Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

É urgente travar os despejos e defender o direito à habitação

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados,

Saúdo os moradores, as associações e comissões de moradores e representantes das micro e pequenas empresas aqui presentes. Saúdo a luta que têm desenvolvido na defesa do direito à habitação.

Uma mãe e dois filhos residem num apartamento com um quarto, com uma renda de 405 euros. Recebeu a notificação do senhorio para abandonar a casa até ao início do próximo ano. A escola dos filhos e o local de trabalho é próximo da residência. Um dos filhos tem diversos problemas de saúde. Não têm para onde ir, nem rendimentos para suportar os elevados valores de renda.

Uma mulher com idade inferior a 65 anos recebeu a notificação para deixar a casa em Abril deste ano, cujo contrato de arrendamento remonta a 1982. Vive com a filha, mas os rendimentos auferidos não suportam os actuais valores de renda.

Uma mulher com contrato de arrendamento há 15 anos, recebeu a notificação do senhorio de oposição à renovação do contrato. Hoje paga 450 euros de renda e o senhorio quer aumentar para 850 euros por um apartamento em Lisboa com 48 m2, num prédio antigo sem elevador.

São relatos de situações concretas, mas que são reflexo da situação em que se encontram milhares e milhares de famílias no nosso país.

Moradores e famílias que criaram os filhos e que hoje ajudam a criar os netos na habitação de uma vida, se vêem na iminência de a perder, não porque não tenham cumprido sempre com as suas responsabilidades e muitas vezes valorizaram a habitação às suas expensas, mas sim porque sem qualquer justificação, o senhorio não quer manter o contrato de arrendamento.

Moradores e famílias que quiseram iniciar uma vida independente e que não encontram a estabilidade, com contratos de duração reduzida renovados anualmente, obrigando-os a andar constantemente com a casa às costas.

Tudo isto é consequência da lei dos despejos imposta por PSD e CDS. Uma lei que desprotegeu os inquilinos e arrendatários, precarizando o direito à habitação, através da total liberalização dos valores de renda, levando a que estas atingissem valores especulativos e proibitivos para a esmagadora maioria das famílias tendo em conta os baixos rendimentos e da introdução de mecanismos que tem como objectivo facilitar o despejo sumário, administrativo e cego das famílias.

Não é comportável para as famílias valores de renda por um apartamento T1 em Lisboa acima de 850 euros e se for no centro histórico a 1800 euros, ou por um T2 acima de 1200 euros. No Porto por um T1 o valor de renda é superior a 450 euros e por um T2 os valores já sobem para montantes superiores a 700 ou ainda em Évora arrendar um T1 custa 450 euros e um T2 já chega aos 700 euros.

Que famílias têm a possibilidade de suportar valores desta natureza, quando o salário mínimo nacional bruto é 585 euros e o salário médio ronda os 900 euros?

Os trabalhadores, as famílias de baixos e médios rendimentos estão a ser expulsos das cidades, num processo de elitização da própria cidade, onde só as famílias de rendimentos muito elevados têm a possibilidade de residir.

A criação do balcão nacional do arrendamento, que na prática é tão somente um balcão com vista ao aceleramento do despejo, retirando os processos da via judicial, revela bem as intenções de PSD e CDS, pôr as pessoas na rua o quanto antes, sem se importarem se tinham para onde ir ou não.

Não houve qualquer dinamização do mercado do arrendamento como PSD e CDS insistem em apregoar. O que houve foi dezenas de famílias despejadas por semana; encerramento de inúmeras micro e pequenas empresas, estabelecimentos de comércio, serviços, restauração, e até da indústria e a respetiva destruição de postos de trabalho; encerramento de coletividades de cultura, desporto e recreio e de demais entidades, nomeadamente de Repúblicas de estudantes.

É preciso urgentemente travar os despejos!

É preciso evitar o quanto antes que os moradores sejam obrigados a deixar a casa onde residem!

É preciso travar a destruição da actividade económica, o encerramento do comércio de base local e tradicional!

É preciso travar a descaracterização social e cultural dos bairros!

Por isso agendámos este debate e trouxemos uma proposta de revogação da actual lei do arrendamento urbano, a solução mais adequada para pôr fim aos despejos sumários.

Com a nossa proposta revogamos uma lei injusta, desequilibrada e que assenta na especulação imobiliária, para favorecer os interesses dos fundos especulativos e dos grupos económicos.

Com a nossa proposta é extinto o balcão dos despejos e todos os mecanismos que facilitam o despejo, voltando a acção de despejo à via judicial, onde os direitos dos inquilinos são mais protegidos.

Com a nossa proposta retomamos os instrumentos que impedem a total liberalização dos valores de renda.

Propomos ainda a suspensão da actualização dos valores de renda.

Sem prejuízo de um debate mais profundo a realizar no âmbito da especialidade, há alguns aspectos que queremos referir em relação às propostas do Governo e das forças políticas.

O papel do Estado na política de habitação não pode continuar a ser secundarizado ou remetido para uma intervenção ao nível da política fiscal como resulta das propostas apresentadas pelo Governo. A solução para o arrendamento não passa pela atribuição de benefícios fiscais aos proprietários, reduzindo-lhes os impostos, mas sim pela ruptura com os interesses especulativos instalados e os interesses dos grupos económicos, responsáveis pelas dificuldades no acesso à habitação, e por uma intervenção directa do Estado na política de habitação. Deixar nas mãos do dito “mercado” e dos interesses privados já se viu que não se resolvem os problemas de acesso à habitação com que hoje nos confrontamos.

Na relação senhorio-inquilino é preciso proteger a parte mais desfavorecida, os inquilinos, que são sem dúvida os moradores com mais de 65 anos, os moradores com incapacidade superior a 60%, mas também não temos dúvidas nenhuma que também são as famílias com rendimentos mais reduzidos e todas as famílias, porque nesta relação o que se deve proteger é o direito à habitação. Por isso consideramos insuficiente as propostas que propõem proteger somente uma parte. Será que uma família cujos elementos tenham idades a partir de 40 anos não merecem protecção? Ou os jovens e as famílias que pretendem constituir ou já constituíram também não merecem protecção e ver o seu direito à habitação salvaguardado?

O direito a uma habitação condigna, confortável e de dimensão adequada em função do agregado familiar tem de ser protegido e defendido para todos, para os jovens, para a população trabalhadora, para os idosos, para as pessoas em situação de maior fragilidade, para todos. Também por isso, a proposta que trazemos a debate é bem mais abrangente e dá resposta não a algumas situações, mas a toda a dimensão do arrendamento urbano.

Manifestamos desde já a nossa disponibilidade para em especialidade aprofundar a discussão.

O nosso compromisso, empenho e intervenção é que dada a urgência da situação dos inquilinos se possa travar os despejos e defender o direito à habitação.

Disse!

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