Projecto de Resolução N.º 811/XII/2ª

Recomenda ao Governo que concretize as medidas políticas necessárias para o funcionamento pleno do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo

 Recomenda ao Governo que concretize as medidas políticas necessárias para o funcionamento pleno do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo

Se é verdade que a atenção dos profissionais e académicos com a saúde mental tem vindo a crescer, não é menos verdade que sabemos hoje que a doença mental representa custos sociais e económicos de grande dimensão. Estima-se que existam em todo o mundo 700 milhões de pessoas com doenças mentais e neurológicas e 350 milhões com depressão. Ainda no passado mês de maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) discutiu e aprovou, na 66ª Assembleia Mundial de Saúde, um Plano de Ação para a Saúde Mental 2013-2020.
Declarações recentes do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde confirmam que “não há saúde, sem saúde mental; (…) Conhecemos a dimensão do problema da saúde mental. As perturbações de natureza mental estão a crescer e os distúrbios mentais, independentemente da sua gravidade já são, e serão cada vez mais, a nova grande endemia do século.” Reconheceu ainda o governante que a degradação das condições económicas e sociais tem influência na deterioração da saúde mental: “sabemos bem que em momentos de maior dificuldade económica, em particular quando esta está associada a um acréscimo da dificuldade em encontrar trabalho e a um aumento da probabilidade de perder o emprego, há maior risco de perda de saúde. (…) Temos consciência de que o desemprego está associado a um risco de degradação do estado de saúde.”

A relação entre a situação económica e social e os seus efeitos na saúde mental é também referida no Relatório de Primavera 2013 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde: “também é sabido que o efeito negativo do desemprego sobre a saúde mental é maior nos países com um baixo desempenho económico e distribuição desigual dos rendimentos. Pelo contrário, um melhor desempenho económico e uma boa rede de proteção social (i.e., estabilizadores automáticos) poder-se-ão constituir como fatores amenizadores deste fenómeno.”

São, portanto, as próprias instituições públicas e os governantes a reconhecer que o contexto social e económico criado por sucessivos governos potenciam o surgimento de doença mental. Apesar deste reconhecimento, mantém uma política que conduz ao despedimento e ao empobrecimento, à redução de salários e pensões, aos cortes nas prestações sociais. É o próprio Governo que leva à degradação das condições de vida dos portugueses, potenciando o crescimento de distúrbios mentais.

A propalada preocupação com a saúde mental da população portuguesa é bem patente no Plano Nacional de Saúde Mental, aprovado através Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2008, (Diário da República, 1.ª série — N.º 47 — 6 de Março de 2008) e que se mantém ainda em vigor.

O Plano Nacional de Saúde Mental visa prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos: “Promover a descentralização dos serviços de saúde mental, de modo a permitir a prestação de cuidados mais próximos das pessoas e a facilitar uma maior participação das comunidades, dos utentes e das suas famílias; Promover a integração dos cuidados de saúde mental no sistema geral de saúde, tanto a nível dos cuidados primários como dos hospitais gerais e dos cuidados continuados, de modo a facilitar o acesso e a diminuir a institucionalização”.

O referido plano defende que os serviços de saúde mental se devem organizar de modo a: “Garantir a acessibilidade a todas as pessoas com problemas de saúde mental; Assumir a responsabilidade de um sector geo-demográfico específico, com uma dimensão tal que seja possível assegurar os cuidados essenciais sem que as pessoas se tenham que afastar significativamente do seu local de residência; Integrar um conjunto diversificado de unidades e programas, incluindo o internamento em hospital geral, de modo a assegurar uma resposta efectiva às diferentes necessidades de cuidados das populações”.

Uma das áreas sensíveis identificadas pelo plano é a dos recursos humanos, onde se assume que “o investimento na área dos recursos humanos é decisivo para o êxito da reforma dos cuidados de saúde mental que agora se pretende iniciar com a aprovação deste Plano.” A análise que então se fazia da situação mostrava “que, no conjunto dos serviços públicos de saúde mental, os recursos humanos são escassos”.

