Projecto de Lei N.º 233/XV/1.ª

Reduz as comissões bancárias e alarga as condições de acesso e o âmbito da conta de serviços mínimos bancários

Exposição de motivos

A perspetiva de agravamento das taxas de juro tem profundos impactos para as famílias (nomeadamente no crédito à habitação), assim como para o tecido empresarial. O PCP tem alertado para que, se não houver um aumento dos rendimentos que corresponda à inflação e à subida dos juros, a situação pode agravar-se de forma muito séria.

Se a banca, de forma mais ou menos explícita, procurava justificar com as taxas de juro negativas o aumento exorbitante das comissões bancárias cobradas, agora, perante um contexto de previsível aumento das taxas de juro, impõe-se a redução dessas comissões suportadas pelos portugueses, muitas delas sem qualquer correspondência a um serviço efetivamente prestado.

Com esta iniciativa, o PCP visa diminuir os custos de financiamento, com medidas que contribuem para a redução geral do nível de comissões bancárias, em particular eliminando a possibilidade de cobrança de comissões de manutenção de conta à ordem, e alargando o âmbito e as condições de acesso à conta de serviços mínimos bancários.

A titularidade de uma conta bancária à ordem e de um cartão de débito para sua movimentação constitui, hoje, uma necessidade para a esmagadora maioria dos cidadãos.

O Banco de Portugal reconhece que «a conta de depósito à ordem é o produto bancário chave para a inclusão financeira», devendo tal reconhecimento traduzir-se na possibilidade de os cidadãos acederem a estas contas sem estarem sujeitos à possibilidade de as instituições de crédito abusarem da sua posição para cobrarem comissões de manutenção excessivas.

O contínuo aumento das comissões bancárias tem prejudicado gravemente os clientes bancários – particulares ou empresas – traduzindo-se no pagamento forçado de uma “renda” às instituições bancárias, sem qualquer intervenção que a contrarie por parte dos poderes públicos, seja do Governo, seja do Banco de Portugal.

Segundo dados recolhidos pela agência Lusa, os cinco principais bancos que operam em Portugal cobraram 1.453,2 milhões de euros em comissões até setembro de 2021, o que representa um acréscimo de 141,4 milhões de euros (10,8%) face ao mesmo período de 2020.

Também a DECO denunciou recentemente “um agravamento médio [das Comissões] de 163%”, e que “os cinco maiores bancos aumentaram em quase 50% o custo das contas à ordem nos últimos dez anos, quando a inflação acumulada correspondeu a 8,4%.

Seguindo as orientações de sucessivos governos ou perante a passividade destes, sucessivas administrações da Caixa Geral de Depósitos, em vez de afirmarem uma estratégia de diferenciação da banca pública, adotam critérios de gestão em linha com a banca privada.

No recente Relatório sobre Vendas Associadas e Comissionamento Bancário, apresentado por determinação da Assembleia da República, o Banco de Portugal começa por afirmar: «As instituições são, em regra, livres de fixar o preço dos produtos e serviços que comercializam nos mercados bancários de retalho, ao abrigo dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual. A fixação destes preços é determinada pelo encontro entre a oferta e a procura, impulsionado pela atuação dos agentes de mercado

Estamos assim perante uma “doutrina” que se foi impondo por factos consumados – isto é, pelas práticas abusivas do oligopólio da banca comercial –, e que agora é legitimada e assumida pelas autoridades do Estado: mais uma vez citando o referido Relatório, «As comissões bancárias configuram uma prestação pecuniária cobrada pelas instituições aos clientes como retribuição pelos serviços prestados. (…) As comissões devem assegurar a adequada remuneração dos serviços efetivamente prestados pelas instituições, ser razoáveis e, segundo um critério de proporcionalidade, ter correspondência com os custos por estas incorridos

O que toda esta consideração traduz é uma conceção segundo a qual, para efeitos da “retribuição” dos serviços prestados, a liquidez e a capacidade de investimento de que os bancos beneficiam, fruto dos depósitos dos seus clientes, seriam algo de irrelevante – e cada componente da atividade bancária seria passível de cobrança. É uma conceção rentista, que visa legitimar a especulação e que como tal é inaceitável.

