“OPA da Sonaecom sobre a PT: o negócio que Portugal não precisa” - Intervenção de Francisco Lopes

A OPA da Sonaecom sobre a PT afecta profundamente os interesses nacionais. Verifica-se num sector estratégico, o das telecomunicações, cada vez mais importante nas mais diversas áreas da sociedade, indispensável a qualquer projecto de desenvolvimento nacional.

Estamos aqui a tratar uma questão da maior importância para o presente e o futuro do país.

É significativo que este debate esteja a ser promovido pelo PCP, partido que estimula a resistência e a luta dos trabalhadores e do povo e que a associa ao aprofundamento do conhecimento da realidade nacional e sectorial e à afirmação de um projecto alternativo para o país.

A política de sucessivos governos tem ido em sentido contrário às necessidades nacionais. Privatizou a PT com as consequências que estão à vista, designadamente com o capital estrangeiro a atingir cerca de 75%. É certo que, por via indirecta, se mantém uma participação do Estado através da CGD com pouca expressão e, por via directa, uma Golden Share de quinhentas acções com direitos especiais, mas que no essencial não tem usado.
A privatização substituiu na gestão aquele que deve ser o objecto de uma empresa de telecomunicações: prestar um serviço de telecomunicações com a máxima qualidade e acessibilidade, que passou a ser um sub-produto e foi substituído pela maximização do lucro e o aumento da cotação bolsista tenha as consequências que tiver para os trabalhadores, os utentes e o país. Isso mesmo tem estado presente na actuação das sucessivas administrações da PT e na própria resposta da actual administração à ofensiva encabeçada pela Sonaecom.

Agora, a OPA da Sonaecom sobre a PT vem introduzir um novo e grave ataque com a provável desagregação das estruturas do grupo e uma ainda maior subordinação à lógica de acumulação de curto prazo, sacrificando o interesse nacional, os direitos dos trabalhadores e a soberania nacional.

Gostaria de sublinhar a este respeito quatro aspectos:

Primeiro. A OPA não é produto de um rasgo de visão e capacidade do capital dito nacional. Apresentaram a OPA como um exemplo de visão, sagacidade e inteligência de um grande empresário português, Belmiro de Azevedo pelo lançamento de uma operação de uma empresa mais pequena sobre o maior grupo português. Nada mais falso. Belmiro de Azevedo e a Sonaecom fazem nesta operação o papel de testas de ferro de uma iniciativa que tem a paternidade do Banco Santander e conta ainda entre os principais interessados com a France Telecom e a Telefónica de Espanha.

Segundo. A OPA poderá levar ao desmembramento do Grupo PT, dos elementos estruturais que comporta e dos mecanismos de presença do Estado que integra.

A concretização desta operação com a junção do Grupo Sonae e do Grupo PT significaria uma concentração de capital sem paralelo no nosso país, com um enorme poder financeiro, económico e mesmo político. Tal perspectiva seria no entanto conjuntural, uma vez que de facto com a OPA se adensaria a perspectiva do desmembramento do Grupo PT com consequências muito negativas do ponto de vista de liquidação de uma organização estruturada com uma forte e abrangente presente nos vários segmentos das telecomunicações, com uma participação qualificada do Estado, responsável por um elevado investimento em investigação e desenvolvimento. É um negócio em que perdem os trabalhadores, os utentes e o país e ganham a France Telecom (pode ficar com parte das estruturas nacionais e operações em África), a Telefónica (pode ficar com facilidade com os negócios do Brasil), o Banco Santander (quer ganhar em grande nas várias operações financeiras) e a Sonae (juntando para além de outros negócios a TMN, o maior operador móvel, à mirrada Óptimos e à diminuta Novis).

Terceiro. A OPA atingiria profundamente os trabalhadores. Desde logo com a eliminação de 4 mil postos de trabalho (só na junção da TMN com a Optimus poderiam ser eliminados cerca de mil), mas também na generalização da precariedade com eliminação da contratação colectiva e dos direitos que consagra para os trabalhadores da PT Comunicações, no comprometimento da resposta do fundo de pensões às reformas dos trabalhadores no activo, dos reformados e pré-reformados e na tendência para promover uma generalizada baixa das remunerações.

