Intervenção de

Regime Jurídico das Farmácias de Oficina - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Apreciação parlamentar nº 54/X, do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto , que estabelece o Regime Jurídico das Farmácias de Oficina

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O decreto-lei que está em apreciação é uma compensação, embora insuficiente, pelo facto de esta importante matéria da propriedade das farmácias não ter sido debatida, com suficiente tempo e ponderação, na Assembleia da República.

O Governo decidiu optar por uma autorização legislativa e não por apresentar uma proposta de lei material, em resultado do que, depois, a Comissão de Saúde teve de realizar um seminário, bastante participado, sobre esta matéria, durante o qual ficou efectivamente denunciada a falta de participação e de profundidade em termos do trabalho que foi permitido à Assembleia da República.

A política do Governo para a área dos medicamentos é conhecida: transferência de custos para os utentes; abertura do mercado a grupos económicos privados muito interessados em questões, como, por exemplo, a da venda de medicamentos fora das farmácias, que, segundo dados do Governo, é hoje controlada, em 46%, por um mesmo grupo económico, o grupo SONAE; a questão de privatizar novas farmácias dentro dos hospitais, farmácias essas que podiam ser o desenvolvimento útil da farmácia pública hospitalar mas que, agora, são convoladas para um muito lucrativo negócio privado, a operar dentro dos próprios hospitais e com aproveitamento das sinergias dos mesmos.

É neste quadro que aparece este diploma de liberalização da propriedade das farmácias, em cuja votação o PSD se absteve e, à excepção do PCP, penso que nenhum outro partido votou contra. É importante dizer-se isto, porque, após esse debate, houve muitas evoluções, mas, na verdade, quando foi dada esta autorização legislativa, só o PCP votou contra, o que, repito, é preciso que seja recordado agora. É preciso dizer ainda que este debate tem uma mistificação. É evidente que a existência de um tipo de negócio cujo proprietário só pode ser alguém que exerça uma profissão específica é uma singularidade jurídica. Não há nenhuma dúvida acerca disso.

Só que a legislação não pode ser feita ou alterada em função de as situações jurídicas serem ou não singulares, tem de se ver quais são as consequências das alterações.

Ora, a alteração desta legislação, ao possibilitar que não farmacêuticos sejam proprietários de farmácias, tem como consequência que a propriedade de farmácias e até a concentração dessa propriedade passe a ser detida por grandes grupos económicos e, designadamente, multinacionais produtoras de medicamentos.

Esta possibilidade é o que mais desaconselha a alteração plasmada neste diploma, pois - e já sei que vão argumentar com isso -, mesmo estabelecendo o limite de quatro farmácias por proprietário ou sociedade proprietária, todos sabemos que, na prática, não vai ser eficaz.

Aliás, o Ministro da Saúde já disse que, antes da entrada em vigor desta legislação, quando apenas era possível ser-se proprietário de uma farmácia, havia e há pelo menos 400 farmácias em situação de propriedade irregular, assim violando, na prática, tal regra.

Portanto, perguntamos como vai garantir que, agora, com esta nova legislação, não vai acontecer o mesmo, tal como com a anterior legislação.

É evidente que vai acontecer. É evidente que foi o que aconteceu nalguns dos países da Europa onde esta alteração foi feita e levou à concentração da propriedade das farmácias e, provavelmente, em muitos casos, à verticalização do sector do medicamento, deixando o Estado com muito menos meios para intervir sobre esta matéria.

Há ainda outras matérias bastante graves em relação a esta legislação - e, com isto, termino, Sr. Presidente -, como a possibilidade de concentração geográfica das farmácias na sede de concelho, o que vai prejudicar as populações mais afastadas, ou como um injusto regime aplicado às farmácias sociais que, de forma excessiva, procura equipará-las às farmácias comerciais.

 

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