Exposição de motivos
Diariamente os utentes se confrontam com crescentes dificuldades no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). O número de utentes sem médico de família aumenta; utentes que vão de madrugada para o centro de saúde para conseguir uma consulta; os elevados tempos de espera para uma consulta ou cirurgia, exames ou tratamentos; o encerramento dos serviços de urgência de ginecologia e de obstetrícia e também de pediatria em determinados períodos; são apenas alguns exemplos que afetam milhares e milhares de utentes que se veem privados do direito constitucional à saúde.
Tudo isto é o reflexo das opções políticas de desinvestimento no SNS da responsabilidade de sucessivos Governos. O objetivo é claro - desacreditar o SNS com vista ao seu desmantelamento, para justificar a sucessiva entrega da prestação de cuidados de saúde e de recursos financeiros para os grupos privados.
A situação piorou bastante no último ano, durante a governação do PSD e do CDS, que não só não resolveu nenhum problema do SNS, como é responsável pelo seu agravamento.
Quando um dos principais problemas com que o SNS está confrontado é a enorme carência de profissionais de saúde, é significativo que o anterior Governo não tenha adotado medidas eficazes para inverter essa situação. Nem avançou com nenhuma medida para reforçar a capacidade de resposta do SNS. Muito pelo contrário, as opções do Governo, com o apoio de IL e CH foram no sentido de retirar capacidade e meios ao SNS.
Não é por acaso, que quer o Governo de maioria absoluta do PS, quer o anterior Governo PSD/CDS tenham sistematicamente recusado soluções para fixar profissionais de saúde no SNS. E não o fizeram porque não quiseram, porque há meios e recursos para o fazer, o que não houve foi vontade política.
A desvalorização dos profissionais de saúde e o ataque aos seus direitos, são parte da estratégia de destruição do SNS. Todos sabemos que sem profissionais de saúde, não há cuidados de saúde, nem há SNS. É por isso que ano após ano os profissionais de saúde não têm sido valorizados, nem reconhecidos no seu desempenho profissional, o que tem levado ao justo descontentamento, à desmotivação, e ao abandono do SNS de milhares de trabalhadores, muitos aliciados para grupos privados e muitos acabam por emigrar.
E também porque não são garantidas condições de trabalho, nem as legítimas expectativas para do seu desenvolvimento profissional, que muitos jovens quando terminam a sua formação académica nem ponderam ingressar no SNS.
São necessárias soluções urgentes para garantir o acesso à saúde a todos os utentes, para assegurar o funcionamento dos serviços públicos de saúde e para fixar profissionais de saúde no SNS. Soluções que não virão da política de direita, do Governo PSD/CDS, muito menos da IL e do CH.
São necessárias soluções que valorizem os profissionais de saúde e que lhes garantam condições de trabalho no SNS. É nesse sentido que o PCP propõe o presente projeto de lei.
Propomos que no prazo de 30 dias o Governo inicie os processos de negociação coletiva com as respetivas organizações representativas dos trabalhadores para a valorização diversas carreiras na área da saúde, dos médicos, aos enfermeiros, dos técnicos superiores de saúde, aos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, dos técnicos auxiliares de saúde, entre outros.
Propomos a criação de um programa de regresso de profissionais de saúde ao SNS, com a criação das condições para os profissionais regressarem, sem introduzir injustiças com os profissionais que permaneceram sempre no SNS.
Propomos a criação de um regime de dedicação exclusiva, opcional, para médicos e enfermeiros, mas que pode ser alargado a outros profissionais em carência no SNS, com majoração da remuneração e da progressão na carreira.
São soluções concretas, que dão resposta às reivindicações dos profissionais de saúde e que permitem reforçar a capacidade de resposta do SNS na prestação de cuidados de saúde aos utentes
Neste sentido, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece medidas para a valorização dos profissionais de saúde que exercem funções em instituições públicas.
