“Sim à Despenalização – Fim do aborto clandestino e dos julgamentos”-declaração de Jerónimo de Sousa

“Sim à Despenalização – Fim do aborto clandestino e dos julgamentos”
Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Como é conhecido o PCP há mais de duas décadas que se bate pela aprovação de uma lei que despenalize o aborto, até às 12 semanas, a pedido da mulher quando esta considere estarem em causa as condições para uma maternidade/paternidade responsável e consciente. Nesse sentido tem apresentado sucessivamente projectos-lei que estiveram na base dos debates parlamentares que têm vindo a ser realizados e defendido a legitimidade da Assembleia da República para decidir sobre esta matéria. Estivemos, por isso, contra a realização de um Referendo em 1998 que desautorizou a Assembleia da República, na decisão histórica que tomou de aprovar uma nova lei de despenalização do aborto. Votámos contra a proposta de resolução do PS (apoiada pelo BE) que no passado dia 19 de Outubro decidiu propor ao Presidente da República a convocação de um segundo referendo em Portugal.

Neste momento e em coerência com a nossa luta de anos pela exigência da despenalização do aborto, quero publicamente afirmar, em nome do Partido Comunista Português que, perante a mais que certa possibilidade de vir a ser convocado um novo Referendo, não será por falta de empenho dos seus militantes e da sua direcção que esta batalha será travada!

Estaremos nesta batalha pela vitória do SIM, não apenas nos discursos, mas sobretudo na organização da acção concreta que crie uma dinâmica de esclarecimento, de debate e de participação activa pelo voto no SIM!

O PCP será, assim, parte activa na construção de uma exigente dinâmica de esclarecimento que contribua e concorra para a desejável e necessária vitória do SIM à pergunta do referendo. Assim estaremos activamente empenhados para que, finalmente, seja possível dotar Portugal de uma nova lei que proteja a saúde da mulher e a sua dignidade e ponha fim ao aborto clandestino – a face mais cruel e desumana da falta de cumprimento do conjunto de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Da nossa parte, não partimos para este Referendo com o objectivo de animar guerrilhas partidárias ou com a pretensão de assumir protagonismos relativamente a todos os que estão pela despenalização do aborto. Pelo contrário, o PCP assumindo a sua quota-parte nesta batalha, espera e deseja o contributo empenhado de todos e o seu êxito na criação de condições e de uma dinâmica de esclarecimento e de mobilização que se traduza numa inequívoca vitória do SIM no Referendo.

Por isso dizemos que não é um bom começo que a direcção do PS e o seu Secretário-geral, Eng.º José Sócrates, partam para este Referendo (cuja realização é de sua iniciativa e responsabilidade)  sem tirar as ilações das sucessivas oportunidades perdidas em 9 debates parlamentares realizados sobre o aborto entre 1982 e 2006.

Se é certo que a direcção do PS e o seu Secretário-geral assumem uma posição pelo SIM, (bem diferente da posição da direcção do PS e do então Secretário-geral, em 1998) não é menos certo que o PS parte para a Campanha do Referendo com declarações que, aparentemente, pretendem agradar a “gregos e a troianos”.

Aos que desejam a despenalização do aborto na lei, a direcção do PS afirma: não se preocupem estamos neste referendo pelo Sim. Mas, ao mesmo tempo procuram sossegar os que se opõem a este objectivo afirmando, de forma reiterada, que podem ficar sossegados que se o Não ganhar, mesmo sem carácter vinculativo tudo ficará na mesma. O que na prática significa que o PS se pode estar a preparar para nem sequer respeitar os termos que acordou em 1998 com o PSD para a Lei do Referendo que determina que se não houver uma participação eleitoral de 50% dos eleitores o seu resultado não é vinculativo, podendo e devendo a Assembleia da República retomar e assumir o processo legislativo. 

Os comunistas – mulheres e homens, jovens e menos jovens – estarão de forma coesa na primeira linha pela mudança da lei sem mais demoras. Mas, igualmente se espera que quem assume a responsabilidade da realização deste referendo e se posiciona pelo SIM assuma, igualmente, as suas responsabilidades.
 
