«Sim à despenalização -Fim do aborto clandestino e dos julgamentos»-Odete Santos, deputada PCP na AR

«Sim à despenalização -Fim do aborto clandestino e dos julgamentos» - Iniciativa Pública do PCP
Intervenção de Odete Santos, deputada do PCP na Assembleia da República

Os Ácaros

Ou a teia para Penélope

Os movimentos anti-femininos que se acobertam no "Não" à despenalização do aborto, trouxeram já para o debate o esboço dos argumentos que vão desenvolver na Campanha do referendo. Alguns são argumentos já nossos conhecidos. Outros, porém, surgem de novo, importados do país de Reagan e de Bush, com objectivos bem precisos e insidiosos. Objectivos todos eles transportados pelas patas do minúsculo animal em forma de aranha, que dá pelo nome de ácaro.
Os novos argumentos visam apagar a memória resultante dos julgamentos das mulheres, que se tornaram subitamente visíveis.
Dessa memória resulta, sem sombra para dúvidas, que os movimentos do "Não", mais não são do que movimentos contra as mulheres. Tais movimentos  sujeitam as mulheres ao aborto clandestino, a perseguições penais , a devassas da vida privada, a exposição da sua intimidade na praça pública, a condenações.
Ao longo destes últimos 8 anos ficou bem provado aquilo que um partidário desses movimentos confessa em estudo publicado:
" O que é certo é que estes julgamentos no que se refere à mulher grávida que aborta, parece não terem boa aceitação na opinião pública, mesmo entre pessoas que reconhecem a censurabilidade do aborto como atentado à vida"

Assim, à argumentação já antiga que fez introduzir no debate dogmas que a ciência não subscreve por ser pela sua própria definição antidogmática, juntam-se agora argumentos que se destinam a apagar a incomodidade, para o "Não", dos julgamentos de mulheres.

No fulcro da nova argumentação está uma pretensa assunção da defesa das mulheres, nomeadamente da defesa da sua saúde.
Nem uma palavra sobre a afirmação constante de inúmeros relatórios e estudos de entidades como a OMS e, por exemplo, do Estudo recentemente publicado pela Revista Científica The Lancet, segundo os quais o aborto clandestino é um problema de Saúde Pública, uma pandemia.
Agora, para os/as antifemininas em metamorfose larvar para transformar a mentira em verdade, o aborto ainda que legal, afecta a saúde das mulheres.
Esta argumentação carece de qualquer fundamentação, como tem sido demonstrado por estudos científicos realizados por exemplo, na Suécia, na Dinamarca, no Reino Unido, em Universidades dos E.U.A, que ao longo dos anos, repetidamente, fizeram a análise do argumentário do "Não". A posição antidogmática dos Cientistas- foi Voltaire que disse que a dúvida não é agradável mas a certeza absoluta é ridícula - torna-os sempre disponíveis para constantes reanálises.
As incidências na saúde das mulheres dos abortos, ainda que realizados legalmente, tem-se centrado na afirmação pelo "Não" de que essas mulheres acabam por ser vítimas de sindroma do Stress post aborto, vulgarmente conhecido por PAS, e estão especialmente sujeitas ao cancro da mama. Assim, seria o " Não" o movimento verdadeiramente feminino, por defender a saúde das mulheres.
No entanto, não há qualquer evidência credível da existência de qualquer relação entre o cancro da mama e o aborto.
Como é referido, por exemplo,pelo Real Colégio de obstetras e ginecologistas do Reino Unido ou pelo Instituto do Cancro dos E.U.A.
Não é reconhecida, sequer, a existência do sindroma post aborto, que será um primo, nas palavras irónicas de um cientista, do stress post traumático . Acontece que o PAS nem sequer é reconhecido pela classificação internacional de doenças- ICD 10 da OMS.
Caindo pela base esta argumentação do "Não", ficam os seus elementos confrontados com as conclusões de vários relatórios  científicos, segundo os quais o aborto clandestino é causador de doenças, e mesmo de morte de mulheres.
Em contrapartida, segundo consta do Relatório da OMS- 2004
" Quando o aborto provocado é realizado por pessoas qualificadas usando técnicas correctas e em  condições sanitárias é um procedimento cirúrgico seguro."
Assim, quando continuam a defender a penalização do aborto, os movimentos do " Não" alheiam-se hipocritamente da vida e da saúde das mulheres. Sabem que as interrupções da gravidez se continuam a fazer apesar das proibições, porque tão longe quanto os antropólogos puderam recuar no tempo, constataram que os abortos sempre se fizeram( Ver Deveraux)
Sabem que as perseguições penais só tornam mais inseguro o aborto, provocando o recurso ao auto-aborto agora também através de novos  fármacos ministrados pelas próprias sem vigilância médica.
Ainda numa outra linha de argumentação, numa outra metamorfose da mentira, subvertem completamente a realidade, afirmando que a despenalização do aborto facilita negócios chorudos. Ora, o que facilita esses negócios, são precisamente as leis restritivas do aborto, já que os alegados riscos de cair na alçada da lei, leva os que vivem nos circuitos do aborto clandestino, a encarecer os seus serviços.
Os movimentos antifemininos fazem o mal e a caramunha. São os melhores aliados da economia paralela resultante do aborto inseguro, mas querem aparecer na posição oposta.

Aparecem mesmo com o fantasma dos dinheiros públicos que se vão gastar na realização do aborto legal, sabendo, como sabem, que são muito maiores os gastos para os hospitais, resultantes do tratamento das complicações do aborto clandestino.
Sempre lutando pela redenção da sua imagem junto das mulheres, aparecem com uma proposta de suspensão provisória dos processos, instituto já existente no Código Penal, que manteria a criminalização do aborto, que fomentaria a rede da clandestinidade do aborto, que continuaria a permitir a perseguição penal das mulheres.
O PCP sempre se opôs a tal solução legislativa. Que fique claro de uma vez por todas. Já que, com despudor, uma representante do "Não", afirmou num recente debate televisivo de que marginalizaram o PCP, que todos os grupos parlamentares tinham estado de acordo com o projecto. Trata-se de uma redonda, rotunda e completa mentira. Que particularmente me irrita, já que fui eu que recebi a delegação do movimento em questão, tomando posição contrária à solução em nome do PCP.
E que mais não se destina senão a dulcificar a rudeza de quem mente às mulheres.
Falem a verdade às mulheres, dizemos nós com toda a propriedade. Digam-lhes que consideram as mulheres pessoas com capacidade diminuída, que farão abortos por motivos fúteis, apenas por desejo. Falem também a verdade dizendo-lhes que não as consideram capazes de tomar decisões responsáveis.
Digam-lhes que a vossa posição mais não é do que uma tentativa para votar as mulheres ao ostracismo social, apontando-as como criminosas.
E não invoquem a Ciência em vão.
A vertigem dos dogmas, já introduziu no outro referendo o dogma do início da pessoa humana na concepção, que é verdadeiramente um dogma religioso. Há várias concepções sobre o momento em que a vida da espécie humana se torna pessoa humana. Mas não tem qualquer fundamento científico a defendida pelo " Não"
O direito penal não pode acolher dogmas religiosos ou mesmo morais.
Digam, já agora, às mulheres quem votou o Código do Trabalho, quem lhes retirou direitos.
Digam-lhes ,e é às antifemininas que me dirijo, que são as vossas ideias que estão no centro da teia para Penélope feita de violência contra as mulheres.
Jamais a Verdade e a Ciência podem ser invocadas em vão.