Projecto de Lei N.º 120/XV/1.ª

Propõe a criação de uma rede pública de creches como forma de garantir os direitos das crianças

Exposição de Motivos

Por proposta e iniciativa do PCP foram dados passos importantes no sentido da gratuitidade da creche, com o reconhecimento desse direito e a sua concretização progressivamente alargada a milhares de crianças desde 2020.

A inscrição desse objetivo no Programa eleitoral em 2019, a apresentação do Projeto de Resolução n.º 3/XIV e do Projeto de Lei n.º 371/XIV e a discussão do avanço dessa medida logo no começo da XIV Legislatura, com o Orçamento do Estado para 2020, confirmam a iniciativa e a determinação do PCP para que esse caminho fosse iniciado.

A par da defesa da gratuitidade da creche, o PCP tem igualmente defendido a criação de uma rede pública capaz de suprir a carência de vagas que hoje se verifica em Portugal e que constitui, na prática, a negação do direito à creche e da sua gratuitidade para milhares de crianças e respetivas famílias.

Não havendo um levantamento rigoroso da situação existente, estima-se que esteja em falta cerca de um terço das vagas necessárias à cobertura integral das necessidades de resposta de creche. É uma carência de cerca de 100 mil vagas para um universo total de cerca de 270 mil, numa situação em que a resposta está dependente da oferta de instituições do sector social e cooperativo (na sua grande maioria) ou do setor privado, sendo a carência mais sentida nas áreas metropolitanas.

Por isso o PCP tem defendido a criação de uma rede pública que permita, no prazo correspondente aos 4 anos de uma legislatura, assegurar essas 100 mil vagas que se estima estarem em falta, visando o objetivo de assegurar a universalidade da resposta de creche em Portugal, assegurando a cobertura de todo o território nacional e garantindo condições de igualdade a todas as crianças no acesso a uma resposta de qualidade nesse âmbito, independentemente das suas condições socio-económicas.

Estando Portugal confrontado com um grave défice demográfico essa medida assume particular relevância nas possibilidade reais de inverter a situação pelo que constitui de estímulo à natalidade. Não é difícil compreender o impacto positivo que tem na vida de uma jovem família a segurança de saber que, tomando a decisão de ter um filho, tem assegurada a resposta de creche e que a mesma é gratuita. Sobretudo quando vários estudos demonstram que os portugueses em idade fértil gostariam de ter mais filhos do que efetivamente têm.

O PCP entende que as medidas que têm de ser adotadas para combater o défice demográfico que atinge o País devem ter transversais mas tendo especialmente em conta duas dimensões: por um lado, o combate ao desemprego e à precariedade, criação de emprego com direitos, valorização dos salários e redução do horário de trabalho para todos os trabalhadores que assegure o direito de articulação entre a vida profissional e o acompanhamento das crianças desde o seu nascimento e, por outro lado, o acesso a equipamentos de apoio à infância, nomeadamente através da implementação da gratuitidade de acesso às creches para todas as crianças, entre outras medidas de promoção dos direitos das crianças.

Insistindo na necessidade de se avançar de forma mais firme e decidida no sentido da gratuitidade da creche para todas as crianças, o PCP propõe, com esta iniciativa legislativa, critérios, prazos e objetivos para a criação de uma rede pública de creches que garanta essa resposta com caráter universal, considerando o necessário faseamento.

Propõe-se que a criação da rede pública assuma o objetivo de disponibilização de 100 mil vagas até 2026, ficando a Segurança Social com a responsabilidade pelo investimento necessário à construção ou reabilitação de imóveis para esse efeito.

