1 - É criado um regime de controlo de preços sobre os produtos do cabaz alimentar essencial (RCPCAE), que garante o controlo das margens dos operadores do setor da distribuição alimentar e logística.
2 – Para efeitos do RCPCAE, é definido um Cabaz Alimentar Essencial (CAE), constituído a partir dos produtos alimentares constantes na Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
3 – São sujeitas ao RCPCAE as entidades que desenvolvem as seguintes atividades económicas:
a) Comércio por grosso de produtos alimentares e bebidas, e respetivos agentes;682C b) Comércio a retalho de produtos alimentares e bebidas, em estabelecimentos especializados ou não especializados, e respetivos agentes;
c) Atividades de logística, transporte e armazenagem, associadas às atividades referidas nas alíneas anteriores.
4 – São excluídas da aplicação do RCPCAE as entidades que desenvolvem atividades referidas na alínea b) do número anterior:
a) cuja área de venda seja inferior a 500 m2; ou b) cuja faturação seja inferior a 1 milhão de euros; ou c) que sejam classificadas como cooperativas de consumidores, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do Art.º 4.º do Código Cooperativo.
5 – A execução e fiscalização do RCPCAE é da responsabilidade dos Ministérios da Agricultura e Pescas e da Economia.
6 – Para efeitos da aplicação do RCPCAE é definido um preço de referência para cada um dos produtos da lista a que se refere o n.º 2, através de uma fórmula que incorpore:
a) Custo de aquisição do produto, ou das matérias-primas, quando haja integração vertical de operações de finalização e embalagem de produtos;
b) Custos associados à finalização e embalagem de produtos, quando haja integração vertical dessas operações;
c) Custos associados à operação logística, incluindo transporte;
d) Custos associados à publicidade, marketinge desenvolvimento de produto;
e) Custos associados à armazenagem;
f) Custos associados à gestão de stockse operações de venda;
g) Os custos associados a quebras, nomeadamente por obsolescência de validade ou furtos, ou falhas na cadeia de abastecimento;
h) Margem de lucro não especulativa;682C i) Impostos e taxas.
7 - A margem referida na alínea h) do número anterior garante uma remuneração regulada, num nível económico-financeiro adequado e compatível com o interesse público, definido com base em critérios técnicos e económicos.
8 – As componentes referidas no n.º 6 podem ser definidas por indicação de um intervalo de valores e são determinadas e publicadas numa base mensal pelo Governo.
9- Para os efeitos previstos no número anterior, as entidades identificadas no n.º 3 procedem ao envio da informação relativa às componentes previstas no n.º 6 para a entidade com competência pela execução e fiscalização do RCPCAE.
10 – As entidades identificadas no n.º 3 têm a obrigação de colaboração, disponibilizando os contratos e a faturação de compra dos produtos.
11 – A entidade responsável pela execução e fiscalização do RCPAE utiliza, para os devidos efeitos, os elementos recolhidos e disponibilizados pelo GPP e pelo Sistema de Informação dos Mercados Agrícolas (SIMA), no sistema de informação permanente.
12 – É proibida a venda especulativa, entendida como a venda a um preço superior ao preço de referência definido no n.º 6, sem apresentação de justificação atendível.
13 - A entidade responsável pela execução e fiscalização do RCPCAE publica, trimestralmente, um relatório, em sítio na Internet, do qual consta o conjunto de ações inspetivas realizadas, as infrações encontradas e as coimas aplicadas.
14 – A entidade responsável pela execução e fiscalização do RCPCAE pode aditar produtos alimentares à lista constante no Anexo I, desde que sejam produtos alimentares sujeitos à taxa referida na alínea a) do n.º 1 do Art. 18.º do Código do IVA.682C 15 – Os regimes sancionatórios relativos ao incumprimento dos deveres previstos nos n.ºs 9 e 10 e à venda especulativa definida no n.º 10 são regulamentados pelo Governo, aplicando-se, no caso de cadeias de distribuição alimentar, a cada uma das lojas onde seja detetado o incumprimento.