Assumia-se no Plano Nacional de Saúde Mental (PNSM) que a “A cobertura psiquiátrica em recursos humanos especializados, em particular médicos (incluindo internos) é assimétrica. A distribuição de psiquiatras entre hospitais psiquiátricos e departamentos de psiquiatria e saúde mental de hospitais gerais é de 2,6 e 1,1 médicos por 25 000 habitantes, respectivamente (…), enquanto a média nacional se situa em 1,5.” Em termos de cobertura pedopsiquiátrica, pior que a região do Alentejo onde existia um único profissional, apenas o Algarve onde não existia nenhum.

Os dados disponibilizados pela Direção Geral de Saúde (DGS), para o ano de 2008 (último ano disponibilizado no sítio eletrónico da DGS), em Elementos Estatísticos, Informação Geral: Saúde 2008, mostram-nos que em Portugal estavam inscritos na respetiva ordem profissional 923 psiquiatras, o que fazia com que existissem no nosso país, 11.514 habitantes por psiquiatra.

Contundo, a verdade é que apesar do reconhecimento público da importância da saúde mental e da definição de uma estratégia para esta área, os sucessivos governos não foram tomando as medidas para a implementação do PNSM. Tal situação é confirmada na insuficiência de psiquiatras em muitas unidades hospitalares do país (como o caso grave de Beja), na inexistência de intervenção integrada em saúde mental e na falta de articulação com os cuidados de saúde primários. Importa referir que ainda não foram criadas respostas em saúde mental ao nível dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados, em cumprimento da legislação governamental de 2010.

No Alentejo e em particular no distrito de Beja, os problemas de saúde mental assumem maiores proporções, acentuadas pela extensão territorial do distrito (cerca de 10% do território continental) e pela significativa dispersão populacional. O índice de envelhecimento de 179,5 é o mais baixo das 4 sub-regiões do Alentejo, mas ainda assim muito acima da média nacional (129,4).

