Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre o voto de condenação da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Agastada com a aprovação por esta Assembleia de um voto de condenação da ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia pelas autoridades de Kiev, a Sr.ª Embaixadora da Ucrânia decidiu usar as páginas da imprensa portuguesa, de forma arrogante e sobranceira, para atacar violentamente a Assembleia da República por defender as liberdades democráticas.

Era bom que a Sr.ª Embaixadora entendesse que o País em que está acreditada é um País soberano e democrático e que, ao contrário das autoproclamadas autoridades de Kiev, a Assembleia da República é um órgão de soberania democraticamente legitimado pela vontade do povo português.

Entendeu, porém, o PSD, num ato de subserviência, curvar-se perante a arrogância da Sr.ª Embaixadora e pedir-lhe humildemente desculpa pela suposta afronta, apresentando um voto em que procede à exumação do cadáver de uma campanha lançada há vários anos pela extrema-direita ucraniana, assente numa grosseira violação da verdade histórica.

É verdade que, no início dos anos 30 do século passado, o povo da Ucrânia sofreu uma vaga de fome de enormes proporções e de gravíssimas consequências. Seria desonesto não o reconhecer e, para desonestidade, já basta o voto do PSD.

A escassez de bens alimentares que conduziu a essa vaga de fome teve causas diversas, não apenas decorrentes dos efeitos devastadores da crise económica mundial de 1929 ou de condições climatéricas extremamente adversas, mas também dos conflitos gerados em torno das alterações verificadas na estrutura e na organização da propriedade fundiária.

A situação de fome que se verificou no início dos anos 30 em diversas regiões da URSS, mas não apenas na URSS, teve consequências muito graves para os povos atingidos, e esse facto nunca foi desmentido.

Mas manda a verdade histórica que se diga que essa vaga de fome não vitimou apenas o povo da Ucrânia, vitimou também o sul da Bielorrússia, a região do Volga, do Kuban e do Dom, outras regiões da Rússia e até, fora da URSS, a Ucrânia Ocidental, então integrada na Polónia.

Afirmar, como pretende o voto do PSD, que a fome de 1932/1933 foi um ato de genocídio perpetrado pelo poder de Moscovo contra o povo da Ucrânia é uma tal falsidade que vem convergir com a violenta campanha de provocação contra a Rússia, lançada a partir do poder instalado em Kiev, que pretende reabilitar e transformar em heróis os grupos da extrema-direita ucranianos que, na II Guerra Mundial, colaboraram com o ocupante nazi e que retoma os termos da propaganda antissoviética lançada na Alemanha nazi nos anos 30.

Depois de ter proposto, na semana passada, um correto voto sobre a paz na Ucrânia, este voto proposto pelo PSD vem desmentir esse voto e vem exatamente no sentido contrário.

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