Intervenção de Inês Zuber, membro do Comité Central e Deputada ao Parlamento Europeu, Seminário «Direitos dos trabalhadores e contratação colectiva»

Quando mais as pessoas necessitam de apoio, mais cortes são feitos nos serviços públicos

Não podemos dizer que as instituições europeias não nos brindam com dados importantes sobre as consequências desastrosas e desumanas das suas próprias políticas – são múltiplos e variados os estudos que as próprias agências da UE realizam, os quais comprovam que esta política está feita para enriquecer uma ínfima parte das nossas sociedades. Mas, nem por isso, pensemos que tal provoca qualquer mínima inversão nas medidas que se tomam.

Em Portugal, basta ter um mínimo contacto com as realidades mais duras das famílias portuguesas, basta falar com as instituições que se vêem a braços – sem meios nem recursos – com os problemas reais, muito para além dos edifícios das instituições portuguesas, para entendermos a política de desastre social que UE e governo PSD/CDS não desistem de aprofundar.

O aumento da pobreza é, sem dúvida, o indicador mais alarmante e mais cru – O Instituto Nacional de Estatística de Portugal divulgou recentemente os resultados do Inquérito sobre rendimentos de 2012 - 18,7% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2012, valor mais elevado desde 2009, tendo-se também acentuado a tendência de crescimento do risco de pobreza para os menores de 18 anos (24,4%, valor superior em 2,6 p.p. ao verificado em 2011). Ao nível do efeito da inclusão das transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social na baixa de risco de pobreza, existe uma enorme diferença entre Portugal e a média da UE27. É que em Portugal, as transferências contribuem em 7,3% para a redução do risco de pobreza dos menores, na UE27 contribuem em 14,3 p.p.. Mas tal não podia ser de outra forma, uma vez que ao contrário do que a Comissão Europeia e o governo têm vindo a propagandear, as pessoas em situação mais desfavorecida não estão a ser protegidas. Basta atentarmos nos dados que a Segurança Social divulgou recentemente - o Estado português atribuiu, em Abril deste ano, prestações de desemprego a pouco mais de metade dos desempregados inscritos, tendo ficado de fora 311 mil pessoas inscritas nos centros de emprego, a quem foi negado o direito a qualquer dos subsídios previstos. Para além disso, o valor médio das prestações baixou de 468,93 para 465,06 euros, entre 2013 e 2014. Se tivermos em conta que existirão muito mais desempregados do que aqueles contabilizados pelo Instituto de Emprego – a começar, por exemplo, por aqueles que já desistiram de procurar trabalho, para não falarmos dos estagiários e frequentadores de programas ocupacionais que as estatísticas oficiais insistem em considerar pessoas com um emprego – temos que perguntar à Comissão Europeia e ao governo de direita em Portugal, como é que consideram que estas 311 mil pessoas sobrevivem diariamente?

A resposta sabemo-la – da solidariedade dos familiares, dos amigos, daqueles que pouco ou nada têm para partilhar. São os responsáveis das instituições de apoio social que nos dizem – se antes trabalhavam para tentar incluir camadas da população que pertenciam à mal chamada “pobreza crónica”, hoje regressaram 50 anos antes atrás, ao tempo em que as suas instituições distribuíam a “sopa dos pobres” a uma população que aumenta todos os dias. O nosso Ministro da Solidariedade e da Segurança Social está, de facto, orgulhoso das cantinas sociais que implementou e que considera serem, certamente, um modelo de desenvolvimento adequado a um país que também tanto se orgulha de pertencer à União Europeia dos direitos humanos. A mesma União Europeia na qual, segundo dados de 2012, tinha 125 milhões de pessoas, um quarto da sua população a viver em risco de pobreza e, com números muito generosos, 24,5 milhões de desempregados em Setembro de 2014. Mas os estudo da própria UE confirmam – mesmo entre as pessoas empregadas, a pobreza continua a aumentar. Os responsáveis da política de direita no país e na UE não se cansam de apregoar uma suposta baixa das taxas de desemprego – baixa essa muito duvidável pelas razões já indicadas – mas, apesar disso os dados oficiais não conseguem fugir à realidade verdadeira e sombria. O trabalho em part-time e os contratos temporários têm aumentado e constituem uma grande parte dos chamados “novos postos de trabalho” e o desemprego de longa duração não cessa de crescer – nos primeiros três meses de 2012, 12,9 milhões de pessoas estavam desempregadas há, pelo menos, mais de um ano, destacando-se a Espanha e a Grécia com máximos históricos a este nível. O desemprego juvenil está também em níveis altíssimos e tem subido bastante em países como a Itália. Na UE28, no início deste ano, mais de 40% dos jovens empregados tinham um contrato temporário e um quarto dos jovens trabalhavam em part-time.

