Declaração de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre os aumentos dos preços, supressão de serviços e o processo de privatização das empresas de transportes públicos

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Reduzir, encarecer, privatizar – governo ataca serviço público de transportes

1- Com o anúncio, ontem, por parte do Governo das novas tarifas a impor nos serviços de transportes públicos e das significativas reduções a introduzir no serviço prestado por algumas destas empresas – Carris, Metro, Transtejo, Soflusa e STCP a que se somam as alterações já em curso na CP – o país está confrontado com um novo salto no processo de privatização das empresas públicas, de roubo aos milhões de utentes destes serviços, de negação do direito à mobilidade e de descarado favorecimento dos grupos económicos - Barraqueiro; Arriva/DB; Transdev – que operam neste sector.

Quando se exigia uma política que libertasse as empresas públicas do estrangulamento das dívidas à banca (criada por vinte anos de transferência para a dívida das Empresas do investimento nacional em infraestruturas e equipamentos), renegociando contratos e garantindo a sustentabilidade financeira das empresas públicas por via da transferência de justas e atempadas indemnizações compensatórias; quando se impunha uma política que atraísse mais utentes para o serviço público de transporte e a sua adequação às alterações demográficas, reduzindo tarifas, alargando a amplitude dos passes sociais, respeitando os direitos dos trabalhadores, reforçando e reformulando serviços com ganhos no plano da qualidade de vida das populações e da economia nacional (designadamente quanto ao défice energético e dependência externa); quando se reclamava uma ruptura com a política de favorecimento dos grupos económicos, alargando o serviço público, rompendo com o claro favorecimento das empresas privadas na transferência das indemnizações compensatórias e repartição de receitas dos passes sociais; o governo assume, uma vez mais, o seu posicionamento enquanto agente ao serviço dos grupos monopolistas, promotor do agravamento da exploração e do empobrecimento dos trabalhadores e do povo português, responsável por uma política que ameaça fazer implodir o serviço de transportes públicos que existe em Portugal.

2- O governo mente quando diz que a partir do dia 1 de Fevereiro o aumento dos preços será de 5%. Tal como em outras ocasiões, estamos perante uma habilidosa manipulação estatística para esconder que, para a maioria dos utilizadores, a subida dos preços dos passes sociais será bastante superior:

- Dos cerca de 100 mil dos utilizadores dos Passes Urbanos na Cidade de Lisboa, 27,5% tem o passe da Carris (sofre um aumento de 5,45%), 30,16% tem o passe do Metro (sofre um aumento de 21,34%) e 42% usa o passe Carris-Metro (que sofre um aumento de 3,4%). Ou seja, a média ponderada dos aumentos dos passes urbanos na Cidade de Lisboa é de 9,3%!

- Dos cerca de 60 mil utilizadores dos chamados passes combinados com o Metro, envolvendo a Rodoviária de Lisboa, Vimeca, Transtejo, CP, Fertagus, Soflusa, o aumento reflectirá a subida de 21% no passe do Metro (como veremos quando forem públicas essas tabelas), desmentindo ainda o propalado aumento de 4% nos privados, que também será superior!
- Nos Comboios Regionais e Interregionais da CP, únicas tabelas até agora tornadas públicas, os aumentos ultrapassam em muitas situações os 10%, quer nos passes quer nos bilhetes.

Mas este aumento, agora apontado para Fevereiro, é tão só o 3º registado no espaço de um ano. Tendo por base, os preços praticados em Dezembro de 2010 e os aumentos verificados em Janeiro de 2011 e em Agosto de 2011, chegamos à conclusão que em pouco mais de 12 meses, se verificou o maior aumento do preço dos transportes públicos de sempre:

- O passe Metro de Lisboa urbano 30 dias passou neste intervalo de 18,7€ para 29€, ou seja um aumento de 55,08%.

- O passe Metro de Lisboa Urbano 30 dias 4/18 e Sub-23 passou neste intervalo de 9,35€ para 21,75€, ou seja um aumento de 132%.

