Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

A resposta da União Europeia ao surto epidémico da covid 19

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Sr. Presidente
Sras. e Srs. Deputados

O surto epidémico da covid 19 trouxe-nos vários ensinamentos: a centralidade no trabalho na nossa sociedade; a importância do Serviço Nacional de Saúde com carácter público, universal e geral; o papel dos serviços públicos; a valorização do mercado interno como motor de desenvolvimento e crescimento económico; a importância da produção nacional e a necessidade de o País não prescindir de produzir o que precisa e de assegurar o objetivo da soberania alimentar; a necessidade de controlo público de empresas e setores estratégicos, como a TAP; as opções erradas que constituem a subordinação da política orçamental às imposições da União Europeia e os problemas que resultam da ausência de uma soberania monetária e orçamental, procurando empurrar novamente o país para a chantagem dos mercados financeiros e para as imposições e condicionalismos da União Europeia.

Perante o surto epidémico da covid 19, a União Europeia deixou cair a máscara da solidariedade e da cooperação, revelando a sua verdadeira natureza e a prevalência dos interesses das principais potências e os interesses dos grandes grupos económicos, em detrimento da defesa dos povos. Não houve uma resposta adequada da União Europeia aos problemas que resultaram do surto, quer no plano da saúde, quer no plano económico e social.

Aparece agora a ideia de tudo se vai resolver com o dinheiro que Bruxelas há de mandar, ainda não se sabe bem como, nem a que condições estará associado. Anunciaram um “fundo de recuperação” no valor de 750 mil milhões de euros para apoiar a recuperação económica na sequência do impacto da covid.

Há um enorme foguetório em torno disto, por um lado a União Europeia a partir do eixo franco-alemão procura surgir agora como detentora da solução milagrosa para os problemas existentes, por outro lado o Governo deslumbrado ou não, embarca na encenação.

É dito que a maior parte é dado como subvenção aos Estados, mas omitem que o que estão a pensar é mandar-nos depois a fatura – ou seja, que o pagamento do empréstimo que suporta o fundo seja assegurado depois, quer pela via de um já sugerido aumento das contribuições por cada país, quer pela via da criação de «impostos europeus».

Estão a pensar em abrir mão de um adiantamento por conta de pagamentos futuros, com a agravante de novas parcelas da soberania nacional serem comprometidas, em matéria de impostos, na definição de uma política de desenvolvimento industrial à sombra e em nome de uma artificial soberania europeia.

Querem, a pretexto do surto, aproveitar a possibilidade para dar novos passos no aprofundamento do processo de integração, para retirar mais competências e recursos financeiros de cada Estado Membro, na tal «união fiscal», num processo de centralização de poder, para servir os interesses dos do costume.

É bom que se diga que da proposta, prevê-se que 500 mil milhões de euros sejam repartidos pelos Estados sob a forma de subvenção, o que significa uma verba para Portugal na ordem dos 15 mil milhões de euros, montante que não compensa as consequências do Euro, do mercado único e das políticas comuns, que está longe de responder às necessidade do país, bem como é bem inferior aos cerca de 30 milhões de euros que saíram do país para off-shores/paraísos fiscais.

Apesar do carácter insuficiente dos montantes financeiros, é essencial que sejam disponibilizados sob a forma de subvenções e que sejam colocados ao serviço da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da defesa e promoção da produção nacional e dos setores produtivos, da recuperação dos setores básicos e estratégicos da economia, do reforço dos serviços públicos e das funções sociais do Estado e do desenvolvimento soberano de Portugal.

É evidente que os problemas com que o País está confrontado exige medidas robustas e respostas a longo prazo para ultrapassar a atual situação. Certamente a solução não passa pelos condicionalismos e as sujeições macroeconómicas e políticas que enquadram o fundo, associado à implementação de políticas e de reformas neoliberais.

O povo tem ainda bem presente o que foram os anos das troicas, em que as medidas adotadas pela União Europeia não só tiveram na origem dos problemas que afetaram os povos, como contribuíram para o seu agravamento – no aumento da exploração, da precariedade e da instabilidade, dos baixos salários, da destruição de postos de trabalho e de capacidade produtiva, do ataque aos direitos sociais, das desigualdades sociais, da pobreza e das assimetrias entre países. Por isso medidas, associadas às ditas reformas estruturais, está-se mesmo a ver o que se pretende – encetar mais um passo no ataque aos rendimentos e direitos dos trabalhadores.

Portugal não precisa de perder mais parcelas da sua soberania, nem de políticas ditadas ao sabor dos critérios e das agendas de outros, dirigidas pelas grandes potências da União Europeia, para servir os interesses das grandes multinacionais.

O que Portugal precisa é de resgatar os instrumentos de soberania para tomar as suas opções em função da nossa realidade concreta, sem condicionalismos, nem constrangimentos. Precisa de produzir cá o que nos impuseram comprar lá fora e investir na modernização e diversificação da actividade económica. Precisa de recuperar o que nunca devia ter sido privatizado. Precisa de acelerar o investimento nas infraestruturas e reforçar os serviços públicos.

Precisa de libertar o País da submissão ao Euro e à União Europeia, de renegociar a dívida pública para libertar recursos para o seu desenvolvimento. De uma política de justiça fiscal e de combate aos privilégios dos grandes grupos económicos.

Precisa de assegurar a defesa do regime democrático, o combate à corrupção e a concretização de uma justiça independente e acessível a todos.

Por um Portugal livre e soberano e a construção de um futuro de progresso e desenvolvimento.

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