Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre o Estatuto dos Magistrado Judiciais

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O que hoje se vota nesta Assembleia não é o aumento dos vencimentos dos magistrados judiciais. O que hoje se vota nesta Assembleia é um novo Estatuto dos Magistrados Judiciais que concluiu um processo que o Governo PSD/CDS não quis concluir, faltando a todos os compromissos assumidos na legislatura anterior.

Reduzir a importância da aprovação do Estatuto dos Magistrados Judiciais, há muitos anos prometida e sempre adiada, a uma mera questão salarial, é olhar para um arbusto e ignorar a floresta. O actual estatuto é de 1985 e teve 15 alterações avulsas. A organização judiciária conheceu, entretanto, alterações profundas. A revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais tornou-se inadiável.

O que hoje se vota nesta Assembleia tem implicações remuneratórias na medida em que põe termo a uma anomalia estatutária imposta há quase 30 anos pelo Primeiro Ministro Cavaco Silva.

O estatuto remuneratório dos magistrados nunca foi indexado ao dos titulares de cargos políticos. Sempre tiveram um estatuto remuneratório autónomo no qual alguns juízes de tribunais superiores auferiam uma remuneração superior à do Primeiro Ministro.

Sucede que em 1989, o Primeiro Ministro Cavaco Silva ditou à maioria absoluta de que dispunha nesta Assembleia uma norma que em linguagem corrente se traduz no seguinte: “nenhum juíz pode ganhar mais do que eu!”.

A manutenção desta cláusula barreira ao longo de 30 anos tornou impossível a adopção de uma tabela que pudesse diferenciar em termos remuneratórios a progressão na carreira dos juízes dos tribunais superiores.

O que hoje se decide em termos remuneratórios é a remoção dessa anomalia, fixando o tecto máximo das remunerações dos magistrados já não no vencimento do Primeiro Ministro, mas em 90 % do vencimento do Presidente da República. Como é óbvio, não se trata de pôr os juízes a ganhar mais que o Primeiro Ministro dado que essa possibilidade só ocorrerá em casos muito limitados de juízes de tribunais superiores.

O argumento de que não se pode tocar no estatuto remuneratório dos magistrados porque os seus vencimentos são superiores à média salarial dos trabalhadores é um argumento demagógico e justificador de todos os retrocessos.

Remunerações imorais são as dos banqueiros e dos gestores que decidem dos seus próprios vencimentos milionários enquanto pregam a moderação salarial para os outros.

A luta do PCP é pelo aumento geral dos salários, para todos os trabalhadores, do sector público e do sector privado. Pela valorização das profissões e das carreiras. Pelo aumento do salário mínimo nacional para 850 euros. O caminho do progresso social passa pela valorização dos salários. Os trabalhadores portugueses têm de ganhar mais e a luta pelo aumento generalizado dos salários não se faz a defender a manutenção de anacronismos salariais que só o ambiente mediático e populista em que vivemos permite justificar. O problema dos salários em Portugal não é alguns juízes ganharem muito. É muitos trabalhadores ganharem pouco. E é pelo aumento dos salários destes muitos que o PCP continuará a lutar.

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