Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"A sustentabilidade da dívida é um problema social"

No debate sobre a dívida pública realizado hoje na Assembleia da República, João Oliveira afirmou que os processos de renegociação não afundam os países no caos, resolvem os problemas económicos e sociais dos povos.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Renegociar a dívida pública é uma exigência e um imperativo nacional. A sua dimensão colossal exige uma ação decisiva nos moldes que o PCP vem propondo há quase quatro anos, envolvendo a redução de montantes, o alargamento dos prazos de pagamento e a diminuição das taxas de juro com vista a garantir um serviço da dívida compatível com o crescimento económico e a promoção do investimento e do emprego.
Não renegociar a dívida ou renegociá-la no interesse dos credores significa prolongar por décadas a política de exploração, empobrecimento e desastre nacional; significa a continuação dos cortes nos salários, nas pensões e nas prestações sociais, na saúde, na educação, na ciência cultura e nos serviços públicos; significa a degradação dos direitos laborais, do poder de compra e das condições de vida dos trabalhadores; significa a venda ao desbarato de empresas estratégicas, o definhamento económico e a alienação de parcelas crescentes da soberania nacional. Mas não basta renegociar a dívida, é preciso atacar e resolver os problemas que estiveram na origem do galopante endividamento público: a desindustrialização, a desvalorização da agricultura e das pescas, o abandono do aparelho produtivo nacional, as privatizações, a crescente «financeirização» da economia, a especulação financeira, a submissão às imposições da União Europeia e dos monopólios nacionais estrangeiros, a perda da soberania monetária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, em abril de 2011, quando o PCP propôs, pela primeira vez, a renegociação da dívida — e foi o primeiro partido a fazê-lo —, levantou-se um coro de protestos e de críticas. Passados quase quatro anos, perante as dramáticas consequências da submissão de Portugal às exigências dos mercados financeiros, amplos setores da sociedade portuguesa reconhecem a insustentabilidade da dívida e a necessidade de ceder à sua renegociação.
Embora esta evolução seja positiva e nos deixe naturalmente satisfeitos, não podemos deixar de alertar para o facto de alguns, falando de renegociação ou de reestruturação da dívida pública, pretenderem, na realidade, manter a política de submissão aos mercados financeiros e aos interesses do grande capital e continuar a usar a dívida como pretexto para liquidar os direitos dos trabalhadores e do povo.
Renegociar a dívida pública não é, Sr. Deputado Duarte Pacheco, uma mera troca de títulos da dívida nos mercados financeiros, nem pode representar uma fuga em frente no aprofundamento do rumo federalista e neoliberal da União Europeia. Renegociar a dívida exige a rutura com a política de direita, o efetivo controlo do setor financeiro nacional e a rejeição do Tratado Orçamental e de outros condicionalismos do euro que limitam drasticamente a soberania nacional.
Quem quiser uma verdadeira mudança de política tem de assumir um compromisso inequívoco com a renegociação da dívida, realizada no interesse do povo português e não dos credores, uma renegociação que, libertando Portugal da ditadura dos mercados financeiros e rejeitando o favorecimento do grande capital nacional e transnacional, assegure o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,
Falando da sustentabilidade da dívida pública temos de falar necessariamente do tratado orçamental. Um tratado que foi assumido não apenas pelo PSD e pelo CDS, mas também pelo PS, e que impõe que Portugal reduza a sua dívida pública para valores inferiores a 60% do PIB em 20 anos.
Este objetivo de redução da dívida para este valor só poderia ser atingido se fosse cumprido, simultaneamente e durante esses 20 anos, um conjunto de condições extremamente exigentes, em particular um crescimento do PIB nominal da ordem dos 4% e um saldo primário igual ou superior a 3,5%.
Sr.ª Ministra, desde a adesão ao euro, Portugal não cumpriu essas condições em nenhum ano, aliás, nenhum país da zona euro cumpriu estas condições todos os anos nos últimos 14 anos.