É conhecida a relação entre esta região e o elevado número de casos de suicídio, sendo uma das regiões da Europa com a taxa mais elevada deste fenómeno. Ainda em maio de 2012, a Associação Psiquiátrica Alentejana (APA) no seu 2º Congresso realizado em Serpa, elegeu como tema “O suicídio no Alentejo”. Em declarações então prestadas à Agência Lusa, o presidente da APA confirmava que “o Alentejo é a região do mundo com a mais elevada taxa de suicídio e tem havido, há cerca de um ano e meio/dois anos, um aumento grande de toda a problemática psiquiátrica ligada à crise". Este fenómeno já levou a Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULSBA a criar um observatório para as questões do suicídio e parassuícidio. Estas são razões que exigem dos serviços de psiquiatria e saúde mental da ULSBA uma capacidade de resposta que estivesse, pelo menos, ao nível da média nacional.
A ULSBA apresenta indicadores preocupantes quanto ao número de médicos, quando comparado com dados nacionais de 2008. Atualmente prestam serviço na ULSBA um psiquiatra com contrato individual de trabalho e um outro profissional que se desloca à unidade dois dias por semana, o que perfaz 1,5 psiquiatras, que acompanham anualmente mais de 3.000 doentes, asseguram consultas externas, urgências, realizam exames médico-legais e prestam apoio à comunidade.
Tendo em conta que nos Censos de 2011 a área de intervenção da ULSBA tinha 126.692 habitantes, o que significa que há em média um psiquiatra por 84.461 habitantes, quase 8 vezes mais que a média nacional (11.514 habitantes / 1 psiquiatra em 2008). No momento, o distrito de Beja apresenta um rácio de 0,30 psiquiatras por 25.000 habitantes, enquanto a média nacional era 1,5 psiquiatras, segundo dados de 2008.
Estes números são bem a confirmação de uma situação gravíssima, colocando os doentes servidos pela ULSBA em situação de quase abandono em termos de saúde mental.
O Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Distrital de Beja (posteriormente ULSBA) funcionou provisoriamente durante cerca de 20 anos em três apartamentos fora da unidade hospitalar. Em 2010 avançou a construção da nova unidade, no valor de três milhões de euros, financiada a 70% pelo QREN, tendo os restantes 30% sido suportados por fundos próprios, conforme declarou na altura a Administração da ULSBA. O novo edifício, constituído por quatro pisos com ligação ao edifício principal do hospital através de uma galeria, tem a valência de internamento com 17 camas, gabinetes de consulta e urgência psiquiátrica, para adultos e crianças.
A obra ficou concluída há um ano e pronta a entrar em funcionamento. Contudo, a escassez de médicos impediu a abertura do internamento, apesar da transferência das consultas externas. A 8 de julho de 2013, a Presidente do Conselho de Administração da ULSBA, em declarações ao jornal Público assumia que a falta de psiquiatras obrigou à “suspensão de consultas”, contribuindo para uma maior “dificuldade no acesso à continuidade de tratamento”.
A falta de psiquiatras também impossibilita a abertura do serviço de internamento. A ULSBA tem neste momento um internamento de psiquiatria fechado e os doentes em situação aguda continuam, como até aqui, a serem internados no Hospital Júlio de Matos em Lisboa. Esta situação contraria os pressupostos da intervenção em saúde mental expressos no PNSM.
Já em julho de 2012, a Presidente do Conselho de Administração da ULSBA declarava ao periódico eletrónico Registo que “Só poderemos abrir a unidade de internamento quando a equipa de médicos psiquiatras necessária estiver constituída”, referindo que seria necessária a contratação de mais três psiquiatras e um pedopsiquiatra. Na mesma altura, declarava o Vice-Presidente da APA, que esta “é uma dificuldade que vem de trás e que faz com que muitas pessoas tenham de recorrer a um ou outro psiquiatra privado que se desloque à região. A resposta do Serviço Nacional de Saúde não pode ser esta”
A estas dificuldades somam-se outras de natureza económica da parte dos doentes que lhes colocam limitações no acesso à medicação ou nas deslocações para consultas.
Por tudo isto, podemos concluir que a carência de psiquiatras é neste momento a maior dificuldade ao funcionamento adequado do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental. Em reunião com o Grupo Parlamentara do PCP a 25 de junho de 2012,a Administração da ULSBA assumia que reorganizando equipas, existiriam recursos de enfermagem e auxiliares suficientes para abrir o novo internamento. Importa contudo salvaguardar que a redistribuição de pessoal dentro da ULSBA não crie carências noutros serviços. Apesar de terem sido abertos pelo menos dois concursos e colocados psiquiatras, que acabaram por sair, a situação continua por resolver porque as soluções encontradas têm sido de duração limitada.
Por esta razão o PCP exige novamente e através desta iniciativa legislativa a concretização de medidas políticas que supram de forma efetiva as carências referidas. Como dissemos já pessoalmente ao senhor Ministro da Saúde em 25 de Julho de 2012 e em 26 de junho de 2013, está demonstrado que abrir concursos para colocação de psiquiatras não é o suficiente para se resolver a situação. Ao Ministério da Saúde não lhe cabe apenas abrir concursos. O ministério é um órgão político e se o problema não se resolveu ainda por via administrativa, tem de ser tomadas as medidas políticas para o resolver.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Tome as medidas políticas para colocar na ULSBA os psiquiatras necessários ao regular funcionamento do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental e que respondam às necessidades da população do distrito de Beja;
2. Estabeleça medidas políticas de colocação de recursos humanos médicos no distrito de Beja que, à semelhança do que o Serviço Médico à Periferia fez para os Cuidados de Saúde Primários, dotem este distrito dos recursos humanos de que carece;
3. Dote a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo de todos os recursos humanos e financeiros necessários ao pleno funcionamento do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental;
4. Proceda à abertura imediata do serviço de internamento do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo.

Assembleia da República, em 2 de agosto de 2013

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