"Revolução bolivariana em marcha"

Entrevista a Luís Tascón, deputado da Assembleia Nacional da Venezuela
Avante Edição N.º 1580, 11-03-2004

Na base do conflito entre governo e oposição na Venezuela, estão as mudanças impressas por Hugo Chavez e pelo processo revolucionário bolivariano em curso naquele Estado latino-americano. Aproveitando a presença em Portugal, a semana passada, de uma delegação de representantes de associações e partidos políticos venezuelanos, o Avante! convidou o deputado Luís Tascón, eleito pelo «Movimento Revolucionário Bolivariano V República», para uma conversa sobre a situação política e social no país.
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Avante!: Qual é a finalidade da vossa visita?

Luís Tascón: Esta é a única forma de comunicarmos com o mundo e dar a conhecer a realidade em que vivemos.
O que procuramos transmitir é que na Venezuela está instalado um conflito, no qual uma das partes se apropriou dos meios de comunicação com uma campanha de desinformação contra o nosso movimento e o presidente da república.
O objectivo é apresentar a réplica, falar em nome das pessoas que representamos - a maioria dos venezuelanos, um facto omitido e desconhecido fora do nosso país.

Em que é que se traduz essa campanha?

Por exemplo, o sucedido em 11 de Abril de 2002, quando a oposição tentou derrubar Hugo Chavez através de um golpe de estado.
Nessa altura as televisões e as rádios desempenharam o papel principal, obstruindo a comunicação que o presidente estava a fazer ao país, de acordo com o seu direito constitucional.
Interromperam a declaração e substituíram-na por informação direccionada contra Chavez, convertendo-se na plataforma de contacto entre os golpistas.
Quando já se estava a restituir a legalidade constitucional, com o povo a sair à rua para defender os fundamentos da revolução bolivariana, nada foi transmitido.
Apesar de tudo, o povo foi mais forte e Chavez voltou ao cargo para o qual foi eleito.

Que relação existe entre a constituição e o processo revolucionário, nomeadamente a sua dinâmica popular?

A constituição da República Bolivariana da Venezuela nasce como iniciativa do presidente, foi ele que convocou a constituinte com vista à construção de um país com mais justiça social e económica.
A participação e o protagonismo popular estão ali consignados. O que se pretende é que esses princípios constitucionais se convertam em valores da própria sociedade, e assim a revolução estabelece o projecto do país.
A prova é que Chavez não teria permanecido depois do golpe se não contasse com um grande apoio popular, sabendo-se que a campanha da oposição é financiada por grandes interesses internos e externos, a começar pelos EUA.
O que se verificou foi uma mobilização impressionante, fazendo com que ocorresse o que nunca ocorreu em parte alguma. Um presidente deposto por um golpe foi reconduzido pelo povo que o havia eleito.

É por causa desses interesses que se falou numa possível intervenção norte-americana?

Parece-nos muito difícil, sobretudo pela situação política em que se encontra actualmente George W. Bush.
Porém equacionamos esse cenário, e contamos com o facto da Venezuela não ser o Iraque.
Saberíamos resistir a uma intervenção norte-americana, como aliás está fazendo o povo do Iraque e como fariam todos os povos que se sentissem ameaçados.
Sabemos que muitas vozes no mundo, de muitos países, condenariam uma intervenção injustificada, pois somos um país democrático e assim resolvemos os nossos problemas
Todavia, repito, esse é um cenário muito difícil, praticamente impossível.

A fraude da oposição

O conflito de que falou entre governo e oposição centra-se na exigência de convocação de um referendo revogatório do mandato de Hugo Chavez. Qual é o ponto da situação?