O PCP considera, que a todos os que, no campo democrático e progressista, se batem há décadas pela despenalização do aborto em Portugal, se coloca o imperativo desafio e a responsabilidade de contribuir com a sua activa participação eleitoral para um expressivo e inequívoco apoio ao SIM à pergunta do Referendo. Se a direcção do PS se mostra incapaz, mais uma vez, de assumir as suas responsabilidades na Assembleia da República, então que sejam as eleitoras e os eleitores a fazê-lo nas urnas.

Para o PCP será muito imprudente desvalorizar o contexto político em que se realiza este referendo. Por um lado, porque o PS, posicionando-se pelo SIM, recusa-se a dar tal passo na Assembleia da República sem uma consulta popular que vá, claramente, no mesmo sentido e, por outro, o PSD e todos aqueles que com ele se opõem à despenalização do aborto, tudo farão para que este Referendo “legitime” para todo o sempre a sua posição. Tudo isto num contexto de uma forte ofensiva anti-social e anti-popular do actual Governo do PS, à qual continuaremos a fazer frente!

Da nossa parte tudo faremos para contribuir para a compreensão do que há a decidir com o voto neste Referendo:

- Primeiro, se concordamos ou não que as mulheres continuem sujeitas a julgamentos e a estar sujeitas, em sede de Código Penal,  a penas de prisão até 3 anos;

- Segundo, se concordamos ou não que continuem a ser efectuadas interrupções voluntárias da gravidez em condições de clandestinidade e insegurança que põem em risco a saúde das mulheres e a sua própria vida.

São estas questões centrais que para nós estarão no centro do debate e na necessária acção de esclarecimento e mobilização.

Da nossa parte, estaremos muito vigilantes perante a tentação de alguns sectores que se opõem à despenalização do aborto de repetir o que se passou no Referendo de 1998: o incentivo a uma campanha desumana e desonesta visando confundir os portugueses e portuguesas sobre o que está em causa na resposta à pergunta do Referendo e com o fomento de calúnias e deturpações sobre o quadro de valores éticos e políticos que regem os que, como o PCP, se posicionam em defesa da despenalização do aborto; calúnias e deturpações como às que, desde já, se vem assistindo com o uso repetido da tese da liberalização ou com o uso de inadmissíveis imagens que, por falsas e manipuladas, não podem deixar de gerar indignação nos portugueses.

Para o PCP não está em causa a legitimidade da intervenção dos que assumem o Não à pergunta do Referendo, mas não deixará de combater e denunciar os recorrentes expedientes e as falsas e hipócritas alternativas que adiam sem resolver o grave problema do aborto clandestino.

O PCP não deixará passar em branco as responsabilidades dos Partidos – PSD e CDS/PP nos atrasos verificados na implementação da educação sexual nas escolas, quando assumiram responsabilidades governativas, cujo expoente máximo desse ataque se verificou com o anterior governo. Não deixaremos de denunciar, igualmente as suas responsabilidades na fragilização da protecção social da maternidade-paternidade, em sede de leis laborais e de segurança social. Não deixaremos, igualmente passar em claro a responsabilidade destes partidos pelos boicotes e restrições que impuseram à aplicação da lei, mesmo nas restritas situações em que esta hoje permite a realização de uma interrupção da gravidez em meio hospitalar.

O PSD e o CDS-PP deram o passo, a partir de 2000, de colocar a sua maioria e o seu Governo ao serviço das concepções mais reaccionárias e obscurantistas em matéria de educação sexual e de planeamento familiar. Da sua acção e iniciativa resultaram também importantes retrocessos na protecção da maternidade-paternidade, nomeadamente com a decisão da redução do apoio à licença de maternidade de 150 dias e à destruição da universalidade do abono de família. Na verdade, O PSD que, agora vota a favor do referendo é o PSD que com o CDS-PP votou contra a sua realização, quando dispunha de maioria parlamentar e que assim manobrará no futuro visando sempre adiar e impedir uma decisão e uma justa solução para este grave problema que permanece na sociedade portuguesa. 

