – como se os utentes fossem apenas números – e em “relatórios técnicos” feitos à medida das suas opções e, sobretudo, na cega obsessão de reduzir o défice das contas públicas.

Por mais elaborada que seja a retórica do Primeiro-ministro e do Ministro da Saúde, já não lhes é possível esconder o que há muito temos vindo a denunciar: a sua política de saúde está ideologicamente marcada pelo compromisso de destruir o Serviço Nacional de Saúde e abrir o espaço para que os grupos privados o substituam. Esta é que é a grande opção estratégica do governo do PS para a saúde.

A demonstrar isto mesmo estão as declarações do responsável máximo em Portugal de uma companhia de seguros multinacional, referindo-se aos seguros de saúde e cito: «As medidas do governo na área da saúde estão a potenciar o crescimento do mercado». É claro como água e só o governo é que insiste em atirar areia para os olhos dos portugueses, afirmando que está com o pensamento na melhoria da qualidade dos serviços de saúde.

O governo fechou maternidades porque não faziam 1500 partos por ano, fechou SAP porque atendem menos de 20 pessoas por noite. O que o governo não diz é que por cada serviço público de saúde que encerra, logo surgem de imediato os privados a ocupar o espaço abandonado pelo Estado.

Para justificar o encerramento dos SAP, o ministro da Saúde diz que a solução está em regressar às origens em matéria de Cuidados de Saúde Primários, nomeadamente com o conceito de medicina de família assente no modelo de das Unidades de Saúde Familiares em execução. O que ele não diz é que há muito que está em preparação o acesso dos privados a estas USF, privados que já estão na posse de cerca de metade da assistência médica primária com sacrifício do desenvolvimento de uma verdadeira rede pública de Cuidados de Saúde Primários.

Estas medidas economicistas, também sustentadas na tese da falta de recursos do país têm como objectivo central, a diminuição do investimento público nesta importante função do Estado. Daí o regozijo do Primeiro-ministro com o facto de em 2006, o Estado ter gasto menos cerca de 300 milhões de euros. Esse regozijo é o espelho fiel de uma clara opção política para mercantilizar a saúde, contribuindo desta forma para alargar um dos mercados mais cobiçados pelos grupos económicos, nem que para isso tenham de morrer pessoas por falta de assistência médica ou nascerem cada vez mais crianças nas ambulâncias. Estamos perante um modelo de cuidados de saúde que é injusto e profundamente desumano.

Os portugueses pagam cada vez mais em taxas moderadoras, contrariando um preceito inscrito na Constituição da República Portuguesa, isto é: os serviços do SNS devem ser tendencialmente gratuitos. É hoje uma realidade indesmentível que, na Europa, os portugueses são quem mais paga despesas de saúde directamente do seu bolso. Para o governo tudo se resume a uma tese muito do agrado dos arautos do neoliberalismo: “Quem quer saúde paga-a”.

O que se está a passar na saúde é o resultado dos ataques a que tem sido sujeito o Serviço Nacional de Saúde desde a sua criação, quer por parte dos sucessivos governos, quer de interesses localizados e de grupos económicos. Há muita gente da direita que está comprometida até ao tutano com a ofensiva contra o SNS desde que foi criado que aparece agora, numa atitude oportunista aproveitando o crescimento exponencial da luta dos utentes, a declararem-se «chocados» com o encerramento de serviços que eles próprios teriam gostado de concretizar quando estiveram no governo.

É uma hipocrisia própria da direita dizer que defende o serviço público e, ao mesmo tempo, aplaudir a substituição deste pela iniciativa privada, como aconteceu em Mirandela, onde o Presidente da Câmara anunciou um investimento privado que certamente já teria negociado há muitos meses.  Não se pode um dia estar com a luta das populações contra o encerramento dos serviços públicos e no outro assinar um protocolo com o governo que apenas serve de almofada à sua política para a saúde.

Os detractores do SNS fazem “o mal e a caramunha”. Primeiro criam dificuldades ao SNS e depois vêm dizer que a solução, a alternativa, está nas Parcerias Público Privado, coisa que os grandes grupos privados já consideram insuficiente. Estes já defendem que o Estado exerça apenas um papel de regulador deste “mercado” que está em expansão, que invista na promoção da saúde e deixe aos privados a parte mais rentável (a medicina curativa) que lhes vai permitir, caso não se inverta o caminho, terem lucros fabulosos à custa da doença das pessoas.

O quadro está muito claro. De um lado estão os que, como nós, defendem uma reforma democrática do SNS, como garantia do acesso aos cuidados de saúde a todos os portugueses em equidade; do outro estão os que querem pura e simplesmente destruir o SNS, para que desta forma o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde fiquem dependentes das sacrossantas “regras do mercado”.

Realçamos neste momento as lutas das populações que, afectadas pelas actuais políticas, promovem abaixo-assinados (com centenas de milhar de aderentes a nível nacional), manifestações, concentrações e outras iniciativas. Valorizamos o crescimento do número de Comissões de Utentes de serviços de saúde.

Às populações em luta, que daqui saudamos pela sua determinação na defesa dos seus direitos, dizemos que connosco não há uma postura de faz de conta. Estamos desde 1979 e sempre com o SNS público, universal, geral e gratuito, porque defendemos um modelo de desenvolvimento para o país justo e solidário, ao contrário do PS que renega o papel que deveria ter na defesa e aprofundamento desta conquista e do direito à saúde.

Neste contexto, ampliar a luta das populações contra esta política na saúde é fundamental para a defesa do SNS. A prova da importância destas lutas está na resposta agressiva do discurso de membros do Governo e outros dirigentes do PS, acusando as populações de estarem a servir estratégias partidárias, leia-se do PCP. Sim! Apoiamos as populações na defesa dos seus legítimos interesses. É um compromisso que assumimos há 86 anos e que não abandonamos.

Vender «gato por lebre» nas campanhas eleitorais e fazer promessas que não cumprirão é uma manipulação indecorosa do crédito das populações que deram a maioria absoluta ao PS. Mesmo intitulando-se de «esquerda moderna», o seu governo executa e leva mais longe a política de direita que ainda não tinha sido possível realizar. Mas o povo já começa a dizer BASTA DE INJUSTIÇAS! Já chega de castigar sempre os trabalhadores e de favorecer sempre e cada vez mais os poderosos senhores do capital.

Pela nossa parte temos apresentado propostas para a defesa e desenvolvimento do S N S que se fossem aprovadas garantiriam o direito constitucional de todos os portugueses a cuidados de saúde de qualidade, com equidade, isto é, independentemente do seu estatuto económico e social. A política privatizadora deve ser abandonada; pare-se com o encerramento de serviços de saúde e reabram-se ao serviço das populações os que foram encerrados; realize-se uma planificação dos serviços segundo os princípios de proximidade e racionalidade; as taxas moderadoras devem ser abolidas; o medicamento, que é um bem essencial, deve ter uma política mais justa, principalmente ao nível dos preços; o reforço substancial do investimento público nos cuidados primários deve ter a prioridade máxima na política de saúde.

Pela nossa parte reafirmamos que o PCP e os seus militantes estarão sempre onde estiverem em causa direitos fundamentais, como neste caso o direito à saúde e que as populações podem sempre contar connosco na defesa desses direitos. O SNS público tem potencialidades e profissionais que o tornaram um dos melhores  do mundo. Importa defendê-lo e, com o apoio das populações,  desenvolvê-lo como um pilar fundamental de uma sociedade justa e solidária.