Nota do Gabinete de Imprensa do PCP

Sobre as comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões

1. Assinala-se em 2024 o V Centenário do nascimento de Luís de Camões, cuja obra, inseparável de um mundo em transformação, é símbolo de humanismo progressista. 

2. A figura e obra de Camões foram manipuladas pelo fascismo, que, procurando cobertura ideológica para esse regime iníquo, as utilizou para propagandear o nacionalismo fascista e a sua concepção colonialista.

Camões, «Os Lusíadas», 10 de Junho (a que, sintomática e abusivamente, chamavam «dia da raça»), foram criminosamente usados para promover o obscurantismo, a manipulação das consciências e a censura, que impunham ao povo português pelos mais diversos meios de controlo ideológico, repressão e terror.

3. Um entendimento bem diferente é devido, porém, a Camões e à sua obra. Camões tem uma significativa importância na nossa história cultural. A classe operária, os trabalhadores, o povo português e os seus artistas, têm o direito e o dever de promoverem e enriquecerem criadoramente o acesso à sua obra, ao sentido mais avançado que o seu conteúdo incorpora e à ampla avaliação do tempo e do mundo em que Camões viveu.

Como escreveu Óscar Lopes: «Só se pode ver Camões e todas as suas condignas dimensões humanas se colocarmos a sua obra na perspectiva de vários séculos de luta, quer do povo português, quer de muitos outros povos, contra a exploração feudal, capitalista e capitalista-imperialista, luta pela autodeterminação real, inclusivamente económica e cultural, do povo português e de todos os povos que com ele podem hoje livremente dar-se as mãos, num combate que continua, e agora inequivocamente em comum».

4. Camões e a sua obra são, hoje, património comum da humanidade. Traduzido em várias línguas, representado, estudado e apropriado em diferentes partes do mundo, o poeta continua a ser, actualmente, um nome maior da história da literatura.

Artista de grande dimensão, não protegido pelo poder, marginalizado pelos poderosos e privilegiados do seu tempo, Camões é um poeta do povo e da pátria portuguesa – pelo modo como reflectiu um acontecimento histórico, os descobrimentos geográficos, e como desenvolveu e apurou as capacidades da língua portuguesa, tendo sido um criador de palavras e arranjos sintácticos.

Camões é um poeta do Renascimento, de uma época de exaltação das realizações humanas face ao divino e ao obscurantismo, de um mundo em transição, no qual se vai formando um novo pensamento filosófico e científico, ligado à observação da natureza e à experiência, que as forças reaccionárias dessa altura, nomeadamente através da Inquisição, procuraram reprimir e conter.

Ligado ao pensamento progressista português do seu tempo, Camões traduz na sua obra um pensamento de tipo dialéctico – de que é exemplo o soneto «Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades» – a crítica da injustiça – «Vê que aqueles que devem à pobreza/Amor divino, e ao povo, caridade,/ Amam somente mandos e riqueza,/ Simulando justiça e integridade./ De feia tirania e de aspereza/Fazem direito e vã severidade;/ Leis em favor do Rei se estabelecem;/As em favor do povo só perecem.» (Lusíadas, Canto IX, estrofe 28) - a par da evidência do período de descoberta e do saber de experiência feito.

Os descobrimentos geográficos são do maior alcance histórico no desenvolvimento do espírito crítico, da experimentação e da procura do novo no conhecimento, nomeadamente no campo da Geografia, Astronomia, das Ciências Naturais, da Cartografia, das técnicas de navegação, ligando ciência e técnica. Um processo que foi, contudo, posteriormente aproveitado pelas classes dominantes para impôr a brutal exploração, durante séculos, de outros povos, a escravatura e o tráfico, com as guerras de submissão e de conquista, ao mesmo tempo que submetiam também o povo português ao seu domínio e exploração - «Mas já nas naus os bons trabalhadores/Volvem o cabrestante, e, repartidos/Pelo trabalho, uns puxam pela amarra,/ Outros quebram co peito duro a barra» (Lusíadas, Canto IX, estrofe 10)

5. A intervenção do Partido Comunista Português nas comemorações do V Centenário de Camões é um contributo insubstituível para a participação activa do nosso povo nessas comemorações e para um maior conhecimento, difusão, apropriação e fruição da obra do grande poeta.

De facto, o direito à cultura ocupa um lugar central nos objectivos do PCP que o considera uma das quatro vertentes fundamentais de uma democracia avançada inspirada nos valores de Abril. Uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural com uma política cultural orientada para a salvaguarda, o estudo e a divulgação do património cultural nacional, regional e local, erudito e popular, tradicional ou actual; que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso País. Uma democracia que promova o intercâmbio com outros povos da Europa e do mundo, a abertura aos grandes valores da cultura da humanidade e a sua apropriação criadora; que estimule o combate à mercantilização e à colonização cultural; que fomente a promoção internacional da cultura e da língua portuguesas, em estreita cooperação com os outros países que a usam. 

6. Assim, com o objectivo de comemorar o V Centenário de Luís de Camões, o PCP promoverá um diversificado conjunto de iniciativas, a realizar ao longo dos anos de 2024 e 2025, que terão início numa sessão político-cultural, a realizar em Lisboa, no final de Agosto, e na Festa do Avante! de 2024.

7. O Partido Comunista Português apela ao envolvimento alargado de pessoas, estruturas e instituições, a que valorizem Camões e a sua obra – inseridos no seu tempo, no processo histórico de luta contra a opressão e a exploração, pelo progresso social – projectando-os na actualidade e afirmando o património cultural português, a língua portuguesa, a cultura e a arte, também nesse quadro; a que dêem o seu contributo insubstituível para levar a obra de Luís de Camões até ao povo.

Tal como sublinhava Álvaro Cunhal na Festa do Avante! de 1979, referindo-se às comemorações pelo PCP do IV Centenário da morte de Luís de Camões, «Camões não é a voz da reacção e do colonialismo. Camões é a voz do nosso povo, dos Lusíadas, a voz da insubmissão ante os privilégios, a voz do progresso social e científico, a voz da nação portuguesa, num elevado sentido humanista», importa, na actualidade, enfrentar e rejeitar todas as tentativas de associar Camões, ou aproveitar o V Centenário do seu nascimento, para promover ideias e concepções retrógradas e reaccionárias como o chauvinismo, o racismo, a xenofobia, o colonialismo e o neocolonialismo. 

O PCP apela a que, inserida num processo aberto, activo e de interacção com a cultura mundial, se defendam e afirmem os valores da soberania e da independência nacionais, da cooperação entre os povos, elementos indissociáveis da luta emancipadora dos trabalhadores e do povo contra a exploração capitalista, por uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados, que é parte integrante da luta em defesa dos valores de Abril e pela sua projecção no futuro de Portugal.

  • Cultura
  • Central
  • 10 de Junho
  • Língua Portuguesa
  • Luís de Camões