Projecto de Resolução N.º 800/XII-2ª

Reforço de Enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde

Reforço de Enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

Na lei de bases da saúde - Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro -, é instituída a divisão do SNS em cuidados primários de saúde, prestados pelos centros de saúde, cuidados Hospitalares, assegurados pelos hospitais e os cuidados continuados integrados.

A prestação de cuidados de saúde, quer seja nos cuidados primários, quer seja nos cuidados hospitalares ou nas unidades de cuidados continuados, é assegurada por um conjunto vasto de profissionais, donde sobressaem os médicos, os enfermeiros, os técnicos de diagnóstico e terapêutica, os técnicos superiores de saúde, bem como os assistente técnicos e assistentes operacionais.

Nos últimos anos, os sucessivos governos têm desferido ataques grosseiros aos profissionais mediante o agravamento das condições de trabalho, dos vínculos e carreiras, quer ainda pela não afetação de número suficiente de recursos humanos essenciais à prestação dos cuidados de saúde com segurança, qualidade e em tempo útil. Tal ofensiva resulta claramente das orientações neoliberais que visam, no fundamental, desfragmentar e destruir um serviço público de primeira necessidade para as populações, com o fim último de o entregar ao setor privado e aos grandes grupos económicos.

A carência generalizada de meios humanos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nas unidades hospitalares e nas unidades de cuidados primários de saúde, de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde de diversas especialidades, administrativos, auxiliares, é uma questão central para a continuidade do SNS.

Há muito que o PCP vem alertando e denunciando a necessidade de os sucessivos Governos tomarem medidas eficazes em tempo útil, que evitassem a actual carência de meios humanos e a ruptura de muitos serviços públicos de saúde. A preocupação do PCP com a escassez de recursos humanos não é de agora, em 1999, 2003 e 2011 apresentou Projetos de Resolução que recomendavam ao Governo, a adopção de um conjunto de procedimentos que permitiriam ter um conhecimento exacto das necessidades de profissionais de saúde, bem como o reforço de profissionais no SNS

A redução de profissionais de saúde está bem patente nos dados publicados na Síntese Estatística do Emprego Público, em dois anos, entre 2010 e 2012, o SNS perdeu 5 mil trabalhadores. A entrada de trabalhadores tem sido inferior à saída, resultando assim um saldo negativo.

A par da redução generalizada de profissionais de saúde, o SNS confronta-se com escassez de enfermeiros. Foi, aliás, o reconhecimento do número insuficiente de enfermeiros e da importância destes profissionais para a qualidade dos cuidados prestados e com a segurança do doente que levou à elaboração do documento que recomenda a dotação adequada de enfermeiros nos diversos níveis de prestação de cuidados de saúde.

De acordo com o documento “dotação segura”, nos cuidados primários de saúde deve existir, conforme se trate de uma Unidade de Saúde Familiar ou de uma Unidade de Cuidados de saúde Personalizados, um (1) enfermeiro para 1.550 utentes. Enquanto, nas Unidades de Saúde pública deve, conforme as características geodemográficas da zona de intervenção, haver um (1) enfermeiro para 30.000 habitantes. Por sua vez, nas Unidades de Cuidados na Comunidade, a alocação de enfermeiros será definida de acordo com um conjunto de parâmetros, dos quais se destacam a área geográfica dos Centros de Saúde que integram o ACES; a dimensão, concentração e dispersão populacional, todavia, está inscrito no documento já referenciado, “enquanto não existir evidência para a identificação de uma dotação adequada para a prestação de cuidados seguros poderão ser considerados os tempos previstos”, por exemplo, para uma consulta de enfermagem/entrevista o tempo médio de 30 minutos e visitação domiciliária (incluindo deslocação) tempo médio de 60 minutos.

No que concerne aos cuidados hospitalares, o cálculo de dotação de enfermeiros atende, entre outros fatores, à taxa de ocupação, aos dias de internamento, aos atendimentos ou sessões realizadas, pelo que não existe um número que possa ser generalizado, este depende, da especificidade do serviço.

A carência de enfermeiros tem repercussões sérias nos cuidados que são prestados aos utentes, nomeadamente, a não realização ou dificuldades de resposta nos cuidados de enfermagem de acordo com as necessidades dos cidadãos, assim como o aumento dos ritmos de trabalho e, consequentemente agravamento do risco e da penosidade (stress, burnout, erros, entre outros) para os profissionais.

São muitos os enfermeiros em situação de precariedade a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, seja por contrato a termo certo ou colocados através de contratos de prestação de serviços por empresas de trabalho temporário ou ainda os “falsos recibos verdes” cujos contratos são estabelecidos diretamente com as Administrações. A incerteza e a instabilidade quanto ao futuro é o sentimento predominante nestes profissionais. Muitos enfermeiros optam por sair do país para encontrar emprego. Considerando a falta de enfermeiros nos Centros de Saúde e nos Hospitais, não se compreende, que existindo um número muito significativo de enfermeiros no desemprego não se dote estas unidades de saúde com o número de profissionais necessários e obrigue a que muitos abandonem o país para trabalhar no estrangeiro.

Em termos da carreira de enfermagem, o Governo impôs uma carreira, sem ter sido alcançado acordo em aspetos essenciais, nomeadamente na atribuição salarial, sem equiparar os enfermeiros a outros técnicos superiores na Administração Pública com carreiras especiais, não atendendo à especificidade da sua formação, qualificação e competências na área da saúde. Assim como não tem cumprido com o que está instituído no Decreto-Lei nº 122/2010, ou seja, o acesso a enfermeiro principal. Sucede, no entanto, que em muitas das instituições existem muitos enfermeiros a exercerem essas funções, mas por causa do congelamento das promoções não detêm a categoria.