Perante os abusos praticados pelas instituições de crédito no que à cobrança de comissões diz respeito, e perante a complacência para com estas práticas por parte das autoridades, torna-se cada vez mais evidente que é necessária uma intervenção legislativa que defenda os direitos dos cidadãos e lhes garanta o acesso aos serviços bancários básicos.

Nesse sentido, o PCP propõe medidas para a redução geral do nível de comissionamento da banca. Propõe-se, em concreto:

  • Impedir a cobrança de comissões de manutenção de contas de depósito à ordem, uma vez que se trata de um dos custos que mais pesam sobre os consumidores, cujo valor tem vindo a aumentar nos últimos anos, nem sequer existindo qualquer pretexto para a sua existência, em face da alteração da política de juros do BCE;
  • Impedir a cobrança de comissões associadas ao levantamento de dinheiro ao balcão, um custo que hoje está generalizado, mas que durante anos não existiu, e que afeta particularmente reformados e pensionistas que utilizam os balcões bancários para o levantamento das suas pensões, assim como segmentos da população com menor capacidade de utilização de outros meios de levantamento;
  • Alargar o regime de acesso à conta de Serviços Mínimos Bancários (cujas comissões estão limitadas a 1% do IAS, ou seja, a cerca de 4,40 € por ano), abrindo a possibilidade de um cidadão poder ser, simultaneamente, titular de uma conta de serviços mínimos bancários e titular ou contitular de outras contas à ordem não abrangidas por este regime.

Assim, um cidadão poderá abrir uma conta de serviços mínimos bancários numa instituição de crédito à sua escolha ou converter uma conta depósito à ordem numa conta de serviços mínimos bancários, sem ter de encerrar todas as outras contas de que eventualmente seja titular, na mesma ou noutras instituições bancárias.

Segundo esta proposta, cada cidadão não poderá ser titular de mais do que uma conta de Serviços Mínimos Bancários. Propõe-se a retirada da limitação do número de transferências interbancárias, que também afasta muitos cidadãos deste regime.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei:

  1. procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, alterado pela Lei n.º 53/2020, de 26 de agosto, que consagra a proibição de cobrança de encargos pela prestação de serviços de pagamento e pela realização de operações em caixas Multibanco, estabelecendo a proibição da cobrança de comissões bancárias pela manutenção de conta de depósito à ordem e pelo levantamento de numerário em Euros ao balcão;
  2. procede à sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 27-C/2000, de 10 de março, alterado pela Lei n.º 19/2011, de 20 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 225/2012, de 17 de outubro, pela Lei n.º 66/2015, de 6 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 107/2017, de 30 de agosto, pela Lei n.º 21/2018, de 8 de maio e pela Lei n.º 44/2020, de 19 de agosto, que cria o sistema de acesso aos serviços mínimos bancários, alargando as suas condições de acesso e o seu âmbito.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro

Os artigos 1.º e 4.º do Decreto‐Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1.º

[…]

O presente decreto-lei tem como objeto:

  1. […];
  2. […];
  3. […];
  4. Proibir a cobrança de encargos pelas instituições de crédito relativas à manutenção de conta de depósito à ordem;
  5. Proibir a cobrança de encargos associados ao levantamento de numerário em Euros ao balcão.

Artigo 4.º

[…]

  1. A violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º e 3.º-A, 3.º-B e 3.º-C é punida com coima nos montantes e nos limites referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
  2. […].»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro

São aditados os Artigos 3.º-B e 3.º-C ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, com a seguinte redação:

«Artigo 3.º B

Cobrança de comissões de manutenção de conta de depósito à ordem

Às instituições de crédito está vedada a cobrança de quaisquer encargos pela manutenção de conta, relativamente a contas de depósito à ordem.