Há um consenso cada vez mais alargado no sentido de que não será possível Portugal cumprir estas condições, muito menos durante 20 anos consecutivos. Ou seja, Sr.ª Ministra, temos de concluir necessariamente que a dívida pública portuguesa é insustentável.
Na Conferência Parlamentar sobre Dívida Pública, realizada na passada terça-feira, nenhum dos oradores convidados, incluindo aqueles que foram convidados pela maioria PSD/CDS, defendeu que Portugal conseguiria cumprir o tratado orçamental. As opiniões, nessa conferência, dividiram-se entre a quase impossibilidade e a impossibilidade total de cumprimento do tratado orçamental.
Por isso, Sr.ª Ministra, quero perguntar-lhe se ainda considera que é possível cumprir as metas do tratado orçamental no que diz respeito à dívida pública.
Considera que é possível atingir saldos orçamentais primários de 3,5% e mantê-los a esses níveis durante 20 anos? Considera possível reduzir a dívida pública para 60% nos próximos 20 anos? Estas são perguntas concretas que exigem respostas concretas, Sr.ª Ministra.
Antecipando a possibilidade de a Sr.ª Ministra responder afirmativamente, o que só demonstraria que este Governo está completamente desligado da realidade, vejamos quais seriam as consequências para Portugal e para os portugueses da tentativa de cumprir as condições draconianas do tratado orçamental.
Apesar de, nos últimos anos, o Governo ter imposto brutais medidas de austeridade, levando ao empobrecimento dos portugueses e ao afundamento da economia nacional, o saldo primário será este ano, de acordo com as previsões do Governo, de apenas 0,3%, portanto, um valor muito aquém dos 3,5% necessários para garantir a sustentabilidade da dívida pública.
Para que o saldo primário atingisse os valores requeridos e se mantivesse a esse nível no futuro seria necessário prolongar a política de austeridade por décadas.
Assim, quando o Governo e a maioria PSD/CDS defendem a sustentabilidade da dívida pública o que estão na realidade a defender é a condenação de Portugal e dos portugueses a um empobrecimento sem fim.
Sr.ª Ministra, perante as evidências, tem de reconhecer que a dívida pública é insustentável ou, então, admitir que o programa político do Governo visa o empobrecimento dos trabalhadores e do povo português.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Estamos quase a terminar este debate e ainda não percebemos qual é a posição do PS sobre a questão da renegociação da dívida.
O Sr. Deputado Eduardo Cabrita veio aqui dizer que está na hora de discutir. Mas quais são as propostas concretas do PS para as podermos discutir?
Veio aqui dizer que o debate da dívida pública não é tabu. Já desde abril de 2011 que colocamos a questão da renegociação da dívida. Mas, se não é tabu, o PS deveria dizer aqui quais são as suas posições concretas.
Veio o Sr. Deputado João Galamba dizer aqui que Portugal deve bater-se na União Europeia. Deve bater-se porque propostas concretas? Quais são as posições concretas que o PS defende sobre a renegociação da dívida?
O PS já não dispõe de tempo para responder a estas questões, mas ainda há a fase de encerramento e nessa altura deveria clarificar quais são as suas posições concretas sobre a renegociação da dívida e também sobre o tratado orçamental.
Diz o PS que não é possível cumprir as metas do tratado orçamental, mas nós, há uns meses, apresentámos um projeto de resolução propondo a rejeição do tratado orçamental, um tratado cujas metas são impossíveis ou quase impossíveis de alcançar e que teria consequências terríveis, dramáticas, para o povo português. Mas o PS votou contra a nossa proposta de rejeição.
Se não é possível cumprir o tratado orçamental, mas também não o querem rejeitar, qual é a solução? Em vez de serem 20 anos, serem 25? Prolongar a agonia da austeridade?
São estas questões que gostaríamos de ver respondidas para perceber qual é a posição do PS.
Entendemos que o PS não deveria sair daqui sem assumir um compromisso claro e inequívoco com a renegociação da dívida, uma renegociação ao serviço de Portugal e dos portugueses e não ao serviço dos credores.

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