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anulou cerca de 400 mil assinaturas recolhidas pela oposição. A maioria destas não cumpria as regras estabelecidas, incluindo mais de 140 mil identificando pessoas já mortas, estrangeiros, menores de idade, de tudo.
O CNE enviou ainda para verificação outras 800 mil assinaturas que apresentavam indícios de falsificação.
O que se pretende é que as pessoas que realmente assinaram se dirijam aos centros públicos de verificação do CNE e confirmem a sua vontade de pedir o referendo.
Isto a posição não aceitou. Porquê? Por exemplo, veio na nossa delegação uma representante de uma associação civil cuja mãe apareceu como assinante da petição, apesar de já ter falecido há mais de dez anos. Pelo mesmo, milhares de pessoas manifestaram-se indignadas por terem abusado do seu direito político ou daqueles que conheciam e sabem que não poderiam ter assinado. Isto é uma grande fraude.

Quanto a iniciativas legislativas, qual tem sido o comportamento da oposição?

Com respeito a três leis fundamentais como a da polícia nacional, a do tribunal supremo e a lei de responsabilidade em rádio e televisão, estão bloqueadas.
A razão é que o regulamento da Assembleia Nacional permite o boicote parlamentar. Se não estão presentes todos os deputados da oposição não se podem aprovar. Podes mesmo passar 18 ou mais horas a discutir e aprovas apenas um ou dois artigos.
Nesse sentido pretendemos praticar algumas reformas na Assembleia Nacional que impeçam a sabotagem permanente, e coloquem o país no caminho da justiça social.

Qual é, neste momento, a capacidade de mobilização da oposição?

Penso que a oposição perdeu o caminho da luta de massas. Foram descredibilizados. Agora planeiam uma luta de focos, o que inclusivamente mereceu o repúdio de alguns dos seus seguidores.
Ainda assim poderão convocar um protesto contra a decisão do CNE, mas entretanto perderam o apoio no campo militar e nos quadros que tinham dentro da indústria petrolífera, fundamentais para paralisarem o país.
No seio da classe média, onde tinham grande apoio, as pessoas já não se sentem representadas pelos dirigentes da oposição, embora, apesar do trabalho que estamos seguindo, ainda não se possa dizer que são defensores da revolução bolivariana e do presidente Chavez.

Um projecto revolucionário

Que impacto têm os programas sociais que o governo está a realizar?

Os programas que temos levado a cabo, por iniciativa do presidente, deram-nos peso e legitimidade porque melhoraram muito as condições de vida das pessoas.
Por exemplo, ao projecto «Bairro dentro» está a atender cerca de doze milhões de habitantes, ou seja, é um plano de saúde directa para a população. Outro está a alfabetizar neste momento mais de um milhão de pessoas, e assim cada um dos projectos - no emprego, na habitação - está a cumprir os objectivos.
Claro que foi preciso ter vontade política para concretizá-los, mas o êxito está em conseguir mudar estruturalmente algumas realidades do país.

Mudanças estruturais na propriedade de sectores como o agrícola ou de extracção de petróleo?

Devemos entender que o espaço dessas empresas, assim como as instituições e a administração pública, estavam sequestrados por grupos de poder. A luta que temos travado é para recuperar para o Estado, para o país, toda essa riqueza, a começar pelo petróleo.
Durante a paralisação convocada pelos industriais perdemos mais de dez mil milhões de dólares, porém recuperámos a petrolífera contra um grupo de tecnocratas que detinham grandes negócios e grandes interesses em torno dessa empresa.
Empresas jamais nacionalizadas agora são da Venezuela. Recuperá-las permite redistribuir a riqueza de uma maneira diferente e esse é um objectivo para que mantenhamos esta relação com o povo, que não vai morrer. Que não fracassou e que não vai fracassar.

Que implicações têm essas mudanças na luta contra o projecto Alca e na cooperação com os restantes países da América Latina?

Não aceitámos o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) porque não nos parece justa a livre competição entre economias débeis e a economia norte-americana.
Isso seria permitir o neocolonialismo económico sobre todo o continente.
A proposta apresentada por Chavez, a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), busca um entendimento sub-regional que permita a cooperação justa entre todos os Estados soberanos face aos países desenvolvidos.

Isso integra a cooperação com Cuba?

Os únicos que forneceram ajuda à Venezuela foram os cubanos. Se os EUA ou Portugal nos oferecessem médicos nós aceitávamos. Lamentavelmente nenhum o fez. Se o fizessem seriam com certeza bem-vindos.

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