Quando mais as pessoas necessitam de apoio, mais cortes são feitos nos serviços públicos, um dos sectores que há muito está na mira da UE para fazer parte integrante do chamado “mercado único” e seguir as mesmas regras da sacrossanta concorrência que beneficia um punhado de grandes grupos económicos. O Relatório da Eurofound publicado este mês sobre acesso a cuidados de saúde refere que os grupos populacionais que mais sofreram com os cortes nos sistemas públicos de saúde foram as pessoas com baixos rendimentos e baixo nível educacional, as pessoas com deficiência, os idosos e as pessoas com doenças crónicas, os sem-abrigo, os migrantes e os que pertencem a minorias étnicas desfavorecidas. Assim se vê como se protegem aqueles a quem se vulgarizou chamar “os mais vulneráveis”. Um exemplo do caos instalado no Serviço Nacional de Saúde encontra-se hoje na deficiente resposta hospitalar dada ao surto de Legionella – elevado tempo de espera, equipas insuficientes, profissionais esgotados, falta de meios de diagnóstico, falta de camas para internamento.

A pressão causada pelo desemprego – qual exército de reserva – conduz não só à diminuição dos custos unitários do trabalho, a começar pelos níveis salariais, mas faz emergir cada vez mais os fenómenos de pressão, violência e assédio no local de trabalho. Os riscos psicossociais são hoje maiores – 25 % dos trabalhadores relatam sofrer de stress durante todo o período de trabalho, nomeadamente, devido ao trabalho dito de alta intensidade, com horários de trabalho irregulares (ou flexíveis, como também gostam de dizer) e muito prolongados, ou seja, ao trabalho com altos níveis de exploração. Face a isto, a Comissão Europeia, apesar de considerar que a Estratégia Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho tem sido positiva, admite a necessidade de melhorias – como dizem na proposta para Estratégia 2014-2020 “Evitar que os trabalhadores sejam vítimas de acidentes graves ou de doenças profissionais e promover a saúde dos trabalhadores ao longo da sua vida profissional, desde o seu primeiro emprego, é fundamental para que possam trabalhar até mais tarde”. Ora aí está um dos objectivos que os donos da União Europeia não deixarão de perseguir: o aumento da idade da reforma. Está na agenda para o presente mandato da Comissão Europeia.

Se na teoria a UE valoriza a contratação colectiva, na prática reflectida nas imposições nos memorandos das Troikas, nas recomendações aos países no quadro do Semestre Europeu, não se cansa de apelar à “flexibilização dos sistemas rígidos do mercado de trabalho”, tudo com vista ao alcançar da tão propalada competitividade. Os sistemas de contratação colectiva, uma das maiores conquistas e armas de protecção dos trabalhadores, têm sofrido golpes gigantescos nos últimos anos. A pelo menos 12 países têm sido impostas alterações nos seus sistemas de contratação colectiva através das recomendações do Semestre Europeu (pois os países aos quais isto não foi imposto já não tinham sistemas de contratação colectiva consolidados). A UE confirma-nos – essas mudanças têm-se operado sobretudo nos países sob as troikas e tem enfraquecido a capacidade dos trabalhadores em celebrar acordos colectivos de trabalho, aumentando a sua desprotecção. Em Portugal, considera-se que a alteração às leis laborais teve o acordo dos trabalhadores, apenas porque a central sindical afecta ao patronato – a UGT – para além do Partido Socialista, deu a sua aprovação. A isto chama-se, no mínimo, toldar a realidade.

Porque a realidade, para aqueles que a querem ver de facto, é constituída por uma geração sem esperança, sem planos e quase sem sonhos, pela emigração massiva que duplicou desde 2008 em países como a Grécia, Espanha ou Portugal, pela pobreza a todos os níveis. A Comissão Europeia descansa-nos, porque mostra a sua solidariedade e diz-nos: “No período de 2014-2020, Portugal beneficiará de uma dotação de 177,6 milhões de euros do novo Fundo de Auxílio às Pessoas mais Carenciadas. Este fundo pode ser utilizado para atenuar as formas mais graves de pobreza, fornecendo aos mais necessitados, incluindo crianças, alimentos e/ou assistência material básica”. Mas ocultam que no mesmo período, só em juros da dívida, sairão dos bolsos dos trabalhadores 60 mil euros, direitinhos para os bolsos do grande capital financeiro que tenta sobreviver à custa da dívida pública.

Os tempos que vêm aí exigem a continuidade da vigilância, da resistência e da luta dos trabalhadores, a única acção que tem, apesar de tudo, posto travões à destruição dos nossos países. Na calha continuam as alterações aos regimes de contratação colectiva, a privatização de mais serviços, a destruição da segurança social pública através da transferência dos fundos desta para os privados, o aumento da idade da reforma, a alteração do tempo de trabalho, através da Revisão da Directiva chumbada em 2008.

É certo que só essa luta derrotará este projecto irracional de desenvolvimento que é o do capitalismo e que, a não ser travado, trará consequências perigosas e imprevisíveis para o mundo.

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