Assembleia da República, 12 de novembro de 2024 Os Deputados, Paula Santos, António Filipe, Alfredo Maia, Paulo Raimundo Nota justificativa:
Os produtos alimentares essenciais fazem parte dos bens cujo acesso para a larga maioria da população não deve ficar dependente das estratégias de maximização de lucro dos grupos económicos do sector da grande distribuição.
Ao mesmo tempo que esmaga os preços pagos aos produtores e que aniquila o pequeno comércio, a grande distribuição apropria-se de margens de lucro especulativas, que fazem repercutir sobre os preços pagos pelos consumidores.
A grande distribuição aproveitou, oportunisticamente, a guerra e as sanções para aumentar de forma significativa os preços de muitos bens alimentares essenciais, com vista a aumentar a sua margem de lucro. Aproveitou ainda a medida do IVA Zero, que não resolveu o problema do aumento dos preços, para incorporar parte da redução fiscal nas suas margens de lucro.
Ao longo dos meses de aplicação do “Iva Zero”, a grande distribuição foi incorporando, décima a décima, o suposto alívio fiscal.
O cabaz de preços da DECO que custava 187,70€, a 5 de janeiro de 2022, 226,42€ a 13 de abril, 6 dias antes da entrada em vigor do IVA Zero, 222, 95 a 19 de Abril, no dia da 682C entrada em vigor do IVA Zero, a 27 de Dezembro de 2023, custava 230,01€, no dia 3 de janeiro, 236, 06€ e estava a 6 de Novembro a 233,58€.
Se o IVA Zero, sem controlo de preços, não se refletiu totalmente numa redução de preços, com o final daquela medida, após 1 de janeiro de 2024, a grande distribuição voltou a subir os preços prejudicando mais as famílias.
Os dados da inflação média geral escondem os aumentos dos preços dos bens alimentares. Segundo a série de dados compilados pela DECO, referida acima, entre 5 de janeiro de 2022 e 6 de novembro deste ano houve um aumento dos preços dos bens alimentares de 24%, muito acima da inflação.
Em 2022, 2023 e no que já se conhece de 2024, a Sonae fez 768 milhões de euros de lucro; e a Jerónimo Martins fez 1786 milhões de euros de lucro: 2 milhões e 700 mil euros de lucro por dia ao longo destes anos de enormes dificuldades para a esmagadora maioria da população.
Aumentos de lucros cimentados por um lado no aumento dos preços e, por outro lado na estagnação dos salários, o que mostra bem a necessidade de intervir para defender o interesse público, nomeadamente no acesso a bens essenciais.
A proposta do PCP é a criação de um regime de preços máximos, a aplicar a um Cabaz Alimentar Essencial, que defina um preço de referência para cada um dos produtos, com base nos custos reais e numa margem não especulativa, proibindo a venda a um preço superior sem justificação atendível.
A lista de bens do Cabaz é determinada em função da lista de produtos alimentares sujeita à taxa reduzida de IVA de 6%.
O regime de preços máximos proposto pelo PCP tem como tutelas o Ministério da Agricultura e Pescas e da Economia, sendo desejavelmente criada uma unidade de coordenação e fiscalização, que envolva entidades como o GPP do Ministério da 682C Agricultura e Pescas (entidade que, segundo anunciado pelo Governo, ficará a cargo da criação do Observatório de preços “Nacional é Sustentável”), a Direção-Geral do Consumidor e a ASAE.
Com esta proposta, que se articula com a proposta de monitorização e informação permanente sobre a distribuição de valor na Cadeia Agroalimentar, o PCP dá os meios às autoridades públicas para intervir sobre as margens e os preços praticados na grande distribuição, que têm representado um duro golpe no rendimento disponível dos portugueses. Além de criar estruturas com a missão de “observação” relativamente aos preços praticados, o Governo fica, com esta proposta, habilitado a intervir diretamente e de forma mais efetiva, com vista à sua redução.
Num contexto de cada vez maior concentração do mercado da grande distribuição, com um domínio oligopolista do sector, com comprovadas situações de cartelização de preços (como ainda recentemente ficou demonstrado pela coima aplicada pela Autoridade da Concorrência), urge a implementação de medidas que garantam uma intervenção pública sobre este sector, tendo em conta os enormes impactos que os preços têm sobre a maioria dos portugueses. 682C