Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre a proposta de lei das quotas

1. Há hoje um generalizado reconhecimento de que persiste um défice de participação política das mulheres aos vários níveis dos seus centros de decisão. Défice de participação em igualdade que é também muito evidente noutros importantes domínios da sociedade portuguesa.

O PCP entende que o aumento da participação política das mulheres deve ser encarado tanto na perspectiva do reforço da sua presença activa nos centros de decisão política, como da intervenção das cidadãs eleitoras nas tomadas de decisão nos órgãos de poder político que ajudaram a eleger.

Este reforço impõe um processo dinâmico em que sejam concretizadas estratégias de acção que comprometam os diferentes intervenientes, que de forma conjugada tem de intervir neste processo – os partidos, o poder político e a sociedade.

2. Nestas estratégias de acção têm de ser incluídas medidas de combate a preconceitos e atitudes discriminatórias do papel das mulheres em todos os domínios da esfera pública e privada, associadas à concretização de políticas de promoção da igualdade de direitos e de oportunidades na vida económica, social, política e cultural e ao avanço na solução de problemas (há uma gritante falta de creches, infantários e estruturas de apoio à terceira idade...) que tanto pesam e criam dificuldades a uma maior participação das mulheres na vida política e sobretudo às mulheres trabalhadoras de menores rendimentos.

A proposta do governo de imposição de uma quota obrigatória de 25% de mulheres nas listas para o Parlamento Europeu e Assembleia da República com a penalização de exclusão dos que não cumpram este requisito não é, na opinião do PCP, a solução adequada para ultrapassar o défice de participação das mulheres aos vários níveis de decisão (muitas mulheres consideram mesmo a quota humilhante) e representaria um grave precedente de ingerência legislativa na vida interna dos partidos e uma limitação à intervenção eleitoral de partidos legalmente constituídos.

É uma proposta que cria falsas expectativas quanto ao alcance e eficácia dos seus resultados, penaliza exclusivamente os partidos e desresponsabiliza outros intervenientes neste processo e, em especial, o Governo.

Por outro lado, não deixa de ser muito revelador do carácter fundamentalmente cosmético da proposta do governo que ela se ocupe de quotas obrigatórias para um universo de 25 deputados ao Parlamento Europeu e 230 à Assembleia da República, mas ignora completamente o universo de 40.000 eleitos do Poder Local.

3. E o governo do PS, procura desvalorizar as consequências nefastas para as trabalhadoras, de medidas que se propõe levar por diante, como a anunciada intenção de limitar os dias de férias em função do número de faltas dadas legalmente, ou a de alargar o trabalho a tempo parcial, entre outras.

Estas medidas acentuariam as desigualdades das trabalhadoras, nas quais se incluem as jovens, que sendo uma parcela crescente da população activa continuam a não ter garantias de igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, no tratamento e progressão na profissão, na valorização da sua mão-de-obra e justa retribuição.

As opções fundamentais deste governo repercutem-se, ainda, na manutenção de discriminações e condiciona a participação em igualdade de muitos milhares de mulheres na vida social, política, cultural e desportiva.

4. O PCP está claramente à frente dos restantes partidos no esforço de contribuir para uma maior participação política das mulheres.

Recordamos que, nas eleições legislativas de 95 as mulheres foram 22% dos nossos candidatos e corresponderam a 26,7% dos eleitos pela CDU, Coligação que integra o PCP e os seus aliados (4 mulheres em 15 deputados).

No Grupo Parlamentar do PCP com 13 deputados foram eleitas 2 mulheres (15%) e no grupo parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" forma eleitas 2 mulheres (100%).

No PS as mulheres representam 12,5% dos seus deputados, no PSD, 8% e CDS-PP 20%.

Nas autarquias importa recordar que – considerando o conjunto dos órgãos autárquicos –, no mandato de 93/97, as mulheres eram apenas 7,5% dos eleitos.

Na CDU correspondiam a 14,5% dos seus eleitos, no PS 7,2%; no PSD 6,7% e no CDS-PP 5,7%.

Não obstante estes dados, o PCP não está satisfeito com os resultados até agora, por si, obtidos.

5. Neste quadro, a posição do PCP sobre esta matéria define-se em torno de quatro ideias fundamentais e indissociáveis:

1ª – O PCP pronuncia-se contra a proposta de lei do Governo e considera que este a deve retirar da Assembleia da República.

2ª – Recordando que, nas últimas eleições legislativas, a percentagem de mulheres candidatas nas listas da CDU ascendeu a 22%, o PCP assume o compromisso público de, nas próximas eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, assegurar um significativo reforço da participação de mulheres nas listas, o que corresponderá obviamente a uma percentagem superior à que a proposta de lei do Governo (25%) pretende impor para as eleições deste ano e de 2003.

3ª – O PCP desafia as outras forças políticas a assumirem publicamente compromissos similares, assim se poupando ao desprestígio de só por imposição de uma lei serem capazes de fazer o que deveria estar ao seu alcance por decisão própria, voluntária e soberana. 4ª – O PCP apela a todos os cidadãos e a todos os eleitores, designadamente aos que justamente consideram que é necessário aumentar a participação das mulheres na vida política, para que acompanhem a forma como os diversos partidos concretizam ou não os compromissos que assumirem, integrando também este elemento no processo de formação da sua opção de voto.

Como se vê, a posição do PCP não se resume a um simples não à proposta de lei do Governo.

Sem esquecer os problemas e condicionantes de fundo, a posição do PCP comporta convictamente a ideia de que cabe aos partidos darem sinais e testemunhos de que querem promover avanços na participação feminina na vida política que, por sua vez, favoreçam uma dinâmica de mais largo fôlego.

Mas é sobretudo a proposta da passagem do terreno da imposição autoritária por lei para o terreno da responsabilização e empenho voluntário dos partidos.

É também a proposta da passagem do terreno da imposição administrativa para o terreno – seguramente eficaz – da pressão dos movimentos de opinião e da sanção ou prémio em termos eleitorais.

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