Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

É uma proposta que põe o mercado como centro das decisões financeiras e económicas e fragiliza MPME

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Sr. Presidente,
Senhores Deputados,

A proposta de lei que hoje apreciamos insere-se num movimento à escala europeia de adaptação da legislação sobre regulação e supervisão dos mercados, como se as faltas de transparência nos mercados de capitais fossem resolvidas com este modelo de supervisão dita independente.

Essa é, aliás, a primeira questão: a proposta de lei, tal como as medidas à escala da União Europeia, anunciam-se como respostas à evolução dos mercados, ou seja, adapta-se a supervisão à forma como os agentes de mercado permanente e sistematicamente encontram esquemas de opacidade, circularidade e especulação que penalizam o interesse público, empobrecem e descapitalizam as empresas e a economia real.

É verdade que esses problemas não decorrem da presente proposta de lei.

Pelo contrário, são inerentes ao funcionamento dos mercados de capitais que estão no coração do sistema capitalista e que determinam o curso de grande parte da economia, à margem dos estados e do interesse da esmagadora maioria da população.

Vejam-se os casos das distribuições de dividendos em Portugal, com descapitalização de empresas fundamentais para a economia do país.

É verdade que a presente proposta visa criar condições para uma CMVM com mais poderes de atuação, embora abrangendo apenas as poucas (e cada vez menos) empresas cotadas em bolsa.

É igualmente verdade que visa assegurar mais transparência nos circuitos de capitais, mais segurança na oferta e na aquisição de bens mobiliários e mais capacidade de determinação de beneficiários e titulares.

Esses são os objetivos anunciados e que, pese embora, não tenham até hoje produzido qualquer resultado prático, não são a origem dos problemas, o que também não quer dizer que os resolvam!

Há contudo dois aspectos na estratégia em que esta Proposta de Lei se insere que devem ser mais ponderados:
*a da possível criação de uma espécie de penny stock (pequena bolsa, ou bolsa para pequenos e médios emitentes), que, tendo em conta as características do tecido económico nacional, mais não faria senão colocar as MPME nas mãos de intermediários que se dedicariam a extrair-lhes ainda mais valor do que aquele que a banca já extrai;
*a da escalada para a construção do mercado único de capitais, ou seja, a União dos Mercados de Capitais, estratégia que reforçará ainda mais o poder dos próprios mercados de capitais, cada vez mais desligado do âmbito nacional e dos instrumentos de supervisão nacionais e onde as MPME não são senão o adorno que aparenta justificar esse rumo de centralização do capital.
Na verdade, um mercado único de capitais, uma espécie de bolsa única para o espaço da União Europeia, tal como o mercado de bens e serviços o fez, colocaria as MPME de países como Portugal numa situação ainda mais débil de acesso ao capital, jogando na mesma praça que os grandes grupos económicos ou, na melhor das hipóteses, numa praça de MPME à escala da União, onde as portuguesas disputariam financiamento com MPME de economias em estados de desenvolvimento completamente diferenciados.

A Proposta de lei implica a audição de agentes vários, aliás, enunciados no próprio texto da PPL, mas que não foram enviados ao Parlamento.

Além do trabalho de audição dessas entidades, existe um debate a fazer sobre o presente regulatório que a PPL cria, se aprovada, e o futuro que pretende começar a construir que é o de mais concentração, federalismo e aprofundamento do mercado como centro das decisões financeiras, económicas e, consequentemente, políticas da UE e dos seus Estados-Membros.

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