Declaração de João Frazão, Conferência de Imprensa

Produção agrícola e Soberania Alimentar em Portugal

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Os últimos tempos encarregaram-se de trazer à evidência os erros profundos de uma política agrícola submetida às imposições da União Europeia, com a aplicação da Política Agrícola Comum, e aos interesses do grande agronegócio nacional e dos principais países produtores do Centro e Norte da UE.

Uma política agrícola aplicada, à vez, por PS, PSD e CDS, que nos trouxe a uma situação de dependência que hoje assume contornos dramáticos.

Uma política em que o planeamento esteve ausente, sem assegurar uma intervenção pública para garantir a produção de alimentos essenciais à população nacional.

Uma política de desprezo pela pequena e média agricultura, comprovadamente mais resistente a crises e a dificuldades.

Uma política assente na promoção da agricultura intensiva e superintensiva, mais dependente da utilização massiva de água, de fertilizantes e de fitofármacos.

Uma política que destruiu a capacidade produtiva nacional, ao nível agrícola mas também dos fertilizantes.

Uma política que, em determinado momento, pagou para que os agricultores portugueses deixassem de produzir, pagou depois para que não produzissem e continua a dar apoios sem a obrigação de produzir alimentos.

Uma política que desprezou a soberania alimentar, apostando tudo na produção para a exportação e na ilusória teoria do equilíbrio da balança alimentar em valor.

Uma política que não enfrenta, antes convive, com a concentração da grande distribuição, que instaurou um autêntico oligopólio, dirigido pelas quatro principais cadeias de distribuição, que impõe preços baixos à produção, que chegam mesmo a ser abaixo do custo de produção, enquanto utilizam os produtos agrícolas, e designadamente o leite, como âncora para atrair clientes para todos os outros produtos.

O PCP não se cansou de o afirmar, inclusive pela voz do seu Secretário-Geral. O PCP rejeitou a entrada da Política Agrícola Comum em Portugal, alertou para os seus perigos e rejeitou sucessivamente as reformas da PAC, em que PS, PSD e CDS estiveram sempre juntos, por considerar que elas não respondiam aos interesses dos agricultores portugueses, do povo e do País.

O PCP chamou a atenção para a vulnerabilidade da situação portuguesa, perante avisos que se sucederam, desde a erupção de um vulcão na Islândia que paralisou, durante semanas, os céus da Europa, aos bloqueios terrestres na ligação da Península ao continente Europeu, passando pelo incidente com um mega-navio que paralisou o movimento marítimo no Canal do Suez.

A pandemia de Covid-19, a seca, a guerra no leste da Europa e as sanções contra a Rússia estão a ser usadas como desculpa para os brutais aumentos dos preços e mesmo para problemas no abastecimento alimentar, mas encontraram uma situação de fragilidade na agricultura portuguesa que pode pôr em risco esse mesmo abastecimento.

O défice da balança agro-alimentar ao nível dos cereais, da carne de bovinos ou de batata põe em causa não apenas a soberania alimentar do País, mas mesmo a própria segurança nacional.

Portugal depende do estrangeiro, para a alimentação humana e animal, em 75% no conjunto dos cereais, sendo que, no caso do milho a dependência é de 70% e no trigo é de 95%. A exposição de Portugal à importação de milho da Ucrânia e a procura mundial que vai virar-se para mercados onde o nosso País se abastece são de uma gravidade extrema.

Portugal continua a ser autosuficiente em leite cru, mas a cada dia que passa assiste-se à falência de novas explorações e à concentração brutal da produção. As sanções à Rússia com o encerramento desse mercado às exportações da UE, afectará ainda mais as explorações nacionais.

Os produtores pecuários, designadamente de suínos, não comportam os aumentos dos custos das rações e encontram-se já a braços com dificuldades no abastecimento. O encerramento dos canais de exportação, portugueses e da UE, para a Rússia introduzirão novas dificuldades.

O comércio de vinhos perdeu, no imediato, um importante mercado que, como é conhecido, se encontrava a consumir cerca de 2500 garrafas de vinho português por hora. A que acresce a política de liberalização dos direitos de plantação da vinha, com o paulatino aumento da oferta no plano da UE.

Afirmações ocas de preocupação com a situação ou projectos e planos nacionais não apenas não têm aliviado as dificuldades como têm permitido que elas se agravem.

O PCP volta a chamar a atenção para o risco para a segurança nacional da dependência brutal ao nível dos cereais, que constitui, a base da alimentação humana e animal e cujo comércio mundial está nas mãos de quatro multinacionais.

O PCP fez já propostas, seja no sentido de ampliar a produção de cereais no nosso País, seja para acentuar as medidas de aprovisionamento.

Nos últimos meses, os agricultores vêem-se, entretanto, confrontados com o aumento exponencial dos custos dos factores de produção.