O PCP reafirma que não está em causa a legitimidade dos que na esfera da sua consciência individual não aceitam a realização de uma interrupção voluntária da gravidez. Mas reafirma que uma mudança do actual quadro legal que permita o efectivo direito de optar à mulher numa gravidez indesejada, jamais será uma afronta à consciência individual dos portugueses, porque a existência de uma lei não criará nenhuma obrigação a nenhuma mulher – criará sim, um direito a aceder a um aborto seguro, em meio hospitalar ou legalmente autorizado, que cada mulher exercerá ou não segundo as suas convicções.

O PCP assume claramente um quadro de valores éticos e políticos muito fortes, centrados no reconhecimento do direito a ser mãe e a ser pai, aspectos que emergiram das suas iniciativas legislativas em 1982 e que estiveram na razão e no centro do primeiro grande debate parlamentar – sobre a defesa e protecção da função social da maternidade-paternidade – e que se mantêm até aos dias de hoje, como toda a nossa acção o demonstra.

O PCP está de corpo inteiro na luta pela despenalização do aborto em Portugal e pelo SIM no Referendo. Porque é preciso e é urgente mudar a lei! 

Estamos conscientes que a manutenção da actual lei é injusta, desadequada e desumana. Não inibe, nem reduz a prática do aborto, porque a vida mostra que as mulheres que decidem fazê-lo, fazem-no independentemente das idades, classes sociais, concepções filosóficas e religiosas ou quadrante político-partidário.

O actual quadro penal tem consequências penosas para a saúde da mulher. É um quadro penal e legal que representa uma situação de atraso relativamente aos diversos países da União Europeia. É uma vergonha para Portugal que o aborto clandestino e inseguro e os julgamentos marquem a realidade social e política quando aparentemente tanto se fala da igualdade de direitos das mulheres na vida política nacional. Ou será que as mulheres não são aptas para decidir com responsabilidade e em consciência quando confrontadas com uma gravidez não desejada? Para o PCP as mulheres têm o direito a decidir quando em causa está a assunção a uma maternidade-paternidade livre e consciente.

Para os que acham que já não se justifica o aborto porque existe planeamento familiar, o PCP responde que tal afirmação não tem em conta a realidade. Não só porque tal rede é insuficiente, em resultado, é bom que se diga, da negligência dos governos dos últimos anos e do actual, como são ainda fortes os constrangimentos sociais ao seu acesso pleno por todas as mulheres, mas também porque na realidade nenhum método é 100% seguro. Para nós o aborto é um último recurso cabendo à mulher decidir. 

Para o PCP é necessário continuar a lutar para que o respeito pela função social da maternidade-paternidade tenha a devida protecção no domínio dos cuidados de saúde no que se refere à mulher e à criança, tal como no domínio dos direitos laborais e de segurança social dos trabalhadores e trabalhadoras e na real e efectiva garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual nas escolas. 

É neste sentido que temos intervido na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e na sociedade portuguesa, ao contrário de outros que passam do silêncio cúmplice e da completa inactividade quando são poder, para uma activa defesa destes valores e orientações que não têm intenção de concretizar, numa postura de profunda hipocrisia, quando pressentem a possibilidade de aprovação de uma lei de despenalização do aborto.

Hipocrisia a que é preciso pôr fim, com uma votação massiva no SIM no Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez e com a posterior aprovação de uma Lei que seja um passo decisivo para pôr fim ao flagelo social do aborto clandestino.

É nesse combate que estamos empenhados e é esse o combate que continuaremos a travar em todas as circunstâncias e em todos as frentes. Agora pela vitória do SIM no referendo.

Amanhã e sempre na Assembleia da República e na sociedade portuguesa em defesa da dignidade da mulher e dos seus direitos!