Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Convívio de Mulheres CDU/Porto

Uma oportunidade perdida para interromper a acção de um governo desacreditado e desgastado, dando a palavra ao povo soberano

Este nosso convívio decorre depois da grave decisão do PR dar nova vida a uma coligação, que tinha sofrido uma estrondosa derrota eleitoral, num quadro de um profundo descontentamento que percorre o país, com uma política desgraçada, injusta e errada, e depois do abandono do Primeiro Ministro, que tinha jurado cumprir a legislatura.

A profunda insatisfação, o descontentamento a frustração e a revolta com a decisão do PR, designadamente daqueles que mais têm sido atingidos pelas políticas da direita, entre os quais se encontram na primeira fila as mulheres, são perfeitamente compreensíveis e justificadas.

O PR, no nosso ordenamento constitucional, não é uma rainha de Inglaterra, nem pode sê-lo de facto, a coberto de muita retórica ética de esquerda, de promessas de vigilância e de discursos sem conta, sem qualquer efeito concreto.

Não chega dizer-se que “há mais mundo para além do défice”, ou criticar o “pacto de estabilidade quando já todos o criticavam”, ou chocar-se com a situação dos mais desfavorecidos, quando depois, no concreto, na hora da verdade, se dá uma legitimidade acrescida, um novo fôlego àqueles que estavam condenados pelo povo, e que foram os responsáveis pela mais grave recessão da economia portuguesa e responsáveis pelo sofrimento sem conta de milhares e milhares de famílias.

Não tem grande significado pratico mostrar-se preocupado com os centros de decisão nacionais e depois dar luz verde a todas as privatizações, que paulatinamente vão caindo nas mãos de estrangeiros, transformando o nosso país, cada vez mais, numa região da península, com uma independência formal.

Nem constrange ninguém dizer-se que “mantém o poder” de dissolver a Assembleia da República, quando se perde uma oportunidade de ouro para interromper a acção de um governo desacreditado e desgastado, dando a palavra ao povo soberano, para decidir do rumo e soluções necessárias.

A luta continua camaradas.

Nesta ocasião dizer que se mantêm intactos todos os poderes constitucionais...cheira a tiro de pólvora seca. O PSD até já se dá ao luxo de afirmar que desvaloriza os avisos de Sampaio.

A direita já percebeu que, em relação à “bomba atómica”, só lhe basta ter paciência. E que as ameaças de vigilância valem tanto como a vigilância feita às negociatas com as privatizações, ao subsídio de doença, ao código laboral, à dita consolidação orçamental e, com a sua arrogância, quando chegarem os seis meses fatais, em que já nem a ameaça da bomba atómica pode ser usada, se houver alguma veleidade de contestação, dirá como Cavaco: “Tudo faremos para que o Sr, Presidente da República termine o seu mandato com dignidade.”

A mais clara resposta que o PR teve à sua decisão incompreensível e impeditiva da clarificação que, a todos os títulos, se impunha, está nos elogios encomiásticos de João Jardim.

Para já, a decisão do PR provocou a demissão de Ferro Rodrigues e é para nós muito claro que, se se fala em termos de derrotas e vitórias, o que podemos dizer é que, objectivamente, a voz dos grandes interesses falou mais alto que a voz dos trabalhadores e do povo, que a voz dos grandes grupos económicos falou mais alto do que a voz dos sindicatos e dos micro, pequenos e médios empresários.

Mas, se de derrota se quer falar, quem sai derrotado desta decisão é a democracia, é o regime democrático, é a rectificação de uma política desgraçada, é o PR na sua relação com os que mais sofrem, na sua relação com os democratas, na sua relação com a esquerda consequente..

O Presidente vai continuar a ter à sua volta os cortesãos, os louvaminhas, mas a sua credibilidade foi profundamente atingida. O futuro mostrar-nos-à em que é que se traduz, no concreto os avisos e a vigilância do PR.

A mobilização popular necessária para vencer a crise, relançar a economia em bases sólidas, rectificar a legislação inaceitável e abrir uma porta de esperança, sofreu um revés.

O Primeiro Ministro indigitado, tal como fez o comparsa da Defesa, vai agora pôr a máscara de uma posição de Estado, encenar a humildade, o rigor e a competência, com a mesma pose com que o outro falava dos remédios, da lavoura e dos velhinhos. Ambos vão pôr o contador a zero, como se o governo fosse novo, como se não fossem a continuação do anterior, como se não tivessem qualquer responsabilidade, e para esta metamorfose lá estarão os brasileiros e americanos da propaganda, já treinados no “Lisboa está mais bonita” ou “Estamos a modernizar Lisboa”.

Perdeu-se uma oportunidade de rectificar legislação reaccionária e de regressão social e democrática.

Perdeu-se uma oportunidade de se alcançar uma nova maioria e com ela dar resposta ao drama e ao flagelo do aborto clandestino, e à perseguição e criminalização das mulheres.

Perdeu-se uma oportunidade de alterar a política económica que vai condenar o país pelo menos em 2004 e 2005 a continuar a afastar-se do crescimento médio da UE, quando Durão Barroso tinha prometido que com ele o país cresceria sempre dois pontos acima da média da UE.

Perdeu-se uma oportunidade de se dar combate efectivo ao desemprego, ao trabalho precário, aos baixos salários e à política de concentração de riqueza.

Perdeu-se esta batalha, mas a luta continua. Disso podem ter a certeza Santana, Portas e companhia.

Este governo derrotado e desacreditado, este governo do desemprego, da precariedade, da pobreza, da acentuação das desigualdades, das concepções reaccionárias sobre as mulheres, sobre a família, sobre os direitos de quem é obrigado a vender a sua força de trabalho, foi premiado.

Não por nós que o desmascarámos e lhe apontámos o cartão vermelho em nome dos trabalhadores e do povo. E o governo de Santana Lopes terá de nós a firme oposição nas instituições e fora delas.

Não cruzaremos os braços, não viraremos as costas ao combate e à mobilização popular. Com confiança vamos para a luta, combatendo todas as medidas que atinjam os trabalhadores, o povo e o país.

O outro foi combatido e derrotado. Na noite das eleições disse que tinha lido os sinais que o povo lhe tinha dado. E quando o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD jurava a pés juntos que o Primeiro Ministro nunca quebraria os compromissos que tinha com o povo português, já este estava a fazer as malas para Bruxelas, para o exílio dourado e bem remunerado...

Agora há que continuar a luta.

Nós não nos resignaremos a que o PSD e o CDS prossigam, até Outubro de 2006, a sua obra de destruição e de retrocesso e continuaremos a intervir pela crítica, pela proposta e pela mobilização das massas, para que, tão cedo quanto possível, seja posto termo à existência do governo de direita e, por vontade dos portugueses, conquistado um outro caminho, que dê resposta aos problemas, que leve à prática a igualdade de direitos das mulheres, que promova a justiça social, que abra os caminhos do progresso de Portugal, numa Europa de paz e de cooperação.

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