Sementes, energia, combustíveis, fertilizantes, pesticidas, alfaias e máquinas agrícolas viram o preço aumentar nos últimos meses. A guerra nada tem a ver com essa dinâmica especulativa e está agora a ser usada como pretexto para novos saltos inflacionistas.

Os fertilizantes, cujas matérias-primas têm na Rússia o principal produtor, aumentaram o preço, em alguns casos, em mais de 300%, muito antes da guerra começar. As máquinas agrícolas já estavam produzidas.
É imoral que os que, durante a epidemia, viram os seus lucros crescer à custa do sofrimento de milhares de portugueses, usem agora o pretexto da guerra para satisfazer a sua gula insaciável.

A seca que se fez sentir durante este Inverno, não obstante as chuvas que caíram nos últimos dias, veio pôr em causa as culturas de Outono/Inverno, e poderão estar também condicionadas as produções de Primavera/Verão. A displicência com que o Ministro do Ambiente declarou que o País terá água para dois anos, referindo-se apenas ao consumo humano, ou seja, não contando com a água necessária para a alimentação animal ou para a produção de alimentos, num momento em que há já gestores de reservas de água a aconselharem os agricultores a não procederem às sementeiras, tornam a situação ainda mais preocupante.

A situação actual comprova a necessidade de outra política. Uma política que assuma a ruptura com o caminho que nos trouxe até aqui. Uma política patriótica e de esquerda que assuma a defesa da produção nacional e particularmente da produção agrícola para garantir a soberania alimentar como prioridade nacional.

Criticando o atraso na tomada de medidas por parte do Governo e a timidez do que está anunciado, designadamente a antecipação das ajudas, que faltarão mais adiante, ou novas linhas de crédito para sectores já muito endividados, ou mesmo o anúncio da União Europeia de mobilização da Reserva de Crise, que para Portugal significará um apoio de pouco mais de 9 Milhões de euros, quando, ainda há um mês, o Comissário da Agricultura anunciava que era insuficiente para fazer face aos problemas apenas da suinicultura, o PCP reafirma que, no imediato, o que é necessário são ajudas directas aos produtores.

No médio prazo, colocam-se as ajudas na estabilização dos preços da energia, designadamente ao nível da concretização dos apoios permanentes à electricidade verde, aprovada na Assembleia da República por iniciativa do PCP e que já devia estar disponível a partir de 1 de Janeiro. Coloca-se também uma política de financiamento de pequenas obras hidroagrícolas, designadamente a construção de charcas para reter águas, onde isso seja possível. É ainda necessário rever as opções da PAC e do PEPAC, assegurando apoios adequados à pequena e média agricultura e à agricultura familiar, anulando a decisão de baixar o apoio no âmbito do Regime da Pequena Agricultura, para os produtores mais pequenos.

No plano estrutural, impõe-se, por um lado, a aprovação de legislação que clarifique os usos da água em caso de risco de seca, que o PCP já tinha proposto na Assembleia da República mas que foi chumbada por PS, PSD e CDS, que teria obviado a que, num ano como este, as empresas concessionárias das barragens, tenham procurado intensificar a produção de energia, deixando uma parte das barragens quase sem água.

Mas é principalmente necessário questionar o modelo de produção do nosso País. As circunstâncias actuais deixam à evidência a necessidade de mudar a lógica de produção em função do lucro para produção em função da necessidade de garantir a alimentação do nosso povo, apostando em produções adaptadas às condições meteorológicas e dos territórios.

Neste quadro, o PCP defende:

1. Uma política que assegure aos pequenos e médios produtores a garantia de preços justos e compensadores. Se os agricultores tiverem garantia do escoamento das suas produções lançarão as sementes à terra.

Tal implica a assumpção, por parte do Estado, de estruturas de recolha e aprovisionamento de produtos agrícolas, armazéns, silos, frigoríficos, reactivando as que já estiveram activas e assumindo as parcerias necessárias com o sector privado e cooperativo para o efeito.

2. A aprovação de legislação que proíba a venda de produção abaixo do preço de custo, com a criação de esquemas automáticos para a sua definição.

3. O assegurar de uma política de contenção dos custos de energia e combustíveis, regulando os preços, reduzindo o IVA da electricidade, acabando com a dupla tributação, concretizando o apoio à electricidade verde, de forma simplificada e permanente, e aumentando o apoio ao gasóleo agrícola, por forma a repor o preço do gasóleo pago pelos agricultores em Janeiro de 2021.

4. A garantia de controlo dos preços dos fertilizantes e dos pesticidas, designadamente através da aquisição pelo Estado, para distribuição pela pequena e média agricultura, em articulação com as suas organizações representativas.

5. O reforço das estruturas do Ministério da Agricultura para assegurar o planeamento da política agrícola e o aconselhamento técnico aos agricultores com verdadeiros serviços de extensão rural.

6. A identificação imediata dos terrenos com condições para a produção de cereais e a promoção dessas produções, ainda nesta campanha com incentivos directos.

7. A reconsideração do PEPAC, com vista a garantir a ligação das ajudas à produção.

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