Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Todos os trabalhadores portugueses começam a construir o futuro ao assumir a luta como arma

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Debate da interpelação centrada nas consequências do pacto de agressão na vida dos portugueses — a grave crise económica em que se traduz a aplicação do «memorando de entendimento
(interpelação n.º 3/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Contam-se 10 meses desde a assinatura do pacto de agressão pela troica nacional — PS, PSD e CDS —, que viria a entregar formalmente os comandos do País às forças ocupantes, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia. O País está menos democrático, mais dependente e mais injusto, a economia está em recessão e os portugueses estão mais pobres. Nestes 10 meses, pela mão do PSD e do CDS, intensificaram-se as políticas de destruição e de afundamento nacional que o PS já vinha seguindo com afinco, na senda do ajuste de contas com a Revolução de Abril e com os direitos sociais.
A aceitação do pacto de agressão pelo PS, pelo PSD e pelo CDS provocou o sequestro da democracia portuguesa e mantém cativos os direitos dos homens, mulheres e jovens portugueses, aprofundando uma orientação política à margem da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, tudo o que o povo português construiu com Abril está sob o mais agressivo ataque.
O Serviço Nacional de Saúde, a segurança social, a escola pública gratuita e de qualidade, a liberdade cultural e artística e a própria democracia política são alvo de ataques sem precedentes, que têm como principal objetivo reforçar os monopólios e reconstruir os privilégios de um punhado de grandes grupos económicos à custa da vida e do trabalho dos portugueses.
As troicas — a doméstica e a estrangeira —, fazem uma «avaliação positiva» da aplicação daquilo a que chamam Memorando de Entendimento. Por si só, essa avaliação demonstra bem o verdadeiro caráter e a verdadeira natureza de classe desse pacto de agressão e submissão: a recessão aprofunda-se e o País perdeu, em dois anos, 5% da sua riqueza; há já mais de 1,2 milhões de portugueses no desemprego, dos quais 75% não têm qualquer prestação social de apoio a essa situação; os salários baixam a cada ano que passa e um vasto conjunto de portugueses foi roubado nos subsídios de Natal e de férias; a procura interna caiu mais de 6%; milhares de famílias entregam a sua casa à banca por não terem condições de assumir o pagamento das prestações. A recessão agrava-se de tal forma que, mesmo num contexto de aumento da carga fiscal, a receita do Estado caiu, expondo uma situação de exaustão fiscal.
São pessoas que ficam sem casa, sem emprego, sem abono de família, sem dinheiro para as propinas, para a alimentação, para os remédios, para os transportes, para a água e para a luz.
O agravamento da pobreza degrada a condição social daqueles que já eram pobres e alastra como uma mancha a novas camadas sociais, os novos pobres, que hoje passam por privações até dos bens mais básicos por responsabilidade direta das políticas do PSD e do CDS. Quem desta situação faça avaliação positiva assume que estes são os seus objetivos e que nunca teve outros. O Governo quer, de facto, empobrecer os portugueses e o País.
Aplausos do PCP.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Foi ou não foi a política de direita da União Europeia e a política de direita em Portugal que esteve na origem da destruição da agricultura, das pescas, da indústria transformadora, da indústria pesada e da indústria extrativa? Foi ou não foi a total liberdade de movimentos para os banqueiros e outros senhores do dinheiro que gerou os buracos que o Governo corre agora a tapar, como o gigantesco buraco do BPN, para o qual 8000 milhões de euros do dinheiro dos portugueses não foram ainda suficientes para que se lhe veja o fundo? E sempre, sempre, pelas mãos do PS, do PSD e do CDS…
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os lucros dos grandes grupos económicos, com destaque para os monopólios da distribuição, para a EDP, para a GALP e para a banca, não conhecem limites e continuam a crescer, em contradição com a propaganda da crise.
Enquanto não há meios para garantir o acesso e frequência do ensino superior aos estudantes e são aos milhares os que desistem porque não têm dinheiro, são mais de 30% os jovens que não têm emprego e os jovens que entram hoje no mundo do trabalho não sabem o que é o direito a ter direitos;
Enquanto se encerram centros de saúde, se diminuem horários, faltam enfermeiros e médicos, se encerram serviços de hospitais e as pessoas não têm 17,5 € para pagar uma taxa moderadora, ou 50 € se fizerem um exame, e esperam em casa que fiquem melhores porque não têm dinheiro para ir ao hospital ou para pagar o transporte;
Enquanto se extinguem carreiras, se aumentam os preços dos transportes, se liquidam empresas de transportes públicos e os trabalhadores veem a sua vida desorganizada, saindo de casa de noite e chegando a casa à noite, porque nem direito têm a ver o sol, que já não nasce para todos;
Enquanto se pretende extinguir 1500 freguesias, afastar eleitos e eleitores, atacar o poder local democrático e 35 anos de serviço público dos eleitos locais, aprofundando ainda mais o processo de desertificação do interior do País;
Enquanto se cortam salários e pensões, se exigem devoluções da ordem de milhares de euros a pensionistas que tentam sobreviver com 200 €/mês, se congela o valor do indexante de apoios sociais, deixando os idosos do nosso País à mercê da caridade das pessoas e das instituições de apoio social;
Enquanto se roubam prestações sociais, como o abono de família, a mais de 1,25 milhões de crianças, enquanto se empurram as mulheres para a pobreza, aceitando novas formas de escravatura, como a exploração na prostituição, como inevitabilidades dos tempos de crise;
Enquanto isto, oferecem-se 12 000 milhões de euros à banca (são 40 anos de ensino superior gratuito para todos, da licenciatura ao doutoramento) e há mais 8000 milhões de euros para o BPN (são mais de quatro anos de medicamentos gratuitos para todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde), enquanto isto, o Estado deixa por cobrar 2200 milhões de euros em contrapartidas militares (12 anos de Orçamento do Estado para a cultura e as artes).