- O passe Carris Urbano 30 dias 4/18 e sub-23 passou de 11,95€ para 21,75€, ou seja um aumento de 82%.

Sendo que, para cada um dos passes referenciados, o governo assume promover a curto prazo um novo aumento de cada um desses passes para o valor de 35€, nivelando pelo valor do passe que foi agora criado – o chamado Navegante que envolve Carris, Metro e CP – com o objectivo claramente instrumental de promover a subida geral dos preços..

Na área metropolitana do Porto, as propostas que surgem apontadas pelo grupo de trabalho nomeado pelo governo para a AMP seguem o mesmo sentido de agravamento dos custos para os utentes. As alterações das zonas tarifárias de transporte (com um impacto estimado em 1,2 milhões de euros), o ajustamento de zonas entre a CP Porto e CP Regional fora da malha urbana (impacto estimado de dois milhões de euros) e a subida de cinco por cento nos preços das tarifas (impacto de 1,2 milhões de euros), a par da eliminação do chamado tarifário monomodal e dos títulos combinados dos STCP com os restantes operadores, apontam para novas subidas de preços a curto prazo que atingiram uma parte significativa das populações dos distritos do Porto, Braga e Aveiro.

Acresce que foi ainda pela voz do Secretário de Estado, que o país ficou a saber, que os passes 4/18, sub-23 e passe sénior, passarão a ter uma isenção de apenas 25% do valor dos passes, ou seja, um aumento de 50%. Aumentos que somados aos restantes resultam num agravamento global no espaço de um ano superior a 70% para jovens, estudantes e idosos . E se mais exemplos não é possível dar nesta declaração é porque o Governo, em flagrante violação da lei (dec. Lei 8/93), não publicou o tarifário com os necessários 10 dias de antecedência, pelo que o PCP considera que este aumento, além de injusto, é também ilegal e não pode ser aplicado.

3- O governo quer também avançar com significativas reduções de serviços prestados pelas empresas públicas. A luta dos trabalhadores e das populações, as posições assumidas pelo poder local, impediram que algumas das barbaridades propostas nos últimos meses fossem por diante.
Contudo, o sentido das medidas agora anunciadas - com a redução e supressão de serviços agravando as condições de mobilidade de milhões de utentes – é o mesmo que estava previsto anteriormente, e é inaceitável .
Na área metropolitana de Lisboa, para além das alterações no âmbito da CP que estão em curso, está prevista uma importante redução das frequências na ligação fluvial entre as duas margens do Tejo, e uma redução da oferta na rede Metro. Na Carris a redução é ainda mais significativa: são suprimidas 6 carreiras e mais 2 ao fim-de-semana, 9 são encurtadas, e só uma é prolongada, e pelo menos mais 13 sofrem uma redução de frequência. O mesmo tipo de reduções é apontada para a Área Metropolitana do Porto, estando adiantada a ideia da supressão de 16 carreiras nos STCP.

4- O Governo justifica estas medidas com a necessidade de reduzir custos nas empresas públicas de transportes mesmo que à custa da mobilidade das populações e do seu empobrecimento. Mas na verdade é o favorecimento dos grupos económicos que está por detrás destes anúncios. Para além da preparação das empresas para a sua privatização – com o aumento de receitas, a redução de serviços, o despedimento de centenas de trabalhadores, a redução dos seus direitos e remunerações – são os actuais operadores privados que beneficiarão no imediato da aplicação destas medidas por via da transferência de utentes (sem alternativa no serviço público) e da distribuição das receitas obtidas pelos passes. Ao contrário daquilo que o governo procura fazer crer, as empresas públicas têm sido esbulhadas em dezenas de milhões de euros ao longo dos últimos anos em beneficio dos operadores privados.

O Grupo de Trabalho nomeado pelo Governo para rever a rede de transportes da Área Metropolitana de Lisboa, produziu diversos estudos que na sua maioria foram ocultados da opinião pública. É o caso do «Anexo VIII – Repartição da Receita», de 23 de Novembro de 2011. Estudos que confirmam todas as denúncias que o PCP e as Organizações dos Trabalhadores têm realizado ao longo dos anos.