Artigo 2.º
Valorização das carreiras dos profissionais de saúde
A presente lei determina a valorização das carreiras da área da saúde, a adotar mediante processo negocial com as respetivas organizações representativas, que considere designadamente:
- A revisão de grelhas salariais que assegure a recuperação e a valorização do poder de compra;
- Uma perspetiva de progressão que permita o desenvolvimento da carreira;
- A remoção de mecanismos artificiais, como as quotas, para efeitos de progressão na carreira;
- A correção de injustiças relativas;
- A integração na respetiva carreira dos profissionais de saúde com vínculo precário, independentemente da sua natureza;
- A melhoria progressiva das condições e regulação de horários de trabalho, de forma a garantir a articulação da vida profissional, com a vida pessoal e familiar.
Artigo 3.º
Regresso de profissionais ao Serviço Nacional de Saúde
- É criado, pela presente lei, um programa de regresso de profissionais ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), com vista a incentivar o seu regresso aos serviços públicos.
- O programa destina-se, preferencialmente, a médicos e enfermeiros que tenham abandonado o Serviço Nacional de Saúde nos últimos dez anos.
- A regulamentação do programa criado pela presente lei define medidas de apoio aos profissionais que pretendam regressar, designadamente a consideração do tempo de serviço realizado fora do SNS para efeitos de posição remuneratória e carreira, bem como os critérios de acesso ao mesmo.
- As medidas de apoio relativas à posição remuneratória e carreira não podem determinar situações profissionais idênticas ou superiores aos profissionais equiparáveis que permaneceram no SNS no mesmo período.
- O programa pode incluir outros apoios ao regresso de profissionais designadamente na habitação, apoios familiares, formação e investigação, salvaguardando o acesso dos restantes profissionais em condições de equidade.
- O programa define medidas específicas para o regresso de profissionais a exercer no estrangeiro, simplificando o acesso aos programas já existentes.
- A regulamentação do programa previsto na presente lei define as zonas geográficas e áreas de especialidade prioritárias, de forma a adequar os incentivos às necessidades verificadas.
Artigo 4.º
Regime de dedicação exclusiva
- Os trabalhadores médicos e enfermeiros que exerçam funções nos estabelecimentos, serviços, órgãos, organismos e demais entidades do SNS podem exercer funções em regime de dedicação exclusiva.
- Os profissionais de saúde que adiram ao regime de dedicação exclusiva têm uma majoração de 50% da remuneração base.
- Aos profissionais de saúde em regime de dedicação exclusiva é também assegurado o seguinte:
- A majoração de 1 ponto por cada ano avaliado, devendo ocorrer alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, conforme previsto na lei;
- O aumento da duração do período de férias em dois dias, acrescidos de mais um dia de férias por cada cinco anos de serviço efetivamente prestado;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo do período de férias a que legalmente têm direito, em simultâneo com o cônjuge ou pessoa com quem vivam em união de facto;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo de 11 dias úteis consecutivos do período de férias a que legalmente têm direito, durante as férias escolares dos seus filhos ou dos filhos do cônjuge ou pessoa com quem viva em união de facto que façam parte do seu agregado familiar;
- O aumento, em dobro, do limite máximo de duração da licença sem perda de remuneração, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, a conceder pela entidade empregadora;
- A participação em atividades de investigação ou desenvolvimento das correspondentes competências e qualificações profissionais, mediante exercício de funções em serviço ou estabelecimento de saúde à sua escolha, situados em território nacional, pelo período máximo de 15 dias, por ano, seguido ou interpolado, com direito a ajudas de custo e transporte nos termos legais;
- A preferência, caso o trabalhador se candidate, nos termos legais, em procedimento concursal de recrutamento para preenchimento de postos de trabalho na categoria subsequente, na lista de ordenação final dos candidatos, em caso de igualdade de classificação.
- Aos médicos e enfermeiros que adiram ao regime de dedicação exclusiva fica vedado o exercício de funções em unidades de saúde do setor privado ou social.
- O regime de dedicação exclusiva é extensível a outras profissões na área da saúde em que a necessidade de fixação de profissionais no SNS comprovadamente se verifique.
Artigo 5.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
- A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- A produção de efeitos financeiros da presente lei no ano económico em curso é determinada pelo Governo tendo em conta as disponibilidades financeiras constantes do Orçamento do Estado em vigor.