Artigo 3.º C

Cobrança de comissões de manutenção de conta de depósito à ordem

Às instituições de crédito está vedada a cobrança de quaisquer encargos associados ao levantamento de numerário em Euros ao balcão.»

Artigo 4.º

Alteração ao Decreto‐Lei n.º 27‐C/2000, de 10 março

Os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 4.ºB e 5.º do Decreto‐Lei n.º 27‐C/2000, de 10 março, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

[…]

  1. Os interessados podem aceder aos serviços mínimos bancários previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior, através da abertura de uma conta de serviços mínimos bancários em instituição de crédito à sua escolha, nos casos em que não sejam titulares de uma outra conta de serviços mínimos bancários.
  2. […]
  3. […].

Artigo 3.º

[…]

  1. […].
  2. Encontram-se englobadas na comissão referida no número anterior as transferências intrabancárias, as transferências efetuadas através de caixas automáticos, as transferências interbancárias efetuadas através de homebanking, incluindo transferências realizadas através de aplicações de pagamento operadas por terceiros e os levantamentos de numerário em Euros ao balcão.
  3. […].

Artigo 4.º

[…]

  1. A abertura de conta de serviços mínimos bancários depende da celebração de contrato de depósito à ordem junto de uma instituição de crédito que disponibilize ao público os serviços que integram os serviços mínimos bancários, pelo interessado que não seja titular de outra conta de serviços mínimos bancários nessa ou noutra instituição de crédito, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 4.º -B, ou no caso de o interessado declarar que foi notificado de que a sua conta de serviços mínimos bancários noutra instituição de crédito irá ser encerrada.
  2. O interessado deve declarar nos impressos de abertura de conta, ou em documento a eles anexo, que não é titular de outra conta de serviços mínimos bancários, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 4.º-B, ou que foi notificado de que a sua conta de serviços mínimos bancários noutra instituição de crédito será encerrada.
  3. […].
  4. […]:
    1. […];
    2. […];
    3. […];
    4. As consequências decorrentes da eventual detenção de outra conta de serviços mínimos bancários titulada pelo interessado no momento da abertura de conta de serviços mínimos bancários ou, posteriormente, durante a vigência do contrato de depósito à ordem.
  5. […]:
    1. À data do pedido de abertura de conta, o interessado for titular de uma ou mais contas de serviços mínimos bancários em instituição de crédito, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 4.º-B;
    2. […];
    3. […].
  6. […].
  7. […].
  8. […].

Artigo 4.º-B

[…]

  1. […].
  2. […].
  3. Sem prejuízo do previsto nos números anteriores, a pessoa singular que seja titular de uma conta de serviços mínimos bancários pode ser titular de outra conta de serviços mínimos bancários desde que um dos contitulares dessa conta seja uma pessoa singular com mais de 65 anos ou dependente de terceiros.
  4. […].
  5. […].

Artigo 5.º

[…]

  1. […]
    1. […]
    2. O titular não realizou qualquer das operações enumeradas na subalínea iv) da alínea a) no n.º 2 do artigo 1.º durante, pelo menos, 24 meses consecutivos;
    3. […]
    4. […]
    5. O titular, durante a vigência do contrato de depósito à ordem celebrado ou convertido ao abrigo do presente diploma, detém uma outra conta de serviços mínimos bancários numa instituição de crédito em Portugal.
  2. […].
  3. […].
  4. […].
  5. [...].
  6. […].
  7. […].»

Artigo 5.º

Não repercussão e salvaguarda dos consumidores

  1. Os eventuais encargos, ou a cessação de receitas das instituições de crédito com as alterações previstas na presente Lei, não podem ser repercutidas em outros encargos ou comissões a cargo dos consumidores.
  2. A violação do disposto no número anterior é punida com coima nos montantes e nos limites referidos nos números 1 e 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, sendo a fiscalização, a instrução dos processos de contraordenação e a aplicação das respetivas coimas da competência do Banco de Portugal.
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