A par dos problemas atrás enunciados, existe no Serviço Nacional de Saúde uma prática discriminatória dos salários pagos aos enfermeiros. A discriminação e a desigualdade salarial decorrem do facto de coexistirem nas entidades EPE contratos de trabalho em funções públicas (CTFP) e contratos individuais de trabalho (CIT). Esta discriminação traduz – se na prática por uma diferença salarial expressiva, em média, um enfermeiro com um horário de trabalho semanal de 35 horas, se tiver em CFTP aufere 1.201,48 euros, mas se tiver num CIT para as mesmas 35 horas recebe 1.020,06 euros. Isto significa que o enfermeiro com CIT ganha em média menos 181,48 euros. A somar a esta discriminação salarial, o enfermeiro em CIT é penalizado na retirada de três dias de férias.

Para além da discriminação salarial decorrente do tipo de contrato – CTFP / CIT- existe uma discriminação salarial entre enfermeiros dos Agrupamentos de Centro de Saúde – ACES, mormente entre os profissionais das Unidades de Saúde Familiar e das demais unidades funcionais – Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e Unidades de Cuidados na Comunidade Embora os enfermeiros realizem o mesmo trabalho, cumpram os mesmos indicadores, metas e resultados, o enfermeiro adstrito a uma USF modelo A recebe menos que um enfermeiro que exerce funções na USF modelo B.

A existência de práticas salariais discriminatórias contrariam o princípio constitucional de “trabalho igual, salário igual”, pelo que urge corrigir e abolir do SNS.

Ao longo dos anos, houve, por parte dos profissionais de enfermagem, um investimento na formação e no desenvolvimento de competências especializadas que introduzem valor acrescentado nos cuidados que são prestados aos utentes. Porém, este investimento não tem tido a devida recompensa salarial, assistindo-se presentemente à desvalorização económica dos enfermeiros especialistas.

A atividade profissional de enfermagem é prestada, em muitos casos, em situações de penosidade - sobrecarga física ou psíquica - e em circunstâncias que se associam ao exercício de funções em condições de risco e insalubridade. Aliás, o reconhecimento que a profissão de enfermagem é exercida nessas condições esteve na génese da atribuição de compensação pelo exercício de funções em condições particularmente penosas, o qual foi instituído pelo Decreto- Lei nº 62/79 de 30 de março. Neste Decreto-Lei institui-se uma tabela remuneratória que prevê o pagamento do que habitualmente se designa por “horas de qualidade” que este Governo reduziu em 50% em sede de Orçamento de Estado para 2013.

Para além da compensação remuneratória, o exercício de uma atividade em condições de risco e penosidade deveria ser tido em consideração na aposentação. Benefícios que foram reconhecidos por sucessivos Governos, estando contemplado no Dec. Lei 53-A/98, no qual se assume que existem determinados grupos ou sectores de pessoal que, por razões inerentes ao respetivo conteúdo funcional, nomeadamente a sua natureza, meios utilizados ou fatores ambientais, ou por razões resultantes de fatores externos exercem a sua atividade profissional em situações suscetíveis de provocar um dano excecional na sua saúde devem ser adequadamente compensados, sendo que uma das formas de compensação poderá ser, entre outros, os benefícios para efeitos de aposentação.

Os meios humanos são um elemento essencial para assegurar o futuro do SNS. O PCP entende que a continuidade do SNS, de qualidade, e para todos os portugueses é possível, com a dotação dos meios humanos necessários, com condições de trabalho, integrados em carreiras valorizadas, com remunerações adequadas e motivados para desempenhar este serviço público imprescindível, e que é um direito para toda a população, consagrado na Constituição da República Portuguesa. Há que definir políticas de defesa do SNS e de garantir os direitos dos trabalhadores.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, as seguintes medidas:

1. Que encare a grave insuficiência dos recursos humanos afectos à prestação de cuidados de saúde como uma questão decisiva para o futuro do SNS e do País;

2. Proceda a um levantamento das necessidades objectivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados continuados integrados);

3. Promova a contratação dos meios humanos com base no diagnóstico das necessidades elaborado, nomeadamente de enfermeiros que garantam uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência;

4. Melhore as condições de trabalho dos enfermeiros, reponha os seus direitos – fim dos cortes salariais; reponha o pagamento das “horas de qualidade” de acordo com os valores inscritos no Decreto-Lei nº 62/79 de 30 de março e dignifique as suas carreiras, proporcionando uma efetiva valorização profissional e progressão na carreira;

5. Ponha fim à discriminação salarial entre enfermeiros das diversas unidades funcionais dos ACES e harmonize os salários de todos os enfermeiros que exercem funções nos Cuidados de Saúde Primários;

6. Ponha fim à discriminação e a desigualdade salarial decorrente do facto de coexistirem nas entidades EPE contratos de trabalho em funções públicas (CTFP) e contratos individuais de trabalho (CIT);

7. Valorização económica do trabalho dos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista;

8. Reduza e otimize em todas as ARS os prazos de abertura dos concursos públicos para a contratação dos enfermeiros;

9. Elimine a precariedade e restabeleça o vínculo público a todos os profissionais de saúde que exerçam funções em unidades de saúde do SNS, independentemente do actual vínculo laboral;

10. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras, com base no que for acordado com as estruturas representantes dos respectivos trabalhadores.

Assembleia da República, em 11 de julho de 2013

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