Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Prolongar o regime extraordinário de protecção dos inquilinos é proteger o direito à habitação

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Regime extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

O PCP convocou este debate e apresenta esta proposta de medidas extraordinárias de proteção e apoio aos inquilinos, porque há milhares e milhares de pessoas que vão ser confrontadas com a ameaça de ficarem sem casa – para além de todas aquelas a quem isso já está a acontecer, ou até já aconteceu.

Se a situação já era gravíssima antes da COVID-19, se já eram inúmeras as pessoas expulsas das suas casas e dos seus bairros, deixadas sem alternativa e à mercê da especulação imobiliária, então com a crise pandémica tornou-se ainda mais urgente tomar medidas de proteção aos inquilinos, para que não ficassem sem teto perante os impactos sociais e económicos da epidemia.

Pois bem, senhores deputados, se alguém nesta sala considera que os impactos da pandemia estão ultrapassados, que os problemas sociais já não se fazem sentir, que não há nem vai haver situações de pobreza, decorrentes da epidemia (e das decisões que possam ainda ser tomadas) … se alguém considera que isso já é assunto resolvido, então que peça a palavra, porque a discussão tem de ser outra!

É uma evidência que continuamos perante a necessidade incontornável de respostas efetivas na proteção e apoio aos inquilinos, porque os problemas continuam a fazer-se sentir!

Mais ainda: estamos na iminência de um problema ainda mais dramático que pode abater-se sobre dezenas de milhares de famílias, de pessoas idosas, com baixas reformas – com a famigerada Lei dos Despejos a aplicar-se, já a partir de janeiro, a todos os contratos de arrendamento anteriores a 1990.

Se até agora a situação já era e é de uma extrema gravidade, o que pode acontecer se nada for feito é uma verdadeira emergência social.

Estamos a falar dos contratos mais antigos, em que ainda prevalecem as situações de pessoas mais idosas, mais vulneráveis socialmente, tantas vezes com as suas vidas marcadas pela solidão, pela pobreza, por problemas de saúde – e que a partir de janeiro podem ter o senhorio a aplicar a Lei dos Despejos, colocando-as na rua para “libertar” a casa e fazer negócios mais rentáveis!

E se apontamos estes riscos e ameaças pela sua gravidade, não estamos a fazer considerações abstratas sem fundamento: estamos a ter em conta a realidade concreta e o que já acontece há anos na aplicação dessa Lei aprovada pelo PSD e CDS.

É que, nos contratos que se enquadram no Novo Regime do Arrendamento Urbano, já são incontáveis os casos de inquilinos que tiveram de sair das suas casas – não por se recusarem a pagar a renda, mas porque o senhorio (ou o fundo imobiliário) passou a ter a faca e o queijo na mão para denunciar o contrato e passar a cobrar de renda o dobro ou o triplo!

São conhecidos os casos dramáticos de pessoas que ficaram sem teto, famílias monoparentais onde o adulto estava empregado, tinha salário, e foi confrontado com um aumento exorbitante da renda. E agora andam de sacos às costas, de abrigos para pensões, com as crianças a terem de ir à escola, sem apoios nem alternativas.

Isso aconteceu por toda a parte onde se vive a lei da selva da especulação imobiliária – e só não aconteceu mais, durante a crise pandémica, porque houve medidas de salvaguarda na Lei que travaram algumas dessas barbaridades.

E agora que essas medidas de salvaguarda chegam ao fim, e alguns esfregam as mãos com a famosa “liberdade contratual entre as partes”, junta-se ainda a perspetiva imediata que se coloca potencialmente a centenas de milhares de pessoas, com arrendamentos anteriores a 1990.

Mas a verdade é que não estamos a tratar de uma relação contratual qualquer. Não estamos perante um fornecimento de bens ou serviços em “mercado livre”. Estamos a falar de uma condição de vida indispensável, e do acesso a um direito básico que é consagrado na Constituição da República.

Trata-se de responder ao imperativo constitucional de garantir que todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Artigo 65.º da Constituição! O mesmo que preconiza «um sistema de renda compatível com o rendimento familiar».

Mas esta discussão coloca em evidência uma outra realidade, indissociável desta: a extensão do empobrecimento da população e as consequências dos baixos salários. Num país onde o salário mínimo nacional, 665 euros, é o valor de referência para um em cada quatro trabalhadores, e onde o valor de arrendamento médio por metro quadrado em janeiro deste ano se fixava em € 11,20, fica mais clara a razão do elevado peso dos custos com habitação, nomeadamente no quintil de rendimentos mais baixo, onde a taxa de esforço é superior a 40%. Daí que seja urgente o aumento dos salários.

Senhores Deputados, já não estamos a falar das alterações mais profundas e abrangentes ao regime do Arrendamento Urbano, das inúmeras normas gravosas da Lei Cristas que é preciso corrigir ou revogar. Esse debate nós tivemo-lo em setembro passado, com a proposta do PCP – que mantém toda a justeza e atualidade, mas que foi já rejeitada quando o PS e o PAN e o PSD, CDS, CH e IL deram as mãos para votar contra o nosso projeto de lei.

O que agora está em causa é a resposta imediata a um problema que está aí à porta. E essa emergência social pode assumir novas proporções se não for travada nem prevenida!

É essa a oportunidade que o PCP vos traz com este agendamento.

É essa a responsabilidade que o País vos exige com esta votação.

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