O caso mais evidente é a distribuição das receitas do passe intermodal cuja base de apuramento para a distribuição de receitas remonta a 1989 (anterior à expansão do Metro e à redução do transporte rodoviário fruto da sua privatização), revelando uma acção intencional de todos os governos (PS, PSD e CDS) de agir em prejuízo do erário público e em benefício dos grupos capitalistas a operar no sector.
Para que não fiquem quaisquer dúvidas: Em 2011, um total de 4 Milhões 140 Mil Euros que deveriam ter sido entregues às empresas públicas foram entregues às empresas privadas, particularmente às empresas ligadas ao grupo Barraqueiro (a RL recebeu 2 milhões 747 mil euros a mais) e à Multinacional alemã DB (a TST recebeu 2 Milhões e 129 mil euros a mais). Ou seja só entre 2008 e 2011 quase 20 milhões de Euros foram desviados das empresas públicas para os grupos económicos.

Para o PCP, não basta agora passar a aplicar o novo quadro e muito menos fazer uma reavaliação dos critérios de atribuição de receitas em favor dos grupos económicos como propõe o Grupo de Trabalho. É preciso apurar porque é que esta prática, denunciada pelo PCP há largos anos, denunciada pelo próprio Tribunal de Contas, prosseguiu impunemente.

Quem foram os responsáveis políticos por estas decisões que custaram dezenas de milhões às empresas públicas!

Na verdade o que este exemplo vem demonstrar, tal como o facto do maior encargo da maioria das empresas públicas ser actualmente o conjunto dos juros pagos aos banqueiros, é que as dificuldades financeiras das empresas públicas de transporte decorrem de uma política de desvio das suas receitas para os bolsos dos grupos económicos ao longo de anos.
5- O PCP reafirma que a política que está em curso, prosseguida ao longo de décadas pelos sucessivos governos e brutalmente agravada no âmbito do Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS assumiram com a União Europeia e o FMI, ameaça fazer implodir o actual sistema de transportes públicos.
O objectivo de privatizar a CP, a TAP, a ANA, a Carris, o Metro de Lisboa, a Transtejo e a Soflusa, os STCP, entregando-as ao grande capital sobretudo estrangeiro, constitui um verdadeiro crime contra os interesses nacionais.
Privatizações que pressupõe que os investimentos e as dívidas fiquem a cargo do Estado, que sejam eliminados – como está a acontecer – milhares de postos de trabalho, que os preços subam brutalmente, que os serviços prestados abandonem uma lógica social e se fiquem pelo exclusivo critério da rentabilidade capitalista, que a produção nacional neste sector seja liquidada – como é o caso da EMEF -, que a dependência do país se acentue face às grandes potências da União Europeia e do grande capital.
6- Só a luta dos trabalhadores e das populações poderá travar este rumo de desastre que está em curso.

O PCP apela à intensificação da mobilização dos utentes e dos trabalhadores destas empresas contra os aumentos dos preços nos transportes públicos, a redução de serviços e a privatização das empresas públicas de transportes. Para além das acções previstas para os próximos dias promovidas pelas comissões de utentes e pelas organizações representativas dos trabalhadores - com as quais o PCP está solidário - a manifestação convocada pela CGTP-IN para o próximo dia 11 de Fevereiro, no Terreiro do Paço, constituirá seguramente uma poderosa resposta à política de exploração, empobrecimento e saque que o Governo está a impor ao país.

Anunciamos ainda a realização pelo PCP de acções de contacto e mobilização dos trabalhadores e dos utentes para o próximo dia 1 de Fevereiro nos principais terminais de transporte do país apelando à rejeição destas medidas. Simultaneamente, o PCP apresentará um conjunto de iniciativas de carácter institucional de questionamento do governo na Assembleia da República – designadamente face ao roubo das empresas públicas na distribuição de receitas dos passes sociais – e apresentará um projecto de resolução contra as privatizações e pelo reforço do serviço público de transportes.

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