No essencial, enquanto a uns são exigidos todos os esforços, a outros são entregues de bandeja os privilégios.
A obsessão pelo controlo do défice orçamental continua a ser um elemento fundamental da política de desmantelamento do Estado e dos serviços públicos. O Governo teima em dizer que, custe o custar, não pedirá mais tempo nem mais dinheiro para o País, mas não hesita em dar sempre mais tempo e mais dinheiro ao setor financeiro, que está, curiosamente, na origem de todos os problemas que o País atravessa.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Custe o que custar, a legislação laboral que o Governo quer agora fazer aprovar pretende que os trabalhadores portugueses paguem os lucros dos patrões com a sua vida pessoal e familiar, com os seus direitos conquistados.
O despedimento sem justa causa, a desvalorização das horas extraordinárias, o banco de horas e a desregulação dos horários de trabalho, o ataque à negociação coletiva e a generalização da precariedade são retrocessos sociais tão injustos quanto inaceitáveis.
O horário de trabalho de 8 horas — pelo qual tantos homens e mulheres por todo o mundo, e também aqui, lutaram, alguns com a própria vida — é uma conquista histórica neste momento ameaçada por uma suposta modernidade. Essa modernidade, de mais exploração, de menos salários e de mais horário, é a modernidade dos patrões, a modernidade dos que não sabem o que é viver com os rendimentos do trabalho próprio, a modernidade dos senhores do dinheiro e do Governo. É a modernidade dos que nunca saberão o que é viver sem estabilidade laboral, dos que nunca precisarão de esperar nas filas do centro de saúde ou do hospital ou nas filas de um centro de emprego, dos que não precisam de ação social escolar, dos que engordam com os lucros à custa do empobrecimento dos outros.
Essa modernidade é o passado. Os portugueses já venceram o passado e, certamente, tornarão a fazê-lo agora.
É contra esse retrocesso, essa modernidade bafienta, que os trabalhadores portugueses erguerão já hoje os piquetes para a greve geral de amanhã, e contra essas políticas negarão um dia de trabalho, um dia de salário, é certo, mas também um dia de exploração.
Dizem-nos que acatar as medidas de austeridade, acatar os roubos, aceitar passivamente a destruição do nosso País, emigrar e desistir são as únicas soluções, que se aceitarmos o sacrifício agora um dia melhor virá, mas engana-nos e mente quem tal nos diz.
A situação nacional demonstra precisamente o inverso: quanto maior for a aceitação destas medidas, mais ávidas e mais ferozes serão as medidas daqueles que delas beneficiam; quanto mais submissos forem os governos, quanto mais conformados estiverem os idosos, os jovens, os homens e as mulheres que trabalham, mais longe irão os grandes grupos económicos na sua marcha de supressão de direitos, de exploração e de afundamento do País. Por isso mesmo, apenas o caminho contrário se mostra como solução: o caminho da luta, da valorização do trabalho e da produção nacional, do respeito pelos trabalhadores portugueses, de mais e melhor preparação dos jovens para a vida ativa, de mais cultura e de aprofundamento da democracia.
São esses os eixos de uma política necessária, de uma política patriótica ao serviço do povo que assuma o fim da ocupação nacional, resgate a soberania e devolva o poder ao povo. São esses os eixos fundamentais para romper com o caminho de destruição e de afundamento, para reganhar o futuro e o presente do País das garras dos que enriquecem na sombra, na corrupção, na exploração e no roubo.
São esses os eixos que já amanhã, já hoje mesmo, todos os trabalhadores portugueses começam a construir com a sua luta. São esses os pilares sobre os quais se edifica um país — trabalho, democracia e direitos, e não roubo, corrupção e submissão. São esses os pilares que, com a sua greve geral e tantas outras lutas, os trabalhadores portugueses erguerão.
Daqui, o Grupo Parlamentar do PCP deixa um apelo, nas palavras do poeta: «não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar». E nada é impossível de mudar!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Encarnação,
Serei breve: as questões são simples e uma das vantagens de ser Deputado comunista é mesmo, Sr. Deputado, acreditar sempre no que se diz e se faz aqui dentro, e fazer aqui o mesmo que se faz lá fora.
Não é como os Deputados do PSD, que, em eleições, andam lá fora a dizer uma coisa e aqui dentro fazem sempre outra e nunca sabemos no que acreditam.
Sr. Deputado, todas as questões que nos coloca são, muito claramente, para fazer uma tentativa desesperada de ataque à greve e à luta dos trabalhadores.
É compreensível, até pelo historial de governos do PSD, que a greve seja, de facto, uma ameaça ao que consideram a vossa estabilidade governativa, porque a luta dos trabalhadores, de facto, é determinante para vencer a ofensiva que estão a dirigir aos trabalhadores portugueses. É perfeitamente compreensível que o PSD, o CDS e o Governo tremam perante a greve geral e tremam perante a luta dos trabalhadores e o exercício de memória que desafio o Sr. Deputado a fazer é este: estou certo que, em 1962, quando milhares e milhares de trabalhadores portugueses lutavam pela jornada de 8 horas de trabalho, os membros da Assembleia Nacional que se sentavam nesta Câmara falariam exatamente como o senhor acabou de falar.

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