Projecto de Resolução N.º 614/XIII / 2.ª

Recomenda ao Governo a implementação de medidas no âmbito da utilização de animais em investigação científica

Recomenda ao Governo a implementação de medidas no âmbito da utilização de animais em investigação científica

Por iniciativa do Partido Comunista Português foi apresentado, em 2010, o Projeto de Resolução n.º 159/XI/1ª, no qual se recomendou que não se afetasse recursos financeiros de origem pública, nacional ou comunitária, a entidades privadas para construção de biotérios propondo que, pelo contrário, se permitisse a disponibilização dessas verbas para o incentivo à criação de centros de investigação 3R.

Mencionava, ainda, que se estudasse a viabilidade e a necessidade, em articulação com as diversas componentes do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, da implantação de um centro de investigação 3R de caráter nacional.

Referia ainda o reforço dos meios técnicos e humanos da Direcção-Geral de Veterinária, atual Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, no sentido de promover a sua eficácia inspetiva, nomeadamente no que diz respeito às atividades de investigação e experimentação em animais.

Finalmente, aconselhou-se a produção, através dos serviços considerados competentes, de um relatório anual sobre o tratamento, investigação e experimentação animal, identificando as boas práticas e diagnosticando a situação anual em função do tratamento dado aos animais em Portugal, nos diversos usos que deles são feitos, nomeadamente a sua utilização em espetáculos, em experimentação científica, em cativeiro e em explorações pecuárias, aviários, ou outros centros de produção animal.

Esta iniciativa do PCP foi acolhida na Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010, em várias das suas recomendações.

Tem-se assistido, ao longo do tempo, a uma constante e crescente preocupação e consciencialização dos cidadãos que se reconhecem na necessidade de se utilizar, cada vez mais, métodos alternativos ao uso de animais na experimentação.

Na verdade, a ciência moderna admite que, em situações de stress, muitos animais apresentam comportamentos tais como colapso da atividade circadiana, estereotipias comportamentais, perda de comportamentos de jogo e conforto, apatia, disfunção neurofisiológica e endócrina, desregulação dos sistemas transmissores, desestabilização dos circuitos nervosos centrais, alterações crónicas na regulação dos níveis das hormonas do stress, medo, pânico e depressão.

Acresce, ainda, a constatação de que os modelos não humanos diferem tanto dos humanos que as conclusões retiradas do tipo de investigação que recorre à experimentação, quando aplicadas às patologias humanas, adiam mesmo o progresso e rapidez da cura. O exemplo da Oregon Health Sciences University, um dos conhecidos polos de investigação na área das doenças cancerígenas, já afirmou que nada de relevante para tratar as patologias humanas foi descoberto em décadas de investigação com ratos na área da engenharia genética: os tratamentos funcionam com ratos transgénicos mas falham quando os aplicamos à espécie humana (Barnard, ND; Presidente do Comité de Médicos por uma Medicina Responsável, janeiro de 2001).

Há várias espécies de animais usadas em laboratórios, designadamente gatos, cães, ratos e ratinhos, coelhos, cobaias, hamsters, primatas não humanos, porcos, cavalos, ovelhas, cabras, aves, peixes, anfíbios e répteis.

Apesar da existência de métodos científicos de teste de substâncias sem o uso de animais, tais como técnicas alternativas que abrangem o uso de células humanas, culturas de tecidos e órgãos, simulação e modelação computacional (e.g. tecnologia in silico), análise epidemiológica, estudos e ensaios clínicos, entre outras, continua a realizar-se pesquisa biomédica, cosmética, companhias farmacêuticas e comerciais, hospitais, laboratórios de saúde pública, laboratórios privados, universidades, através da experimentação animal.

A evolução das técnicas tem sido, ainda que a ritmos distintos, acompanhada por legislação no sentido de encontrar alternativas à experimentação animal para fins científicos e comerciais. Exemplos disso são precisamente as sucessivas Diretivas Europeias que proíbem a experimentação animal de produtos de cosmética e a comercialização de produtos testados em animais na Europa, bem como a Diretiva 86/609/EEC, transposta pelo Decreto-Lei n.º 192/92 de 6 de Julho, com posteriores alterações, que estabelece que nenhum animal deve ser utilizado em experiências científicas sempre que exista uma alternativa disponível e validada e que refere que deve ser evitada a duplicação de testes já realizados. A revisão da Diretiva 86/609/EEC refere ainda que as experiências devem ser feitas com recurso a anestesia e/ou analgésicos.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, transpôs a Diretiva n.º 2010/63/UE, de 22 de setembro de 2010, relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos.

Finalmente, a Portaria n.º 260/2016, de 6 de outubro, concretizando o Decreto-Lei n.º 113/2013, fixou a composição e o funcionamento da Comissão Nacional para a proteção dos Animais Utilizados para Fins Científicos (CPAFC).

Também em Portugal, o número de animais utilizados para fins científicos tem vindo, efetivamente a diminuir: dos 67.359 animais utilizados em 2010, passou-se para 46.556 em 2011 e entre 2011 e 2014 foram utilizados 25 606 animais (dados da DGAV) , um número ainda elevado se considerarmos que existem alternativas utilizadas noutros países, sendo que a política dos 3 R’s (in The Principle of Humane Experimental Technique, Russel & Burch, 1959) tem vindo a ser desenvolvida e aplicada na comunidade científica. Assim, o Replacement – Substituição, será o método científico empregando material não senciente substituindo métodos que usam animais vivos e conscientes. A substituição implica a experimentação em culturas de células em vez do uso de não humanos, a utilização de modelação computacional, a investigação utilizando voluntários humanos e o uso de estudos epidemiológicos. O Reduction representa a redução: serão os métodos para reduzir o número de não humanos utilizados para obter informação representativa e precisa através do melhoramento das técnicas experimentais, e das técnicas de análise de dados e da partilha de informação entre investigadores e, por fim o Refinement ou Refinamento, será o desenvolvimento que leve a uma diminuição na severidade de processos desumanos aplicados aos não humanos utilizados. O refinamento é atingido através do uso de técnicas menos invasivas, melhores cuidados médicos e melhores condições de acolhimento.

Em 1978, Smith reformulou a definição dos 3R's como sendo «todos os procedimentos que podem substituir completamente a necessidade de efetuar experiências com animais, reduzir o número de animais necessários, ou diminuir o sofrimento sentido pelos animais utilizados para o benefício de humanos e outros animais» e desde então muito trabalho foi produzido.

Face ao exposto, e na promoção de uma política de redução do uso de animais para fins científicos, recomenda-se que o Governo avalie e informe a Assembleia da República sobre a concretização das medidas recomendadas na Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010 e planifique a implementação do que ainda está por concretizar, bem como adote medidas numa perspetiva de criação de centros de investigação 3R e de minimização do sofrimento animal utilizado em investigação científica.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República que:

1. Avalie e informe a Assembleia da República sobre a concretização das recomendações constantes na Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010 e proceda à planificação da implementação do que ainda está por concretizar;
2. Reforce os meios humanos e materiais da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária visando o aumento da capacidade inspetiva do Estado sobre o tratamento de animais não humanos;
3. Realize um estudo de viabilidade, em articulação com o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, sobre a criação dos centros de investigação 3R;
4. Implemente a criação de uma rede pública de alojamentos e tratamentos adequados aos animais usados em experimentação, no sentido de minimizar o seu sofrimento.

Assembleia da República, 13 de janeiro de 2017

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