Quarto. A OPA prejudica os utentes. Atinge o erário público, afecta a investigação e desenvolvimento, não se insere na modernização do sector e é contrária ao desenvolvimento do país. Prejudica os utentes com a pressão para a diminuição da qualidade, o aumento dos preços e as desigualdades de acessibilidade regionais e por tipos de utentes. Atinge profundamente o erário público com a redução ou eliminação de pagamentos de impostos em vários anos a pretexto dos compromissos financeiros. Limita o investimento na investigação, privilegia as áreas comerciais e financeiras afectando o desenvolvimento das telecomunicações.
De facto a lógica da subordinação ao lucro e à máxima cotação bolsista iria acentuar-se com o vencimento da OPA, pela concepção predadora da operação e pela situação financeira da Sonaecom, caracterizada por elevadas dividas que seriam substancialmente agravadas dada a falta de capitais próprios com os empréstimos para concretizar a OPA. A procura do máximo encaixe no mais curto prazo levaria, ainda mais, a cortes na qualidade, aumento dos preços, engenharia fiscal para fugir aos impostos, a limitações no investimento e à alienação de segmentos significativas da sua actividade pondo em causa uma visão global.
Neste quadro e face às necessidades de investimentos muito elevados para as necessárias redes de nova geração, a perspectiva que a OPA apresenta é o atraso no desenvolvimento das telecomunicações, a menos que perante a situação inaceitável que isso comportava pressionasse o Estado a fazer os investimentos para mais uma vez privatizar os lucros.

A OPA não se baseia assim num projecto de desenvolvimento do sector e do país, mas apenas na lógica da especulação e do lucro de curto prazo.
Os seus promotores posicionam-se perante a PT, como aqueles que olham para um animal vigoroso e em desenvolvimento e vêem apenas a sua carcaça procurando distribuir entre si as suas melhores partes.

Como diz o lema deste debate “A OPA da Sonaecom sobre a PT é um negócio de que Portugal não precisa”.

O Governo na base do interesse nacional só pode ter uma atitude, dizer não à OPA da Sonaecom sobre a PT. Não tem desculpa se não o fizer, tem todas as possibilidades de intervir uma vez que para além de outros poderes directos, o Estado tem a Golden Share que lhe dá o direito de veto sobre a alteração dos Estatutos da PT, nomeadamente sobre os artigos que consagram a limitação dos direitos de voto de um accionista a 10% e que, se não forem alterados, inviabilizam a OPA.

Não tem sido esta a atitude do Governo.

Também aqui está em curso a cooperação estratégica do Governo PS e do Presidente da República. O Governo vai facilitando e o Presidente da República pressiona a Autoridade da Concorrência chamando o seu presidente a Belém.

Uma Autoridade da Concorrência que é identificada com a competência de assegurar a concorrência mas que, verdadeiramente não toma posição. Entre outros aspectos, não age sobre a concentração de 80% das comunicações móveis num único operador com a fusão da TMN com a Optimus, limita-se a indicar uns remédios que no essencial são a maneira airosa de avalizar essa situação monopolista. Mais que Autoridade da Concorrência é autoridade da conivência, o episódio desta semana entre a Autoridade da Concorrência e a ANACOM, se outros exemplos não existissem e existem, é bem revelador dessa atitude.

Diz o Governo que está em causa o funcionamento dos mercados e que não se deve intervir dadas as regras. No entanto, não se pode aceitar tal posição quando vemos que, em situações idênticas de OPA que punham em causa o controlo sobre sectores estratégicos, os governos de Espanha e de França intervieram na defesa dos seus interesses nacionais.

É necessário que o Governo assuma as suas responsabilidades e não permita que rebente esta autêntica bomba sobre o sector das telecomunicações com fortes impactos sobre a vida do país.

O PCP entende que deve ser defendido o interesse nacional, que deve ser recusada a OPA e salienta a necessidade de uma política que garanta um sector das telecomunicações, eficiente, moderno, que dê resposta às novas necessidades e incorpore os avanços e possibilidades abertas pelo desenvolvimento técnico e cientifico, com custos acessíveis, em condições de igualdade em todo o território nacional, como direito dos utentes e factor de desenvolvimento equilibrado do país e de soberania nacional. Uma política que implica o comando público sobre o sector e a manutenção da Golden Share do Estado no Grupo PT.

Pela sua parte o PCP associa ao estímulo à luta dos trabalhadores à sua intervenção própria a todos os níveis designadamente na Assembleia da República onde questionou o Governo e apresentou um projecto de Resolução sobre esta questão.

O PCP salienta o significado e saúda a luta dos trabalhadores da PT, pelas importantes acções, como as realizadas a 19 de Abril e 16 de Novembro, em que participaram muitos milhares de trabalhadores e pela jornada de luta marcada para 15 de Dezembro.

A posição do PCP sobre a OPA da Sonaecom e sobre o sector das telecomunicações integra-se numa estratégia para o desenvolvimento do país. E por muito que digam que não há alternativa à política actual, nós afirmamos que não só há alternativa, como ela é essencial para o futuro de Portugal.

Portugal precisa e o PCP propõe uma nova política para o sector das telecomunicações, uma nova política de desenvolvimento económico e social que garanta um Portugal mais desenvolvido e mais justo.

Podeis estar certos que o PCP com os trabalhadores e o povo não desistirá desse objectivo, que como a história mostra, demore o tempo que demorar, acabará por ser alcançado.

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