Propõe-se ainda que, sem prejuízo desse prazo, o Ministério da Educação assuma desde já a responsabilidade pela definição de orientações pedagógicas universais para as creches e que o Governo tome as medidas necessárias para que a educação dos 0 aos 3 anos seja integrada no âmbito do sistema educativo. Este objetivo não deve apenas traduzir-se na alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, deve sim contemplar o conjunto integral de medidas a concretizar para que essa alteração legal tenha efeito prático, designadamente em termos de planificação e organização dos meios humanos, técnicos e financeiros, consideração dos mecanismos adequados de seleção e recrutamento de pessoal, integração dos trabalhadores que asseguram a resposta de creche nas respetivas carreiras, tanto ao nível dos educadores de infância como dos auxiliares de ação educativa, incluindo a contagem do tempo de serviço e a progressão na carreira, bem como de calendarização dos procedimentos necessários em termos legais, regulamentares e de negociação coletiva.

A implementação da rede pública de creches representa o cumprimento de uma função social do Estado que este deve chamar a si, na sua gestão e funcionamento, sem prejuízo do papel complementar, de relevância, que deve caber às instituições de solidariedade social, assegurando a universalidade dessa resposta a par da sua qualidade.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

1- A presente lei cria a rede pública de creches.

2- A rede pública de creches integra o conjunto de estabelecimentos sob responsabilidade da Administração Central destinados a assegurar a resposta de creche a todas as crianças até aos 3 anos.

Artigo 2.º

Cobertura territorial

A rede pública de creches abrange todo o território nacional, visando o objetivo de assegurar a universalidade do acesso à resposta de creche.

Artigo 3.º

Criação da rede pública

  1. A criação da rede pública de creches é da responsabilidade do Governo, assumindo o Instituto da Segurança Social, I.P. a responsabilidade pelo investimento necessário à disponibilização de vagas em creche, incluindo a construção ou reabilitação de imóveis para esse efeito.
  2. É da responsabilidade do Governo o planeamento da criação da rede pública de creches considerando, ente outros, os seguintes critérios e objetivos:
    1. Assegurar até 2026 a disponibilização de, pelo menos, 100 mil novas vagas em creches ou soluções equiparadas no sector público;
    2. Planificar o desenvolvimento da rede pública de forma a assegurar o seu caráter universal e gratuito;
    3. Estabelecer prioridades para a criação de vagas na rede pública a partir da identificação das zonas mais carenciadas de resposta às necessidades das famílias;
    4. Identificar imóveis que sejam propriedade do Estado e que possam ser utilizados para o efeito, bem como necessidades de construção de novos equipamentos;
    5. Assegurar o financiamento público do investimento, inscrevendo as respetivas verbas no Orçamento do Estado e criando condições para o máximo aproveitamento dos recursos provenientes de financiamento comunitário, designadamente prevendo a possibilidade de garantir a contrapartida nacional por via do Orçamento do Estado.

Artigo 4.º

Orientações pedagógicas

  1. Compete ao Ministério da Educação definir orientações relativas ao conteúdo, organização e apoios pedagógicos adequados a este nível etário.
  2. As orientações previstas no número anterior assumem carácter universal, aplicando-se a todos os estabelecimentos que assegurem a resposta de creche independentemente da sua natureza pública, particular ou social e sem dependência do prazo previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º.

Artigo 5.º

Inclusão no sistema educativo

  1. Compete ao Governo a definição das medidas necessárias à integração da resposta de creche no sistema educativo e da rede pública na tutela do Ministério da Educação.
  2. A integração da resposta de creche no sistema educativo deve ser feita até 2026 considerando, entre outros, os seguintes critérios e objetivos:
    1. o enquadramento da educação até aos 3 anos no sistema educativo, incluindo a correspondente previsão na Lei n.º 46/86, de 14 de outubro – Lei de Bases do Sistema Educativo;
    2. a adequada planificação e organização dos meios humanos, técnicos e financeiros;
    3. a consideração dos mecanismos adequados de seleção e recrutamento de pessoal;
    4. a consideração adequada das condições de integração dos trabalhadores nas respetivas carreiras, tanto ao nível dos educadores de infância como dos auxiliares de ação educativa, incluindo a contagem do tempo de serviço e a progressão na carreira;
    5. a calendarização dos procedimentos necessários em termos legais, regulamentares e de negociação coletiva.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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