Intervenção de Ana Mesquita, 2.º Encontro Nacional do PCP sobre Cultura

Serviço Público de Cultura

Camaradas,

Num tempo em que as mais diversas forças políticas, sobretudo as mais reaccionárias, atacam e demonizam os serviços públicos e as funções sociais do Estado, é caso para perguntar-se que diabo é este serviço público de cultura que o PCP tanto insiste em propor e defender?

Um serviço público tem um conjunto de características que o permitem afirmar como tal, por exemplo: um objectivo ou missão de serviço de interesse colectivo e geral, uma perspectiva de universalidade, gratuitidade e de proximidade à população, a segurança da regularidade, continuidade, actualidade e qualidade do serviço prestado, a garantia de igualdade de todos os que dele beneficiam, a necessidade de participação democrática a todo o tempo, isto é, não só na sua construção, como também na sua gestão.

Ora, como aplicar estes princípios basilares à situação específica do serviço público de cultura, em que coexistem entidades e organismos do Estado com estruturas de criação de carácter formal ou informal, associativas, privadas, entre outras situações? 

Em primeiro lugar, temos de tomar a tarefa da sua construção nas nossas mãos, porque não há propriamente um manual de instruções. Mas existe uma Constituição que apontou um caminho claro para a concretização dos ideais de Abril na cultura e subsistem bases que a dinâmica então gerada pela Revolução nos deixou e que devemos potenciar.

Cumprir a Constituição e concretizar um direito de todos, que não pode ser dissolvido em generalidades, implica uma opção política e uma acção consequente. Por isso, o PCP propõe como orientação estratégica a construção de um efectivo Serviço Público de Cultura, elemento central de responsabilização pública pelo desenvolvimento, democratização e liberdade cultural.

Esta proposta é uma alteração radical à política seguida por sucessivos governos para a cultura, e em muito ultrapassa a mera reorganização ou reestruturação institucional do que agora existe. Significa isto dotar o Estado de um mecanismo organizado, articulado e sustentado que permita romper com a sujeição à ditadura do mercado por força do praticamente inexistente financiamento.

Afirmamos a democratização e desenvolvimento cultural no nosso país, causa comum de todos os que desejam um país democrático, desenvolvido, livre e soberano. Não se trata, por isso, de criar um monstro burocrático, muito menos de instituir qualquer dependência administrativa ou de tutela cultural sobre companhias e estruturas existentes ou a criar. Trata-se, isso sim, de criar as condições para materializar a democracia e a liberdade na cultura. 

Como se concretiza, na prática, esta proposta?

Há que avançar para o estabelecimento de um ponto de partida: a definição de objectivos de serviço público em todo o território, de forma a garantir o acesso de todos à criação e à fruição cultural. Um trabalho que exige ampla participação num processo de discussão democrático, para apurar as realidades existentes, as necessidades e as potencialidades, ao nível nacional, regional e local.

Ou seja, é preciso dar voz aos trabalhadores da Cultura, às entidades activas e de interesse no trabalho cultural e artístico, como estruturas de produção, programação, dinamização e divulgação, colectividades de Cultura e recreio e outras organizações do movimento associativo popular, escolas e agentes educativos, movimento sindical, micro-empresários, bem como às entidades e organismos da administração central e local. Ouvir ao longo de todo o processo, garantindo também processos de avaliação e de obtenção de indicadores construtivos e participados.

Depois, há que proceder à planificação da construção do serviço público de cultura, considerando a necessidade da sua estruturação e da reorganização dos serviços existentes. Sabendo que Roma e Pavia não se fizeram num dia, a existência de um plano plurianual que não caduque pelo simples facto de alcançar os limites de uma legislatura é condição fundamental para garantir que o trabalho não fica pela metade.

 O PCP defende, ainda neste âmbito, o estabelecimento de uma rede de Centros de Criação, equipamentos ou conjuntos de equipamentos capazes de acolher a produção e a programação de diversos tipos de projectos e produções artísticas de raiz local, nacional ou estrangeira, geridos por uma equipa técnica e apetrechados com os meios logísticos, técnicos e financeiros necessários ao seu funcionamento permanente. Propõe, igualmente, a criação de um sistema de partilha de meios logísticos e técnicos ao nível nacional e regional, devidamente dotado e actualizado.

Definidos os objectivos e realizado o plano, há que concretizar o financiamento e, de forma urgente, alterar os actuais mecanismos de atribuição de apoios públicos. A segurança da regularidade, continuidade, actualidade e qualidade do serviço prestado que caracterizam o serviço público não se compaginam com modelos de financiamento competitivo excludentes, típicos da economia neoliberal. Ou bem que temos serviço público ou então o que temos é o mercado a apropriar-se de um direito que é de todos.

Assim, a definição de um quadro de financiamento estável e previsível para as várias entidades e estruturas, a sustentação de organismos públicos com o estabelecimento do princípio da confiança na autonomia da gestão, a dotação financeira adequada e estimulante da produção cultural são prioritárias.

Nesse sentido, é necessário alterar e ampliar as diversas modalidades de acesso ao financiamento, estabelecer um plano plurianual que proporcione o apoio adequado a toda a actividade artística de qualidade reconhecida, em todo o território nacional, com acesso a alterações fiscais de sentido positivo para a actividade cultural e artística, e promover uma política de preços acessíveis e de alargamento da gratuitidade, designadamente, no caso da segunda, nas entidades e organismos públicos.

Um dos elementos estruturantes e fundamentais de qualquer serviço público passa pelos seus trabalhadores. Contrariamente ao que os vários titulares da pasta da Cultura dos sucessivos governos têm afirmado, não é desejável manter a precariedade. O que é preciso e é urgente é erradicar de vez a precariedade na cultura, no trabalho, na vida! Contratar os trabalhadores em falta nos vários organismos públicos, valorizá-los, acabar com a farsa de colocar bolseiros de investigação a colmatar necessidades permanentes, impedir que o carrocel da precariedade que alterna falsos recibos verdes, contratos precários, trabalho informal arruíne as perspectivas de quem tem direito a uma vida digna. Os vínculos precários dos trabalhadores da Cultura são a precariedade da própria Cultura.

Por fim, inclui também uma componente de educação e formação, de âmbito geral, aberto a toda a população, e também direccionado, que não pode esquecer a formação específica dos trabalhadores e agentes culturais.

Camaradas,

A proposta pelo PCP de um Serviço Público de Cultura constitui, mais do que a agregação e funcionamento articulado e sustentado de um conjunto de estruturas, instituições, entidades, recursos e meios, uma proposta de viragem nas políticas para a Cultura.

O Serviço Público de Cultura que o PCP propõe é uma estrutura promotora de uma política cultural do Estado, de carácter nacional e profundamente democratizadora, integrando, promovendo e apoiando as forças, iniciativas e meios existentes no território e provendo outros em falta.

É a garantia de independência, de ampla autonomia, de livre criação e efectiva fruição que hoje se encontram cerceadas porque continuamos sem sair do zero-vírgula-qualquer-coisa no Orçamento.

Viva a Cultura!

Viva o PCP!

  • Cultura
  • Central
  • Cultura