Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Sobre o pedido de autorização da declaração do estado de emergência

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Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhoras e senhores Deputados,

Nos termos da Constituição e da lei do estado de sítio e de emergência, a declaração do estado de emergência não deve ser decidida em função de considerações abstractas ou teóricas, exige a verificação fundamentada da existência de um quadro excepcional que possa justificar tal decisão e das medidas que em concreto se identifique que só podem ser concretizadas a partir dessa declaração.

Olhando para a realidade que o País vive hoje, constata-se que as medidas entretanto determinadas no âmbito da prevenção e contenção do surto epidémico têm sido cumpridas de forma generalizada e voluntária pelas populações e pelas diversas entidades e instituições públicas e privadas.

Destaca-se o profissionalismo e abnegação com que profissionais das mais diversas áreas têm dado um contributo decisivo para que as medidas decididas sejam cumpridas e o País continue a funcionar com a normalidade possível no contexto que delas resulta. Destacam-se ainda as muitas expressões genuínas de solidariedade com que o povo português tem encontrado soluções para que aqueles que estão numa situação de maior vulnerabilidade não fiquem ao abandono e tenham as suas necessidades correspondidas.

É essencial que no plano político sejam adoptadas as medidas necessárias e adequadas a enfrentar os problemas de saúde pública, dos trabalhadores, da economia, do funcionamento geral da sociedade.

Há a possibilidade de adopção de novas medidas que se revelem adequadas e necessárias para responder a todos esses problemas.

A Constituição e a lei – designadamente a Lei de Bases de Protecção Civil e o Sistema de Vigilância em Saúde Pública – prevêem a possibilidade de adoptar medidas de prevenção e contenção de maior vigor, estando também previstos os correspondentes procedimentos para garantir o seu cumprimento. Os regimes das situações de alerta, contingência e calamidade prevêem com alguma amplitude essas possibilidades.

Destacam-se neste âmbito as possibilidades de:

a) Tomada de medidas de excepção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de actividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infecção ou contaminação;

b) emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação;

c) requisição de todos os sistemas de vigilância e detecção de riscos, bem como dos organismos e instituições, qualquer que seja a sua natureza, cujo conhecimento possa ser relevante para a previsão, detecção, aviso e avaliação de riscos e planeamento de emergência;

e) mobilização civil de pessoas, por períodos de tempo determinados;

f) estabelecimento de limites ou condições à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos, nomeadamente através da sujeição a controlos colectivos para evitar a propagação de surtos epidémicos;

g) fixação de cercas sanitárias de segurança;

h) racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade;

i) possibilidade de requisitar temporariamente bens ou serviços em função da urgência e do interesse público e nacional que fundamentam a requisição;

j) possibilidade de livre acesso dos agentes de protecção civil à propriedade privada bem como a utilização de recursos naturais ou energéticos privados; ou recurso a um regime especial de contratação de empreitadas de obras públicas, fornecimento de bens e aquisição de serviços.

Esse vasto conjunto de medidas de prevenção e contenção podem e devem, nos termos da lei, ser adotadas de forma gradual face a desenvolvimentos de agravamento do surto epidémico.

A sua adopção deve ser considerada nos termos previstos na Constituição e na lei para cada uma das situações de alerta, contingência e calamidade, devendo o Governo avaliar em cada circunstância a aplicação de cada um desses regimes específicos.

Apenas na circunstância de se verificar o incumprimento das medidas decididas ou a necessidade de adoptar medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias se deveria ponderar então a declaração do estado de emergência nos termos adequados e proporcionais. Como já afirmámos, o PCP não desconsidera a possibilidade de o recurso ao estado de emergência vir a ser necessário mas irá abster-se na proposta cujos termos são agora apresentados.

Por fim, queremos sublinhar um aspecto que se torna cada vez mais evidente na vida nacional e que, sendo revelador das dificuldades com que o País está confrontado e da necessidade de tomar imediatamente as medidas que a lei já prevê para as enfrentar, exige simultaneamente alterações de fundo nas opções políticas a concretizar.

Não é admissível que empresas de produção de material médico, clínico ou farmacêutico chantageiem o Estado relativamente ao aumento da produção e coloquem os seus lucros presentes e futuros à frente das necessidades dos serviços de saúde e dos doentes.

Não é admissível que a actuação de grupos económicos possa ameaçar cadeias de distribuição de bens essenciais, deixando para segundo plano as necessidades do povo e decidindo concentrar a sua actividade naquilo que mais rentabilidade pode garantir no imediato.

Não é admissível que sectores e serviços que correspondem a necessidades sociais impreteríveis sejam ameaçados de paragem em consequência de decisões de abandono da produção ou fecho de portas por parte de empresas privadas sem qualquer tipo de intervenção do Estado que salvaguarde as consequências de tais decisões para o povo e o País.

Estes problemas exigem que o Governo utilize os mecanismos que tem hoje já ao seu dispor para colocar os direitos do povo e o interesse nacional à frente dos objectivos do lucro de quem procure aproveitar-se desta situação.

Mas são também exemplos flagrantes de que a lógica do capitalismo e as regras dos seus mercados não correspondem aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e que o abandono pelo Estado de sectores estratégicos ao longo de décadas se revela agora com uma crueza inaudita como uma espada sobre a cabeça do nosso destino colectivo como País e como povo.

Não há agora hipótese de simplesmente impedir as consequências dessas opções erradas da política de direita mas há condições para se encontrar na resposta à situação de crise que enfrentamos as bases de uma política alternativa que sirva os interesses dos trabalhadores e do povo e a sociedade que precisamos de construir.

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